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Estado de Minas

Resgate da dignidade: ex-dependente fala de sua batalha para se livrar das drogas

Rui Faria Campos comenta luta para recuperar a família, o respeito, a namorada e os motivos que o levaram a abrir uma casa para ajudar viciados


postado em 07/09/2013 06:00 / atualizado em 07/09/2013 06:56

Só após muitas perdas Rui tomou consciência que precisava mudar o caminho(foto: NANDO OLIVEIRA/ESP EM/D.A PRESS)
Só após muitas perdas Rui tomou consciência que precisava mudar o caminho (foto: NANDO OLIVEIRA/ESP EM/D.A PRESS)

Divinópolis
– Aos 12 anos de idade, Rui Faria Campos experimentou o cigarro de maconha. Quinze anos depois, viu-se vagando pelas ruas de Divinópolis, Centro-Oeste de Minas, sem ter para onde ir, o que comer ou sapatos para calçar. O vício destruiu relacionamentos e o lançou ao fundo do poço. Rui conheceu um caminho muitas vezes sem volta, mas percebeu a tempo que podia mudar. Mudou e decidiu ajudar pessoas a retomar a autoconfiança e o amor próprio. Em 2001, quatro meses depois de passar pela última internação, abriu a Casa Dia, que oferece tratamento a mais de 30 homens que desejam se livrar das drogas.

A última e mais traumática experiência de Rui com as drogas foi aos 27 anos, quando já não tinha dinheiro, amigos ou família ao seu lado. Um dia, desesperado, tomou três caixas de Rivotril, com vodca e outra drogas. Foi quando admitiu que havia perdido tudo e precisava de ajuda. “Não posso dizer que procurei tratamento para mudar de vida. Qualquer pessoa que chega para ser internada não está ali porque quer. Ou perdeu tudo ou foi imposição da família. Fiquei quatro meses. Um dia, durante o processo terapêutico, me dei conta que podia mudar. É assim que acontece. Mas não foi fácil. Todos os dias eu pedia forças a Deus.”

Dos 12 aos 27 anos, Rui experimentou maconha, cocaína, crack e álcool. Foi aos 18 que o problema se agravou. “Até então minha família não sabia que eu era usuário.” Ele chegou a ser internado outras duas vezes, mas voltou às drogas. “O viciado acredita que todos estão contra ele, que não é compreendido. E a primeira coisa que a droga tira é a família. Chegar em casa e não ter relacionamento com pais e irmãos é um mecanismo de defesa. O viciado quer usar a droga em paz, sem gente dando opinião ou brigando.”

Quando chegou ao fundo do poço, Rui não conversava com o pai havia cinco anos, estava sem emprego, havia sido posto para fora de casa pela mãe e a namorada o abandonou. Desesperado, ligou para a irmã, que mora em São Paulo, e pediu ajuda. “Ela disse que eu não poderia ficar na casa dela, porque tinha medo que eu destruísse o casamento e a vida dela. Mas me deu um prazo de dois dias para achar um lugar para ficar e foi, então, que consegui uma nova chance.”

Rui achou vaga na Casa Dia de Americana (SP), onde ficou por quatro meses. Ele estava decidido a não voltar a Divinópolis. Mas passou a se perguntar: por que não voltar à cidade natal e ajudar pessoas que precisam largar o vício? “Um dia, recebi a visita da minha mãe. A família nunca me visitava e eu entendia o porquê. Levei um susto. Ela viajou mais de 700 quilômetros para falar comigo por duas horas e ir embora, para não perder o ônibus. Isso me deu mais força para amadurecer a ideia de abrir uma comunidade terapêutica em Divinópolis, mas não sabia bem como começar.”

IDEIA LOUCA Rui pesquisou e descobriu que ex-internos da Casa Dia haviam aberto unidades em suas cidades. Ele recebeu o estatuto da comunidade e aprendeu sobre o funcionamento da casa. Em 2001, pôs o plano em prática e alugou uma casa no Bairro Planalto. Em um ano, o imóvel ficou pequeno: eram 20 internos para três quartos, sala e cozinha. “Alugamos uma casa abandonada num contrato feito boca a boca, porque meu nome estava no SPC e nem sequer tinha dinheiro. Foi uma ideia louca. Continuei por amor. Eu tinha esse sentimento de querer ajudar.”

O apoio de empresários e da população fortaleceu o projeto. A comunidade mudou de endereço outras três vezes para melhor acomodar os internos, até que, há quatro anos, a Casa Dia conseguiu sede própria: dois prédios, lavanderia, refeitório, cozinha, quadras, jardim e até piscina. Eles contam ainda com cinco monitores e uma responsável técnica registrada no Conselho Regional de Psicologia. “Fizemos a obra com doações e os internos ajudaram a erguer os prédios. Falta construir o escritório e esperamos conseguir a verba em breve. Também precisamos contratar mais três funcionários, mas temos que aumentar a nossa renda para isso.”

Rui conta que, das 32 vagas, sete são destinadas a pessoas que não têm condição de arcar com o tratamento. Para melhorar o atendimento e aumentar o número de vagas sociais, a Casa Dia de Divinópolis está tentando ser incluída no projeto Aliança pela Vida. “Com isso, o interno que não tiver condição de pagar será custeado pelo governo do estado, que enviará R$ 800 por mês para cada vaga. Mandamos a documentação necessária e estamos aptos a entrar no programa. Aguardamos ansiosos.”

Casado há 10 anos com a namorada com a qual havia terminado por causa do vício, Rui tem dois filhos, de 8 e 5 anos. Ele conta essa história com orgulho e espera ajudar ainda mais a sociedade. “Tenho minha vida de volta, mas foi preciso dedicação e força de vontade. Se consegui, outros também podem. O vício em drogas é uma doença que deve ser tratada. Não precisamos depender só de governo, podemos fazer nós mesmos o bem para a comunidade, dentro da nossa possibilidade.”


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