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Estado de Minas

Comunidade católica festeja entusiasmada reentronização de imagem histórica do século 18

Imagem saiu do altar há sete meses para restauração. Cidade abre campanha para recuperar matriz.


postado em 30/04/2012 07:15 / atualizado em 30/04/2012 07:53

O pároco, padre Fernando Andrade, destacou a importância do patrimônio para elevar a fé(foto: Jackson Romanelli/EM/D.A Press)
O pároco, padre Fernando Andrade, destacou a importância do patrimônio para elevar a fé (foto: Jackson Romanelli/EM/D.A Press)
São Gonçalo do Rio Abaixo – Sete meses e uma hora. Esse foi o período que a comunidade católica desta cidade da Região Central de Minas, a 84 quilômetros de Belo Horizonte, esperou para ver de novo, dessa vez restaurada, a imagem do padroeiro. Pelo entusiasmo e emoção demonstrados na noite de sábado, valeu a pena ficar tanto tempo longe da peça do século 18, atribuída ao português Francisco Vieira Servas (1720-1811). À tarde, o titular da Paróquia de São Gonçalo, padre Fernando dos Santos Andrade, preparou uma surpresa para os participantes da celebração das 19h. Com um tecido vermelho e dourado ele cobriu a escultura para que, somente ao fim do ato religioso, às 20h em ponto, todos pudessem admirar o trabalho que devolveu as cores e beleza originais à imagem de devoção. E foram muitos os aplausos.

De cedro, com 1,20m e 60cm de largura, a imagem de São Gonçalo teve restaurados o douramento, a policromia e a riqueza de detalhes, como os desenhos dos sapatos e os “esgrafiados” da roupa, fruto de uma técnica sofisticada que consistia na aplicação de uma tinta sobre o folheado a ouro. Ao retirar o tecido que cobria o santo padroeiro do município, adornar-lhe a cabeça com o resplendor de prata e dar a bênção, o pároco destacou a importância de se preservar a arte sacra. “A Igreja tem dois bens: o espiritual, que são os sacramentos e tudo relacionado à salvação das pessoas, e o material, criado e pensado para fazer o homem orar e elevar o coração a Deus. Por isso, devemos preservar esse patrimônio”, afirmou.

Antes de seguir para o ateliê do Grupo Oficina de Restauro, na capital, a escultura de madeira estava sem cupins, embora apresentando camadas de repinturas inadequadas, em preto e branco, feitas possivelmente no início do século passado; perda de alguns pontos, que estavam descascando; e falta de dedos numa das mãos. Segundo o restaurador Adriano Ramos, do grupo, o trabalho demandou quatro meses e trouxe uma surpresa, pois, aos poucos, foi revelando uma obra de qualidade atribuída a Servas, que teve um ateliê em São Domingos do Prata. “Não inventamos nada, apenas recuperamos o que já havia na imagem”, observou.

Com chapéu preto, de couro, terno e gravata, o aposentado Raimundo Gregório de Figueiredo, de 69 anos, esperou o início da cerimônia sentado calmamente aos pés do cruzeiro, fincado desde o século 19 em frente à matriz, construída em 1720 e viculada à Diocese de Itabira. “Nem os mais velhos aqui da cidade conheceram São Gonçalo como está agora. Ficou uma beleza. A fé remove montanhas e tudo isso me faz lembrar do milagroso padre João José Marques Guimarães, falecido em 1984. Foi pároco por seis décadas e deixou muita saudade”, afirmou. Gente de todas as gerações foi à igreja conferir a peça, que volta para o altar. “Temos toda segurança no templo. Nesse período, para que os paroquianos não ficassem sem o santo, pusemos uma réplica no lugar. Essa vai sair nas procissões”, contou padre Fernando.

Confiança

Há mais de 20 anos zeladora da igreja e integrante da Irmandade do Santíssimo Sacramento, Dorotéia de Carvalho, de 60, conseguiu várias graças por intercessão do padroeiro. “Lembro-me da minha mãe dizendo na hora dos apertos: ‘São Gonçalo, me ajude!’”. Ao lado do pároco na preparação da cerimônia, ela destacou o valor da fé. “É o mesmo santo, só que mais bonito.” Coordenadora da liturgia, a professora aposentada Mercês Liberata Dias dos Santos, de 51, elogiou a coragem do padre e a confiança dele na equipe de restauração. “É muita responsabilidade tirar uma imagem do altar e mandar recuperá-la. Deu tudo certo”, disse.

A cerimônia foi pontuada pelo repicar festivo dos sinos, canções do coral Sagrado Coração de Jesus e ritmo da Banda de Música Santa Cecília. Durante a bênção da imagem, os fiéis entoaram o hino do padroeiro. O casal José Renato e Maria Petronila Torres veio de Ipatinga para a festa. “Estou feliz, pois fui batizado e crismado nesta igreja. Estamos casados há 23 anos e, quem sabe, faremos a missa de bodas de prata aqui”, disse o marido. Na fila para ver a imagem bem de perto, Maria das Graças Correia Miguel, de 63, ressaltou que o restauro se tornou um sonho realizado. Para Regina dos Santos Costa, de 74, a pintura a óleo, servia para esconder o ouro da roupa do santo, que traz uma Bíblia na mão e um cajado na outra. A viola, que reforçaria a figura do santo como protetor dos boêmios, está desaparecida.

Campanha

Terminada esta etapa, padre Fernando e a comunidade dão início à recuperação do altar-mor, dos retábulos laterais, igualmente atribuídos a Servas, do arco cruzeiro e da tarja, além do forro que traz a Trindade, as virtudes teologais e os evangelistas. O primeiro passo foi dado na noite de sábado, quando Adriano Ramos presenteou a paróquia com o projeto de restauração dos elementos artísticos, serviço com valor estimado em R$ 1,1 milhão. De acordo com as prospecções, há “ouro e cores” por baixo das camadas de tinta a óleo branca que cobrem os retábulos. “Vamos pedir o apoio das empresas. Temos agora a oportunidade, mais uma vez, de escarafunchar a história e dar valor ao que temos”, disse o religioso, com entusiasmo. A estudante Marcella Moreira, de 12, passou suavemente as mãos sobre a peça barroca. “Já vi a imagem várias vezes no altar, mas agora é diferente. Está mais bonita e gostei de ver os sapatinhos”, disse a menina.

Santo dominicano

Vale a pena seguir pela rodovia BR-381 só para ver a imagem de São Gonçalo, que pertenceu à ordem dos dominicanos. Ele nasceu no início do século 13, na aldeia de Ariconha, distrito de Guimarães, em Portugal, era filho de nobres e recebeu uma educação exemplar, norteada por um sacerdote. Já adulto, tornou-se também sacerdote e viajou em peregrinações religiosas a Roma, Itália, onde visitou os túmulos de São Pedro e São Paulo. Na sequência, visitou os lugares santos em Jerusalém. Mais tarde, fixou-se num lugarejo pouco habitado, hoje cidade de Amarante, e por volta de 1250 construiu uma capelinha dedicada a Nossa Senhora da Assunção. Logo depois, São Gonçalo se refugiou como eremita e passou a viver em penitência e mortificações. Segundo a lenda, teria recebido uma visita milagrosa da Virgem Maria, que o aconselhou a entrar para o Mosteiro de São Domingos, em Guimarães. As festas de São Gonçalo se destinam à resolução de problemas de casamento de mulheres velhas, esterilidade e colheitas.


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