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Estado de Minas

Rebelião em Governador Valadares é alerta máximo para crise carcerária

Rebelião que terminou com duas mortes e cinco reféns atirados do telhado chama a atenção para o risco de crise carcerária fugir ao controle no estado, onde superlotação é generalizada


postado em 08/06/2015 06:00 / atualizado em 08/06/2015 08:10


(foto: Reprodução TV Alterosa)
(foto: Reprodução TV Alterosa)

A rebelião de detentos encerrada na manhã de ontem, com duas mortes confirmadas no Presídio de Governador Valadares, no Vale do Rio Doce, lançou o mais concreto alerta para o risco de a situação do sistema prisional de Minas sair do controle. No estado, a população prisional aumentou 624% entre 2005 e 2012, segundo o Mapa do Encarceramento, divulgado semana passada pelo Ministério da Justiça. No caso de Valadares, as duas vítimas do motim foram detentos, mortos por outros internos amotinados, que também atiraram cinco desafetos do telhado de um dos pavilhões. A Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds) admitiu que a unidade prisional foi projetada para 290 presos, mas mantinha 800, três vezes mais do que a capacidade.

A rebelião em Governador Valadares durou 24 horas. Começou no horário de visitas de sábado, nos blocos B e D, onde as grades das celas foram quebradas. Outros pavilhões foram dominados e a situação só não ficou ainda mais grave porque a administração conseguiu retirar as armas do depósito da unidade. Os detentos atirados do telhado sobreviveram. Os dois mortos foram encontrados carbonizados, em um incêndio provocado pelos amotinados. O clima de tensão só começou a se aliviar por volta das 5h de ontem, quando 100 presos se renderam e começaram a ser transferidos para outras unidades prisionais da região, como Ipatinga e Teófilo Otoni. Seis presos ficaram feridos, entre eles um que deixou o local com a cabeça enfaixada e com o corpo manchado de sangue. Uma mulher que estava na ala feminina passou mal e foi socorrida pelo Samu.

Durante a madrugada, houve negociações. Policiais do Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate) e do Comando de Operações Especiais (COPE), ambos da Polícia Militar, e o juiz da Vara de Execuções Penais da cidade, Thiago Colnago, convenceram os presos a encerrar o motim. O magistrado, cuja presença foi exigida pelos internos, prometeu aos rebelados que vai analisar a situação penal de cada um.
Logo pela manhã, o secretário de estado de Defesa Social, Bernardo Santana, e o subsecretário de Administração Prisional, Antônio de Pádova Marchi Júnior, viajaram de avião para Governador Valadares para avaliar a situação. Os detentos já estavam sendo remanejados para outros presídios, em grupos de 20.

ENCARCERAMENTO Segundo a Secretaria Nacional de Juventude (SNJ), ligada à Secretaria-Geral da Presidência da República, o percentual de crescimento do número de presos em Minas está muito acima da média brasileira de aumento, de 74%. Minas aparece como o estado em que o número de encarcerados mais aumentou proporcionalmente (de 6.289, em 2005, para 45.540, em 2012), e registra a terceira maior variação na taxa de negros presos – aumento de 105% entre 2007 e 2012.

Para o coordenador do Núcleo de Estudos Sociopolíticos da PUC Minas, Robson Sávio, integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, tem se observado no estado uma tendência de aprisionamento de pequenos usuários e traficantes de drogas e responsáveis por crimes contra o patrimônio. No entanto, somente 3% dos homicidas estão presos, quando a média no Brasil está em torno de 8%.

Para ele, a situação fez com que o sistema mantivesse uma condição de superlotação, apesar de o número de vagas ter triplicado nos últimos anos. O especialista avalia que a lógica é inviável, pelos seus altos custos, e alerta que o problema não está localizado em Governador Valadares. Segundo ele, pelo menos 20 unidades prisionais da região metropolitana e do interior estão com problemas de superlotação.

O motim passo a passo

SÁBADO


Motim tem início na manhã de sábado, durante horário de visitas em um dos pavilhões. Presos dos blocos B e D quebram grades das celas

Outros três pavilhões são dominados pelos presos, além da administração, onde houve quebradeira

Direção do presídio consegue retirar a tempo todas as armas existentes na unidade

Por volta das 12h, um preso aproximou-se e disse que haveria disposição dos rebelados de negociar condições para o fim da rebelião. O major Fausto, do Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate), da PM, assume as negociações

Às 13h de sábado, policiais de Manhuaçu e de Teófilo Otoni, além do Batalhão de Choque da PM e o Gate cercam a unidade prisional. PMs do Comando de Operações Especiais (Cope), do Sistema Prisional, seguem da capital para Governador Valadares

Também às 13h, o juiz de Execuções Penais de Governador Valadares, Thiago Colnago Cabral, chega ao presídio e promete aos presos analisar a situação penal deles. A presença do juiz havia sido solicitada pelos rebelados

Por volta das 13h30, a entrada do Corpo de Bombeiros é permitida para combater incêndio provocado pelos presos dentro do presídio. Visitantes mantidos reféns são liberados aos poucos

Às 14h, a polícia é informada de que havia um preso ferido nas pernas, sem gravidade e que não havia agentes penitenciários feridos. Todos os acessos ao presídio são bloqueados e as negociações continuam

Entre 15h30 e 16h, presos jogam cinco detentos do telhado. As vítimas, que estavam em área de isolamento, foram encaminhadas a um hospital. Até então, não havia confirmação de mortos

Na área externa, houve princípio de tumulto nas vizinhanças do presídio, com PMs dispersando parentes e curiosos com bombas de efeito moral e balas de borracha

DOMINGO

As negociações avançam pela madrugada. Por volta das 6h30 de domingo, presos começaram a se entregar. Saíam de mãos levantadas, aos poucos, e eram algemados pela polícia

Às 7h, cerca de 100 detentos são transferidos para outras unidades, em veículos do Sistema Prisional

Duas mortes são confirmadas às 8h15. Os corpos estavam no chão, fora da carceragem, no perímetro interno do presídio. Havia, até então, notícias de outros mortos por causa do fogo

Secretário de Estado de Defesa Social, Bernardo Santana, e o subsecretário de Administração Prisional, Antônio de Padova Marchi Júnior, seguem de helicóptero de BH para Governador Valadares, às 8h30

Às 10h começa uma vistoria no interior do presídio e a suspeita de haver mais mortos é descartada

(foto: Reprodução TV Alterosa)
(foto: Reprodução TV Alterosa)
Secretário Bernardo Santana informa que várias celas tiveram as portas danificadas, mas não foram queimadas. A estrutura do prédio também não foi abalada, segundo ele. Segundo o secretário, será preciso uma reforma para que a unidade possa voltar a abrigar presos

FONTE: Secretaria de Estado de Defesa Social

 

Quadro alarmante
Superlotação nas carceragens mineiras

 65 - mil internos

 32 - mil vagas em 148 unidade prisionais

 34 - unidades interditadas pela Justiça para receber novos presos

 17 - interdições somente neste semestre

 3  - mil novos detidos em apenas quatro meses deste ano

 624%  - é o crescimento do número de detentos em Minas Gerais entre 2005 e 2012

 18,7% - dos detentos no país poderiam estar cumprindo penas  alternativas

 

Transferência pode agravar crise

A rebelião em Valadares expõe as consequências de um problema que não tem solução visível a curto prazo e ainda pode se agravar: na unidade destruída pelos amotinados, dos 800 internos – abrigados em pavilhões com capacidade para 290 – 500 foram transferidos para outras prisões já lotadas, para que sejam feitos reparos nas estruturas danificadas. Dados da Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds) apontam que há 32 mil vagas nas 148 unidades prisionais, que atualmente abrigam mais que o dobro: 65 mil detentos. Segundo pesquisa da Secretaria Nacional da Juventude, 18,7% dos encarcerados poderiam cumprir penas alternativas, com base no Código de Processo Penal.

O governo do estado aposta nos levantamentos de uma força-tarefa para apontar soluções de curto e longo prazos para a crise carcerária. Uma das necessidades que a Seds já apontou é a liberação de vagas por meio da saída de internos que têm direito a progressão de pena, com mudança para regimes como aberto e semiaberto –  que por falta de assistência jurídica continuam encarcerados.

O criminalista Maurício Campos Júnior, secretário Defesa Social de janeiro de 2007 a fevereiro de 2010, alerta para a morosidade da concessão de liberdade, que emperra a saída dos internos com direito à reinserção social. “Tenho convicção de que a velocidade de entrada de presos não acompanha a da saída. Há uma cadência na concessão de liberdade provisória ou medidas em meio aberto que não se justifica. Depois que o sentenciado já tem o estágio para progresso de regime, seu pedido pode demorar meses para ser atendido. Isso impacta fortemente na superlotação.”

A solução, aponta Campos Júnior, seria um pacto que envolvesse a administração prisional e o sistema de Justiça. “Ambos precisam trabalhar juntos, para terem clareza sobre critérios, demandas e políticas comuns do encarceramento. É impossível à administração criar vagas sem a otimização das vagas existentes e programação baseada nesse pacto.”

O deputado estadual João Leite (PSDB), atual vice-presidente da Comissão de Segurança da Assembleia Legislativa, a qual presidiu por seis anos, é critico em relação à morosidade da concessão de benefícios aos presos. “Mas não podemos banalizar o instituto da progressão de regime. Qualquer benefício tem que ser garantido por medidas que preservem um direito fundamental da sociedade, que é o da segurança. Se temos benefícios represados, temos também mais de 80% de reincidência. A sociedade paga duas vezes?”

Sobre a superlotação carcerária no estado, o deputado culpa em parte o governo federal. “Vagas têm que ser criadas em nível federal. As unidades estaduais estão repletas de presos de crimes federais, contaminando o ambiente”, pontuou. “Praticamente 80% dos detidos em Minas são do tráfico de drogas ou de crimes relacionados. Minas está com presos de outros países, químicos que fazem a separação da pasta-base de cocaína, misturados com presos de crimes de menor gravidade, criando uma escola de criminalidade.”


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