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Estado de Minas PATRIMÔNIO IMATERIAL

Pesquisador contesta a origem da técnica de fabricação do queijo mineiro


05/12/2011 06:54 - atualizado 05/12/2011 06:59

Diversas fontes comprovam a imigração açoriana para o Brasil no século 18, notadamente para a Minas do ouro - Marcos Mergarejo Netto, pesquisador da Unesp
Diversas fontes comprovam a imigração açoriana para o Brasil no século 18, notadamente para a Minas do ouro - Marcos Mergarejo Netto, pesquisador da Unesp (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
O queijo minas ou queijo de minas, tombado nacionalmente como patrimônio imaterial e personagem principal da próxima edição do Comida di Buteco, anda às voltas com uma grande polêmica e começa a ser envolvido em outra com a abertura da discussão sobre a origem de sua técnica de produção. O bate-boca atual, que recheia o filme O mineiro e o queijo, de Helvécio Ratton, começou a partir da cisma de um promotor de Justiça.

Ele acreditou que a iguaria, feita de leite cru e processada com as mãos, poderia matar alguém por contaminação, embora ela nunca tenha matado, pelo menos diretamente. A outra discussão surgirá, com certeza, depois que o pesquisador Marcos Mergarejo Netto publicar sua tese de doutorado. O trabalho, de 413 páginas, conclui que a origem da técnica de produção do queijo minas veio dos Açores e não da Região Central de Portugal, como defendem historiadores, acadêmicos e mestres cozinheiros.

A cisma do promotor ganhou gabinetes, tramitou na burocracia e resultou na imposição normas federais de produção e comercialização do queijo artesanal, quase industrializando-o. A mais dura das regras é que a iguaria não pode ser vendida fora das divisas do estado. Essa limitação de mercado deixou os queijeiros de Minas amargurados, mas não totalmente intimidados.

A nova próxima polêmica não os atinge, pois é travada apenas no campo das letras e dos debates, sem entrar no mérito das formas de fabricação ou na questão da oferta. Afinal, de onde veio a técnica do queijo artesanal mineiro? Da Região Central de Portugal, mais precisamente da Serra da Estrela, ou das ilhas do Pico e São Jorge, no Arquipélago dos Açores? Ou tanto faz, uma vez que Açores foi possessão da Coroa portuguesa até se tornar um estado autônomo? Não é tão simples assim se forem levadas em conta as diferenças culturais entre o país e o arquipélago.

O queijo não tem pátria, não tem pai e não tem mãe. Quem tem certidão da nacionalidade e até pedigree é a variedade: o camembert francês ou os artesanais canastra, serro, araxá, serra do salitre e o cerrado de Minas Gerais. E foi atrás da origem do modo de produção do queijo mineiro que Mergarejo, de 55 anos, bacharel em história e geografia, mergulhou, durante quatro anos, em mais de 400 publicações, sendo 237 delas citadas como referência. O trabalho resultou em tese de doutorado defendida no campus de Rio Claro (SP) da Universidade Estadual Paulista (Unesp), sob orientação da professora Lívia de Oliveira. "Em nenhuma das obras consultadas achei algo que fundamentasse ser da Serra da Estrela a técnica de produção do queijo de minas."

Da Ásia à Europa Marcos é aposentado do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e pretende, com o doutorado, voltar ao mercado de trabalho, desta vez como professor ou pesquisador. Mergarejo foi aos primórdios da humanidade em busca da origem do queijo. Desprezou teses já conhecidas, que envolvem até a mitologia grega – os gregos, aliás, são os maiores comedores de queijo do mundo – e desembarcou na Anatólia, de 9 mil anos atrás, no extremo Oeste da Ásia, para colher o primeiro registro documentado de produção da iguaria.

Passou pelo Egito, pelas terras do Oriente, até chegar a Roma, que ao abrir suas asas sobre a Europa impôs sua técnica de fazer queijo a partir do leite bovino. "O Império romano ruiu nos anos 400 e depois os árabes, notadamente pastores, entraram na Península Ibérica e introduziam caprinos e ovinos”, conta o pesquisador, influenciando de outra forma a produção queijeira de Portugal continental e que se mantém até hoje. As técnicas de laticínios de Portugal foram, assim, influenciadas pelo leite de cabra e também de ovelha.

"Chegamos à Serra da Estrela, onde o queijo é feito sazonalmente do leite de ovelha, diferentemente do nosso queijo artesanal de leite bovino. Além disso, usam a flor do cardo na coagulação. Já aqui usava-se o coalho animal, extraído de mamíferos. Atualmente, usa-se o industrializado”, explica Mergarejo. “Além disso, outro importante fator é o tempo e modo de maturação, completamente diferente do queijo de minas artesanal." A única semelhança, de acordo com algumas publicações, é a forma de apertar a massa com as mãos para a retirada do soro. Com o avanço do levantamento, o pesquisador chegou aos açorianos." Depois da descoberta dos Açores, a coroa portuguesa não deu muita importância ao arquipélago, o que abriu espaço para os holandeses, que lá entraram levando gado leiteiro. Com eles, os açorianos aprimoraram a técnica artesanal de produção de queijo."

“Os açorianos eram essencialmente agricultores e pecuaristas. Diversas fases da história da população dos Açores fizeram com que parte da população tivesse que emigrar, fosse por programas da coroa portuguesa ou voluntariamente. O século 18, permeado por vários percalços, foi um dos períodos que mais contribuíram com essa movimentação populacional, por motivos sociais, econômicos, políticos e naturais. Diversas fontes comprovam essa imigração açoriana para o Brasil no século 18, notadamente para a Minas do ouro”, afirma.

"Em 1721, houve a erupção do vulcão da Ilha do Pico, o que apressou a migração, e com a descoberta de diamante do Serro, Região Central de Minas, era preciso produzir alimentos para os mineradores", diz o pesquisador. Então, segundo ele, vieram os açorianos, que se espalharam por outra regiões do Brasil, como o Sul, e aprimoraramn a técnica de preservar o leite, o que era feito na forma de queijo. O que se fazia aqui, até então, era uma massa sem consistência e de pouca duração. “Considerando a produção de queijo em Minas, é possível afirmar que ela existe há cerca de 300 anos e também que sua origem, na forma do queijo de minas artesanal atual, é produzido há cerca de três séculos sob o modo de fazer dos açorianos e não daquele modo que a história recorrente afirma”, conclui Mergarejo.

Tese inspira controvérsia

A versão apresentada nas 413 páginas da tese de Marcos Mergarejo deixa o historiador José Newton Meneses indignado. Ele é um dos que defendem a Serra da Estrela como a origem da técnica de fabricação do queijo artesanal mineiro. “Não há em nenhuma documentação qualquer indício da presença de açorianos em Minas Gerais do século 18 ao início do século 19. Vieram, sim, portugueses da Região Central do país, principalmente do Minho. Portanto, não há prova de que o modo de fazer o queijo de minas veio dos Açores”.

Sobre o fato de os portugueses da Estrela usarem leite de ovinos e o cardo como coalho, ao contrário do leite de vaca e do coalho animal, ele argumenta: “O homem se adapta ao meio. Houve uma adaptação. No mais, tudo é semelhante à Serra da Estrela, do modo de fazer à coleta do pingo.”

Segundo ele, os açorianos foram para outras regiões do país, especialmente o Sul. Mergarejo, em seu trabalho, até registra a vinda de portugueses do Minho para Minas Gerais naquele período, mas afirma que eles não se davam ao trato de animais. “O pessoal do Minho era essencialmente agricultor.”

Elmer de Almeida, gerente regional da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater-MG), reforça a tese do pesquisador: “O José Newton pesquisou. Estive com o Marcos na Serra da Estrela. A técnica usada lá é totalmente diferente e a maturação do queijo é superior a três meses, ao contrário daqui”.

Elmer acrescenta que documentos comprovam a existência de uma fazenda de açorianos em Caeté (Grande BH) e da presença deles em Medeiros (Centro-Oeste). “Só que eram tratados como portugueses.”


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