Entre os motivos mais frequentes para o pedido de nulidade do casamento religioso no Tribunal Eclesiástico – instituição da Igreja Católica com poder para declarar extinto o matrimônio a pedido de um dos cônjuges – estão queixas de pressão exercida pelos pais dos noivos ou de um deles para a união, imaturidade do casal, distúrbios psíquicos ou envolvimento criminoso ocultado por um dos cônjuges ou ainda a não consumação do relacionamento pela relação sexual. Os pedidos são avaliados de acordo com o Código de Direito Canônico, espécie de constituição religiosa que agrupa 1.752 leis ou cânones.
O cânone 1.103, por exemplo, diz que é “inválido o matrimônio contraído por violência, medo grave proveniente de causa externa, ainda que incutido não propositalmente, para se livrar do qual alguém seja forçado a escolher o matrimônio”. E o 1.098 acrescenta: “Quem contrai o matrimônio, enganado por dolo perpetrado para obter consentimento matrimonial, a respeito de alguma qualidade de outra parte, e essa qualidade, por sua natureza, possa perturbar gravemente o consórcio da vida conjugal, contrai invalidamente”.
Apenas a vontade de validar uma nova união na igreja não é motivo suficiente para pedir a nulidade do casamento religioso. Antes de entrar com toda a documentação, é preciso passar por uma entrevista com o presidente do tribunal, no caso da Arquidiocese de BH, o padre Mário Sérgio Bittencourt de Carvalho. “Nessa conversa, vamos saber os reais motivos e se há chance de levar adiante o objetivo”, afirma o vigário judicial. É nessa primeira etapa, em que se avalia o que em latim se denomina fumus boni iuris ou fumaça do bom direito, que o presidente do tribunal avalia a situação. “Verificamos se foi Deus mesmo quem fez essa união, se houve pressão dos pais ou algum tipo de obrigação”, detalha.
O próximo passo será convocar a outra parte, que tomará conhecimento do processo. O ex-cônjuge vai ser informado de que não é réu nem está sendo processado judicialmente – na verdade, o casamento está sob avaliação apenas perante a Igreja. Feito isso, o interessado entra com a papelada no tribunal, com exposição completa e detalhada do caso, incluindo informações sobre a época do namoro, casamento, vida matrimonial e separação. É preciso ainda ainda providenciar cinco testemunhas que tenham conhecido o casal antes da união e que também tenham acompanhado o período de casamento e separação, além de preencher o pedido dirigido ao tribunal. O processo dura aproximadamente um ano e meio, passando ainda pela segunda instância.
Quando o assunto envolve chefes de Estado, é tratado diretamente no Vaticano pela Santa Sé, e dura menos tempo. O padre Mário Sérgio afirma que a maioria das pessoas que pedem a nulidade tem a intenção de oficializar nova união perante a Igreja.
Funcionamento
Em Minas, há 11 tribunais eclesiásticos em atuação e a pessoa interessada em pedir a nulidade deve ter se casado em uma igreja da arquidiocese ou da diocese em que entra com o processo. Dessa forma, só pode procurar a Arquidiocese de Belo Horizonte para essa finalidade quem se casou em um dos 28 municípios que a compõem. O tribunal, como o próprio nome diz, é uma corte, um lugar de julgamento. Os processos passam pela primeira instância, sob a presidência do padre Mário Sérgio e mais dois juízes; depois, vão para a segunda instância, com outros três juízes.
Essas pessoas não precisam necessariamente ser religiosas, mas é indispensável ter formação em direito canônico, explica o presidente do tribunal de BH. As reuniões ocorrem de três em três meses, e em todo o processo há o defensor do vínculo, cuja função é tentar ao máximo impedir a nulidade. “O objetivo da Igreja não é separar ninguém”, diz o vigário judicial. É bom lembrar que o pedido de nulidade pode ser reapresentado, mesmo depois de uma primeira negativa.
TRIBUNAL ECLESIÁSTICO
O Tribunal Eclesiástico da Arquidiocese de BH foi criado durante a gestão de dom Antônio dos Santos Cabral (1884-1967), primeiro arcebispo da capital, e se resumia ao limite territorial da arquidiocese. Em 1974, passou a ser regional, abrangendo os estados de Minas e Espírito Santo. Em razão do aumento da população e do grande número de municípios, o então arcebispo dom Serafim Fernandes de Araújo, em 10 de dezembro de 1998, cria um tribunal próprio para a Arquidiocese de BH. Além de cuidar dos casamentos, responsáveis por 98% dos casos, a corte avalia os processos de beatificação e canonização (1%) e a dispensa sacerdotal, o que significa o abandono da batina pelos padres.
NÚMEROS
636
é o número de processos pedindo nulidade de casamento em tramitação no Tribunal Eclesiástico da Arquidiocese de Belo Horizonte
549%
é o crescimento no número de processos em relação a 2008 (98 pedidos). Os processos correm em segredo de justiça. Grande parte dos processos resulta em declaração de nulidade do matrimônio
60%
das pessoas que pedem a nulidade são mulheres. O homem, quando pede, muitas vezes o faz por solicitação da segunda mulher, católica praticante, que deseja se casar na igreja.