Mãos e mentes não estão mais ociosas. Mesmo atrás das grades, ganharam movimento com o vaivém das agulhas na costura de bolas, balanço e atenção para produzir peças de gesso e agilidade e precisão para colar componentes elétricos. As atividades mudaram o dia a dia de quem antes não tinha ocupação na Penitenciária Professor Jason Soares Albergaria, em São Joaquim de Bicas, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Na unidade, onde 503 homens estão acautelados, 150 deles foram contemplados com uma nova forma de liberdade: o trabalho. Com a possibilidade de exercer uma profissão, esses detentos ganharam a chance de voltar a sonhar com uma vida fora da prisão. Esperança que ultrapassa os muros das unidades prisionais, mesmo nos casos em que as penas chegam ao dobro da idade de cada um.
Assim como Nívio, Lúcio, Edmar e tantos outros que trabalham na Penitenciária Jason, outros cerca de 12 mil detentos foram aprovados por uma comissão multidisciplinar avaliadora e estão inseridos em atividades de trabalho e renda em Minas Gerais. Eles integram o universo de 43.104 presos, entre condenados e provisórios, que formam a população carcerária no estado. Por ocupar postos de trabalho, além de receber três quartos do salário mínimo vigente por mês, o que corresponde atualmente a R$ 466,50, ainda são beneficiados com a remissão de um dia de pena a cada três de trabalho, seguindo a Lei de Execução Penal. As ações são oferecidas por meio de parcerias do governo do estado com empresas, organizações, autarquias e prefeituras e visam principalmente à ressocialização do acautelado. Ao todo, são cerca de 400 convênios firmados com ações nas 129 unidades prisionais de Minas. Do total, aproximadamente 70% foram estabelecidas com a iniciativa privada.
A remissão da pena com o trabalho – que no direito consiste em dar-se como cumprida parte do tempo da sentença – é também um incentivo a deixar a cela e, literalmente, colocar a mão na massa, como faz o preso José Geraldo de Oliveira, de 46. Entre as 7h e as 17h, com pausa de uma hora para almoço, ele e mais três colegas de unidade se dedicam à produção de bloquetes na fábrica montada pela empresa de pavimentação Miranda Gomes na área externa da penitenciária.
A chance de poder fazer uma poupança é animadora, já que do pagamento de três quartos do salário mínimo, um quarto fica retido em uma conta pecúlio, que pode ser resgatada assim que o preso cruzar os portões rumo à liberdade. Dia com o qual sonha o detento Luis Carlos dos Santos, de 38, que trabalha na produção de peças de gesso na penitenciária. “Já tive uma vida muito complicada antes de entrar aqui. Quero sair e voltar a trabalhar, como era antes de me envolver com o tráfico. O dinheiro será importante nesse processo”, conta Luis Carlos, que trabalha em um galpão montado próximo à penitenciária onde funciona a fábrica de gesso Arte Minas.
O ‘patrão’, o empresário Rodrigo Geraldo Teixeira Ribeiro, está sempre por perto. Conversa e ensina. Sabe que está contribuindo para a ressocialização dos funcionários e, por outro lado, diz ser beneficiado por ter uma empresa no presídio. “Para o empregador é ótimo, pois não há gastos com aluguel de imóvel e não há vínculo empregatício.” Quem também incluiu acautelados no quadro de pessoal foi a Toraflex, que nas primeiras horas do dia envia uma van à Jason Albergaria para buscar 12 presos do regime semiaberto. Eles trabalham na produção de colchões durante o dia e voltam para a unidade no fim do expediente.
No interior
Outras iniciativas bem-sucedidas de parceria com a iniciativa privada estão abrindo portas para presos em Minas. Em Unaí, no Noroeste do estado, oito de 10 detentos que fizeram o curso de corte e costura industrial na Penitenciária Agostinho de Oliveira Júnior foram contratados para trabalhar em uma empresa de confecção de uniformes. Para Eli Carlos da Silva, de 31, o serviço é uma oportunidade de vida digna. “Agora, posso escrever para meus familiares e contar que estou trabalhando, pois pretendo continuar esta nova vida, de forma honesta, quando estiver em liberdade.” “Ficamos muito felizes em poder contar com essa mão de obra, que é tão qualificada, pois eles têm desenvolvido o trabalho com perfeição”, diz o proprietário da Aragem Confecções, Eduardo Martins.
Em Uberaba, uma fábrica de tijolos montada neste ano na Penitenciária Professor Aluízio Ignácio de Oliveira emprega 11 detentos e produz 3,5 mil tijolos por dia. Em Caxambu, no Sul de Minas, uma empresa de artesanato oferece emprego a detentas da unidade prisional do município, que confeccionam vasos, floreiras e caixas para exportação. “Faltam profissionais qualificados para esste tipo de produção e temos plena capacidade de absorver a mão de obra das presas, que aprendem a manusear e produzir peças com as fibras sintéticas”, ressalta o diretor comercial da empresa, Jones Aoki Lima. O secretário de Defesa Social, Rômulo de Carvalho Ferraz, destaca a importância dos trabalhos de ressocialização desenvolvidos em Minas Gerais. “Temos o maior número de detentos trabalhando, proporcionalmente à população carcerária, do país. Nossa política de ressocialização difere o sistema prisional mineiro dos demais”, frisa.
Palavra de especialista
Helil Bruzabelli
superintendente de Atendimento
ao Preso da Seds
Quando a liberdade vier
“O sistema prisional mineiro conta hoje com o programa Trabalhando a cidadania, que desenvolve ações e políticas públicas voltadas para o trabalho, renda e profissionalização. Além de ajudar a melhorar a autoestima do detento – que ganha uma ocupação, recebe financeiramente por isso e ainda tem o benefício da remissão da pena –, as atividades contribuem para sua ressocialização. O trabalho que ele executa dentro da unidade lhe dá oportunidades para o momento em que alcançar a liberdade. Mas para isso, o preso é avaliado por uma comissão técnica, que analisa seu perfil sob diversos pontos de vista, como comportamento, estado de saúde, aptidão e regime ao qual está submetido. Para as atividades fora da unidade, por exemplo, ele já deve estar sendo beneficiado pelo semiaberto. Temos hoje uma das melhores políticas de ressocialização do país. Saímos de 3 mil presos ocupados em 2008, para 12 mil neste ano.”