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Estado de Minas

Quase 40 anos depois, permanecem duas teses para a morte de JK

Discussão sobre acidente tem versões diferentes: peritos falam em colisão de trânsito, enquanto Câmara Municipal de São Paulo acredita em conspiração


postado em 15/12/2013 07:00 / atualizado em 15/12/2013 07:39

Leandro Kleber

Desastre tem várias visões(foto: CB/ DA Press)
Desastre tem várias visões (foto: CB/ DA Press)
Brasília – As três gerações de peritos que analisaram as circunstâncias da morte do ex-presidente Juscelino Kubitschek em um acidente de carro, em 22 de agosto de 1976, não têm a menor dúvida sobre o que ocorreu naquele fim de tarde de domingo no quilômetro 165 da Via Dutra. Todos eles afirmam, categoricamente, que a tragédia foi resultado de uma batida de trânsito comum, em que o Opala dirigido pelo motorista do ex-presidente, Geraldo Ribeiro, perdeu o controle e atravessou o canteiro central da estrada após ser atingido, de leve, por um ônibus da Viação Cometa. O carro acabou colidindo com um caminhão no sentido contrário. Na última terça-feira, a Comissão da Verdade da Câmara Municipal de São Paulo aprovou um documento com 90 pontos com supostos indícios de que a morte do ex-presidente foi resultado de uma conspiração dos militares.

Os peritos que prepararam os laudos na época do acidente ganharam o respaldo de quatro outros profissionais que fizeram a exumação do corpo de Geraldo, em 1996, e de dois peritos que auxiliaram os trabalhos de uma comissão especial criada no Congresso para investigar as causas da morte de JK, em 2001. O colegiado foi presidido pelo então deputado federal Paulo Octávio, casado com Anna Christina Kubitschek, neta do ex-presidente.


Sem acreditar que a morte de JK foi consequência de uma batida de carro comum, seu ex-secretário Serafim Jardim, autor do livro Juscelino Kubitschek — Onde está a verdade?, pediu a exumação do corpo de Geraldo em 1996, após a morte de dona Sarah Kubitschek. Uma das versões, até hoje não comprovada, é de que o motorista levou um tiro na cabeça e, por isso, perdeu o controle do carro e bateu no caminhão. O tiro teria partido de um veículo Caravan, que emparelhou com o Opala na pista. Porém, a perícia feita nos anos 1990, em um trabalho assinado por quatro profissionais, derruba essa tese.

De acordo com o médico-legista Márcio Alberto Cardoso, um dos responsáveis pelos serviços, as fotos mostram o crânio de Geraldo intacto, assim que foi tirado da urna no cemitério de Belo Horizonte. “Há imagens publicadas, inclusive, na imprensa. Não havia perfurações ou fratura no crânio dele. O que achamos foi um prego, que chamamos de cravo, usado para fixar uma estrutura de pano nos caixões. Fizemos todos os testes para chegar a essa conclusão. Não tenho a menor dúvida do que fizemos”, afirma.

DOCUMENTAÇÃO
A versão de que JK não sofreu um acidente e, sim, foi vítima de conspiração voltou a ser derrubada por outros peritos, já em 2001. Convidados para auxiliar nos trabalhos da comissão externa da Câmara criada para elucidar os fatos, os peritos criminais Ventura Raphael Martello Filho e João Bosco de Oliveira concluíram, após analisarem a documentação e irem à Via Dutra para fazer diversos testes, que tudo não passou de um acidente. “Com 40 anos de experiência, não consegui descobrir, por meio de laudos, fotos, recursos técnicos e análise do local, que houve ali outra coisa a não ser um acidente de trânsito. O parecer técnico foi feito. Há uma série de impropriedades e argumentos infantis (como as teorias de conspiração)”, avalia Martello.


Ele participou da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, criada nos anos 1990, que concluiu que a morte da estilista Zuzu Angel em um acidente de trânsito no Rio de Janeiro, em 1976, foi consequência de um atentado. “Ali sim, pelo trabalho que fizemos, concluímos que houve um atentado. No caso de JK, não”, comenta.

Os trabalhos técnicos são apoiados por Maria Estela Kubitschek, filha do ex-presidente, e por Maria de Lourdes, filha do motorista Geraldo Ribeiro. Em depoimento à Comissão Especial da Câmara, Maria de Lourdes escreveu: “Eu, na qualidade de representante legal e afetiva da família, diante dos fatos, da credibilidade do IML na época e dos laudos emitidos em vários estados, acredito até hoje que a perícia de 1976 estava correta. Isto é, que meu pai, Geraldo Ribeiro, não tinha sido atingido por projétil de arma de fogo”.


Na época do acidente, chegou-se a comentar ainda que o carro poderia ter explodido, com bombas colocadas no Opala do ex-presidente quando ele parou no hotel fazenda Vila Forte, momentos antes de morrer. Além disso, houve a hipótese de que o carro teve o freio e a suspensão sabotados. Tudo contestado pelos trabalhos técnicos.


CNV investiga o caso

Brasília – Enquanto a Comissão da Verdade da Câmara Municipal de São Paulo considera “o assassinato de Juscelino Kubitschek, vítima de conspiração, complô e atentado político na Rodovia Presidente Dutra, com base em 90 indícios”, a Comissão Nacional da Verdade ainda investiga o caso. De acordo com a assessoria de imprensa do colegiado, os trabalhos estão sendo feitos com base na documentação disponível sobre o assunto e não têm qualquer ligação com o apurado pelo grupo paulista — apesar de haver um acordo de cooperação entre ambos. A próxima reunião da comissão nacional será feita apenas em 2014 e o documento produzido pelos paulistas deverá ser analisado pelos integrantes.

Para o vereador Gilberto Natalini (PV), presidente do grupo paulista, havia motivos para a ditadura assassinar JK. “Ele era um forte candidato a derrotar o adversário do regime militar. Houve, naquele período entre 1975 e 1979, uma matança da cúpula do Partido Comunista Brasileiro e de outros movimentos, como a Ação Libertadora Nacional (ALN)”, diz. Segundo ele, os peritos fizeram laudos falsos. “A gente não é criança. No tempo da ditadura, podia-se fazer isso. Hoje, não. O JK foi vítima de um atentado. O motorista levou um tiro”, acredita Natalini. “A verdadeira história brasileira será resgatada”, avalia.

O perito criminal Alberto Carlos de Minas disse ao Estado de Minas que viu um buraco com características de tiro no crânio do motorista de JK, Geraldo Ribeiro, quando o corpo dele foi exumado em 1996. A cena ocorreu, segundo ele, no Cemitério da Saudade, em Belo Horizonte. “Eu estava a uns 5m de distância do corpo e vi, nitidamente, um orifício no crânio quando uma pessoa tirou a ossada da urna. Depois de tantos anos de trabalho, a gente sabe o que é cada coisa”, garante Alberto, que disse ter sido impedido de fotografar a cena por militares no local. Ele não participou de nenhuma perícia sobre o caso.

Falta de provas Para o ex-secretário de JK, Serafim Jardim, o trabalho da perícia apresenta uma série de equívocos que devem ser contestados. “Venho lutando pela verdade há 17 anos. O perito criminal Sérgio de Souza Leite (responsável pela apuração em 1976) foi posto para fora do Instituto de Criminalística Carlos Éboli em 1995, 19 anos depois do acidente com o Opala de Geraldo Ribeiro, a bem do serviço público. A denúncia era contra os seus laudos, dos quais oito foram arquivados por falta de prova”, acusa.


Ouvido pelo Estado de Minas, Sérgio Leite disse que vai processar Serafim e o presidente da Comissão da Verdade de São Paulo por má-fé. “Eles sabem todo o teor do trabalho da perícia, mas preferem omiti-lo”, afirma. Em relação ao seu afastamento do cargo de perito, Leite diz que foi perseguido pelo ex-prefeito e ex-governador do Rio de Janeiro Marcello Alencar. “Entrei na Justiça depois e ganhei em todas as instâncias. Por isso, voltei ao serviço público e me aposentei”, comenta.


O vereador Natalini (PV), o ex-secretário de JK e o perito Alberto deverão falar sobre o documento com os 90 indícios na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara, em Brasília. O deputado Walter Feldman (PSB-SP) apresentou requerimento convidando-os a explicar os trabalhos realizados. A audiência pública deverá ser realizada em 2014. (LK)


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