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Estado de Minas

MP mostra que ataques ao acervo religioso mineiro começaram no Brasil Colônia

Ações criminosas resultaram na dilapidação de 60% das riquezas mineiras


postado em 16/10/2013 06:00 / atualizado em 16/10/2013 07:34

Imagem de Nossa Senhora do Bonsucesso, do século 18, desaparecida há quase 20 anos de Serranos, no Sul de Minas, será alvo de campanha(foto: Divulgação)
Imagem de Nossa Senhora do Bonsucesso, do século 18, desaparecida há quase 20 anos de Serranos, no Sul de Minas, será alvo de campanha (foto: Divulgação)

Quatro séculos de perdas, dilapidação do patrimônio cultural e empobrecimento da história. Levantamento inédito feito pelo Ministério Público de Minas Gerais mostra que a subtração (furto, roubo, apropriação indébita, estelionato e alienação ilícita) de peças sacras de igrejas e capelas do estado começou ainda no século 18. “Já foram levadas milhares de imagens e outros objetos religiosos de valor inestimável. Minas perdeu 60% dos seus bens, ou seja, de cada 10, seis não estão mais aqui”, afirma o coordenador das promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico (CPPC), Marcos Paulo de Souza Miranda, que esteve à frente da pesquisa. Esta semana, a instituição lança campanha para tentar localizar a imagem de Nossa Senhora do Bonsucesso (século 18), de Serranos, no Sul de Minas, furtada há quase 20 anos. A comunidade local mantém a esperança de encontrar a padroeira.

O primeiro furto registrado na história do estado ocorreu em 5 de outubro 1789, na Matriz de Nossa Senhora do Pilar, hoje catedral-basílica, em São João del-Rei, na Região do Campo das Vertentes. Não custa lembrar que naquele ano, em Vila Rica, o alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, liderava a Inconfidência Mineira. Pelo documento, o escravo João Castanho furtou “as lâmpadas (candelabro) de Nossa Senhora do Terço e de Santana”. Foi preso e condenado. Mais tarde, em 27 de abril de 1808, o alvo de ataque foi a matriz de Campanha, no Sul de Minas, da qual foi levado o lampadário de prata. O responsável também foi preso, indicando que, da mesma forma que havia o delito, vinham a procura e punição.

Marcos Paulo de Souza Miranda, coordenador das promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)
Marcos Paulo de Souza Miranda, coordenador das promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)
O trabalho do CPPC tem como base processos criminais e investigação nas cúrias de Mariana, na Região Central, Campanha e Museu Regional de São João del-Rei, permitindo uma compreensão do tipo dos crimes praticados (veja quadro). No início, o alvo eram as hóstias consagradas e a pedra de ara (pedra sagrada no centro do altar), de diversos tamanhos. “Eram levadas para fazer amuletos, pois as hóstias eram consagradas e algumas pedras continham relíquias de santos”, conta Marcos Paulo. A partir da segunda metade do 18 e no século seguinte, os olhos do ladrões se voltaram para as peças de prata e ouro usadas na liturgia, como cálices, âmbulas e lampadário. Tinham poder econômico, pois derretidas, poderiam ser facilmente comercializadas.

“Era o metal pelo metal. As imagens de santos ainda não eram valorizadas como antiguidade e não tinham o valor que ganharam com o tempo”, explica o pesquisador do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) Olinto Rodrigues dos Santos Filho, que trabalha em Tiradentes. Ele destaca que não só as igrejas de Minas, mas de todo o mundo, sempre estiveram na mira dos bandidos. Mesmo que a maioria dos crimes tenha prescrito, a obrigação de reparação do dano (retorno da peça ao local de origem) não perde a validade.

Valorização


A imagens barrocas passaram a ser cobiçadas na década de 1920, especialmente depois da realização da Semana de Arte Moderna (1922), em São Paulo (SP), quando participantes como Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral e grandes intelectuais valorizaram o espírito de nacionalidade e enalteceram a obra de Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1738-1814). Dali em diante, a situação descambou. “Os saques se tornaram tão frequentes, que, em 1926, o clero mineiro divulgou nas paróquias uma carta pastoral alertando os padres para a alienação ilícita dos bens das igrejas e paróquias”, destaca Marcos Paulo.

“Naquela época, houve grande visibilidade, mas não havia a menor estrutura de segurança, como vigilância das igrejas e policiamento”, diz o promotor de Justiça. “A carta pastoral do clero mineiro já representava um ‘puxão de orelhas’ nos religiosos, para que tomassem conta dos bens.” Preocupado com a situação, o primeiro presidente do Iphan, Rodrigo de Melo Franco de Andrade (1898-1969) escreveu artigo divulgado na imprensa em 1936: “É fato sabido de todos que andam ‘gringos’ no interior de Minas, São Paulo, Bahia e estado do Rio comprando a preços irrisórios peças de mobiliário e objetos de arte para os colecionadores estrangeiros”. E acrescentou o presidente do Iphan: “Têm saído, assim, do Brasil, relíquias históricas da maior preciosidade. Objetos que nos recordariam passagens magníficas da vida brasileira na colônia e no império já, agora, não os possuímos mais”.

Resgate

As autoridades ainda não registraram nenhum roubo de peças sacras este ano. De 1964 até 2012, segundo o levantamento do CPPC, há 700 bens desaparecidos de igrejas, capelas, museus, cemitérios, prédios públicos e outros locais. Desse total, 523 têm identificação do ano (veja gráfico), enquanto os demais estão cadastrados no banco de dados da instituição, embora sem a data do sumiço. A mudança no panorama e conscientização só ganhou força a partir de 2003, com o início da luta pela preservação do patrimônio cultural de Minas. Naquele ano, houve o resgate emblemático de três anjos barrocos pertencentes ao Santuário de Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, que iam a leilão em uma galeria de arte no Rio de Janeiro, e também centenas de outras peças encontradas em antiquários e em poder de colecionadores. O efeito imediato foi a divulgação da educação patrimonial, principalmente nas escolas.

Furtos históricos

1789 – Em 5 de outubro, o escravo João Castanho furta as lâmpadas de Nossa Senhora do Terço e de Santana da Matriz de Nossa Senhora do Pilar, em São João del-Rei, na Região do Campo das Vertentes. Foi preso e condenado

1808 – Em 27 de abril, furto do lampadário de prata na igreja matriz de Campanha, no Sul de Minas. O responsável pelo crime foi preso

1811 – Em 22 de maio, logo depois da Semana Santa, foi furtado o lampadário de prata do altar de Nossa Senhora da Conceição, da Matriz de Nossa Senhora do Pilar, em São João del-Rei. Não houve identificação do responsável

1838 - Jornal do Commércio, do Rio de Janeiro, noticia furto na matriz de Itaverava, na Região Central. A quadrilha, que havia atuado em Congonhas e Catas Altas, foi descoberta e presa em Ubá

1849 –Em 30 de outubro, o escravo Idelfonso furtou peças na Matriz de Nossa Senhora do Rosário, em São João del-Rei

1865 – Em 9 de abril, Joaquim Neri Ferreira furtou uma peça de prata da Matriz de São João del-Rei. O objeto foi repassado a Raimundo Januário de Almeida, que o destruiu e vendeu os pedaços em Tiradentes. Joaquim foi preso e condenado a dois anos e um mês de prisão

1875 –Em Piedade do Rio Grande, na Região do Campo das Vertentes, Antonio Malaquias Pinto arrombou a igreja e levou diversas peças de ouro

1896 – Em setembro, foram levados quatro anjos do altar-mor da Matriz de Nossa Senhora do Pilar, de São João del-Rei. Uma das peças foi receptada por Aarão Francisco de Jesus, de Formiga, condenado a um ano, 10 meses e 22 dias de prisão e pagamento de 5% do valor do objeto furtado –Jornal Dom Viçoso, de Mariana, noticia a subtração de objeto de prata na Matriz de Curral del-Rei, atual Belo Horizonte, além de furtos em Sabará e na igreja de São Pedro dos Clérigos, em Mariana

Denuncie

Se você tiver alguma informação sobre bens desaparecidos ou quiser fazer alguma denúncia, entre em contato:

Ministério Público de Minas Gerais - e-mail: cppc@mp.mg.gov.br e telefone (31) 3250-4620

Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)

Para obter ou dar informações, basta acessar o www.iphan.gov.br e verificar o banco de dados de peças desaparecidas. Denúncias anônimas podem ser feitas pelo e-mail bcp-emov@iphan.gov.br, pelo telefone (21) 2262-1971, fax (21) 2524-0482 ou no banco online da instituição.

Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha/MG) - www.iepha.mg.gov.br ou pelo telefone (31) 3235-2812 ou 2813


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