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Estado de Minas DELAÇÃO NO CAMPO DE BATALHA

Muito usada na Lava-Jato, delação premiada deve sofrer alterações na lei

Combustível da operação que pôs políticos e partidos sob suspeita, a colaboração premiada volta à pauta do Congresso. Criminalistas querem barrar acordos com presos preventivamente


postado em 02/08/2015 06:00 / atualizado em 02/08/2015 07:47

O temor de uma dura condenação alimenta a lista de  investigados dispostos a abrir a boca para revelar detalhes do maior esquema de corrupção já descoberto no país. Antes dotados de cargos, poder e prestígio, eles ficaram conhecidos nacionalmente sob a pecha de delatores da Operação Lava-Jato, que vasculha pagamento de propina na Petrobras. A chance de reduzir a pena por meio da colaboração com os investigadores já levou, até agora, 22 pessoas a assinar acordos de delação premiada com o Ministério Público Federal (MPF). Desde quando foi instituído efetivamente, em 2013, esse instituto nunca havia sido tão usado numa mesma apuração, trazendo à tona informações que dificilmente seriam conhecidas de outra forma. Mas, apesar da recente implantação, mudanças nas normas podem entrar na esteira de “pautas-bombas” da Câmara dos Deputados no retorno do recesso parlamentar, que acaba na terça-feira.

A Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim) vai apresentar nos próximos dias à Câmara dos Deputados projeto que altera o instituto da delação premiada, estabelecido na Lei 12.850/2013. O deputado federal Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Advocacia, já se comprometeu a abraçar a causa, que também encontra o apoio do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Acusado de ter recebido US$ 5 milhões em propinas pelo ex-consultor da Toyo Setal Júlio Camargo, delator da Lava-Jato, Cunha já se posicionou favorável a mudanças. “A delação é um instrumento útil, desde que não tenha coação”, disse Cunha, na terça-feira, em referência ao projeto dos criminalistas. A proposta da Abracrim consiste, principalmente, em proibir acordos de delação premiada nos casos em que o acusado estiver preso cautelarmente.

“A simples situação de prisão traz pressão psicológica e comprometimento da vontade. A pessoa deve fazer a delação objetivando a negociação da pena, e não um resultado imediatista de obter a liberdade”, afirma o presidente da Abracrim, Luiz Flávio Borges D’Urso. “Isso deforma o instituto da delação, afastando a voluntariedade (um dos requisitos para o acordo) e cria uma situação que condiciona a uma coação”, completa o criminalista.

Ex-presidente da seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), D’Urso é também defensor de um dos acusados da Lava-Jato, o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto. “A Lava-Jato chamou a atenção face à quantidade de delações de pessoas presas. Por conseguinte, nos pareceu a hora de aperfeiçoar o instituto e pensar no que podemos fazer para melhorar o sistema”, afirma D’Urso, que evita comentários sobre a operação e destaca que o projeto não é “casuístico”.

Focado nas questões técnicas da legislação, ele critica também a possibilidade de retratação pelo delator e a falta de vínculo explícito do juiz que vai julgar a causa no acordo, dois outros pontos que serão tratados no projeto. Pela previsão de D’Urso, a proposta começará a tramitar já neste mês. De acordo com o deputado Arnaldo Faria de Sá, assim que o projeto chegar às suas mãos vai enviá-lo à consultoria legislativa da Casa. “Estou esperando. Mas quem vai definir como será o texto sou eu”, enfatiza. “Qualquer mudança na legislação tem que ser daqui pra frente. O que está ocorrendo não pode ser mudado”, adianta.

Prova de eficiência 

Para o vice-presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal, Getúlio Bezerra, ex-diretor de Combate ao Crime Organizado da PF, as críticas dos advogados são sinal da eficácia do instituto da delação premiada. “Isso é choro. E o choro é livre. É uma prova de que está dando certo”, afirma Bezerra, entusiasta da colaboração. “É um instrumento que facilita aos investigadores chegar a provas, principalmente em crimes financeiros e patrimoniais”, destaca.

Segundo o delegado, há mais de 20 anos havia a tentativa no Brasil de detalhar os termos dessa colaboração, feito alcançado apenas em 2013. “Hoje, o uso da delação premiada é uma situação irreversível. Pode-se desvendar a organização criminosa, recuperar muito mais dinheiro aos cofres públicos. É como achar um poço de petróleo”, afirma.

O ex-procurador-geral de Justiça de Minas Gerais Jarbas Soares Júnior, que tem assento no Conselho Nacional do Ministério Público, considera previsível a tentativa de criminalistas alterarem o instituto da delação premiada. “Toda vez que o MP cumpre uma lei há iniciativa para alterá-la. Até a Lava-Jato não havia tanto questionamento”, afirma. “Obviamente, todo projeto que vem no sentido de aperfeiçoar a lei será avaliado pelo Congresso Nacional e o MP poderá apresentar sugestões, como também outras entidades”, reforça. Jarbas destaca que a delação não é um instrumento exclusivo do Brasil. “A delação é um instituto republicano usado pelas instituições para enfrentar crimes sofisticados, como a corrupção. O Brasil era conhecido como o país da impunidade até as delações”, afirma.

Estudioso do tema, o advogado Erik Rodrigues Silva, doutor em direito pela Pontifícia Universidade Católica (PUC), reforça que Itália e Estados Unidos são referências no uso da delação. Mas critica a forma como o instituto vem sendo aplicado no Brasil. “Quando preso, o acusado fica numa condição fragilizada, susceptível a todo tipo de acordo. Além disso, a delação premiada está sendo usada para outras prisões preventivas e provisórias”, afirma Erik Silva.

Coordenador da Justiça Estadual da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), o juiz de Direito Gervásio Santos discorda da tentativa de proibir quem estiver preso cautelarmente de assinar o acordo. “Há casos de presos que não concordaram com a delação”, afirma o magistrado, que considera prematura a tentativa de alterar as normas.


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