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Estado de Minas ESPECIAL RIO+20 REFLEXÕES - ENTREVISTA: YANA DUMARESQ SOBRAL

Ampla mobilização

"A Rio+20 é um sucesso porque cria uma agenda mais nova, mas é, ao mesmo tempo, reflexo de seu tempo, que é um tempo de dificuldade"


postado em 02/07/2012 11:04 / atualizado em 02/07/2012 11:09

A Rio+20 foi um sucesso. A análise é da assessora extraordinária adjunta do Ministério do Meio Ambiente para a Rio+20, Yana Dumaresq Sobral. Para ela, o sucesso pode ser medido pelo fato de a conferência ter sido o ponto de partida para o estabelecimento futuro de quatro protocolos internacionais: sobre os objetivos do desenvolvimento sustentável, o consumo sustentável, os direitos do mar e a implementação de um fórum de alto nível sobre desenvolvimento sustentável na esfera da ONU. Yana Sobral afirma que a conferência se deu em um momento delicado do ponto de vista da economia internacional. Para ela, o documento final da Rio+20 é um reflexo disso também. Ao mesmo tempo, ressalta que o texto não impede que os países sejam mais ambiciosos em suas proposições para a área ambiental. “Mas impede que sejam menos ambiciosos na medida em que estabelece um piso mínimo que todos devem observar”, comenta. Por isso é que, segundo Yana, o documento não pode ser considerado um retrocesso nem pouco ambicioso, como foi dito durante a conferência.

Qual foi o saldo deixado pela Rio+20?
A conferência não se resume só ao documento final. Houve uma série de eventos paralelos e discussões que não podem ser ignorados. Foram mais de 500 eventos fora do Riocentro, como a Cúpula dos Povos. Assim, a Rio+20 traz consigo 10 dias de ampla mobilização, articulação e contato entre pessoas, setores e organizações, o que foi muito rico e poderá gerar insumos para políticas públicas e corporativas nos próximos anos. Por outro lado, muitas pessoas têm procurado saber sobre o produto da conferência oficial, que é o documento aprovado pelos países. É um documento sólido, porque é um documento de consenso, que contém inovações.

Que inovações seriam essas?
A primeira delas é que o documento inclui a referência à igualdade racial e traz o combate ao preconceito também para o debate sobre desenvolvimento sustentável, conceito que não estava presente nas outras conferências sobre meio ambiente. A conferência de Johanesburgo, em 2002, conseguiu o engajamento do setor privado, pedra importante que a gente colocou na construção. Agora, depois que conseguimos avançar nessa ideia, a Rio+20 fortalece o terceiro pilar, ao colocar a erradicação da pobreza no centro do debate sobre desenvolvimento sustentável. Além disso, temos a abertura de quatro processos negociadores. O primeiro visa estabelecer os princípios dos objetivos do desenvolvimento sustentável. A ideia é aproveitar os objetivos do milênio e traduzir o desenvolvimento sustentável em metas muito concretas. Outra decisão importante foi abrir entendimentos para que seja firmado um protocolo internacional sobre os direitos do mar. Hoje, temos um vácuo jurídico sobre como os países devem lidar com a proteção da biodiversidade fora de suas águas territoriais. Uma terceira decisão importante foi o estabelecimento de um fórum de alto nível sobre desenvolvimento sustentável. A ideia é que esse fórum possa conferir impulso político à agenda do desenvolvimento sustentável e fazer com que os braços operacionais da ONU se movam. Por fim, é importante ressaltar que o documento oficial da Rio+20 adotou um plano de ação de 10 anos sobre produção e consumo sustentável, que prevê ações muito concretas sobre como os países poderão direcionar essas duas coisas em bases mais sustentáveis. O documento também reconhece que o PIB é um instrumento insuficiente para medir o desenvolvimento e deu mandato à ONU para que se busque um novo instrumento de medição que leve em conta as questões econômicas, mas também as questões sociais e ambientais.

Como a senhora recebeu as críticas de que o documento final da Rio+20 deveria ter sido mais ambicioso?

A discussão do documento foi um processo muito desgastante, mas é preciso que a gente tire dele algumas lições muito valiosas. A primeira é que o documento foi gerado em um contexto internacional complicado, com uma crise econômica muito séria na Europa. Então, este é um documento que não retrocede e, ao mesmo tempo, permite assegurar que os países em desenvolvimento se sintam confortáveis assinando-o. O documento não impede que os países sejam mais ambiciosos, mas impede que sejam menos ambiciosos na medida em que estabelece um piso mínimo que todos devem observar.

As críticas foram, então, injustas?
Cada ator tem que fazer seu papel nesse jogo político. O Brasil, por exemplo, colocou uma proposta bastante ousada, que foi a do estabelecimento de um piso de proteção socioambiental global, algo como a experiência da Bolsa Verde.

O fato de a Rio+20 não ter definido como serão os aportes financeiros para os programas ambientais não poderá comprometer os objetivos traçados pela conferência?
Isso é um fator bastante limitante. Porque os países que, em teoria, deveriam ser os maiores responsáveis pelo aporte de recursos e tecnologia, principalmente os europeus, não quiseram ser ambiciosos nesse ponto. De igual forma, os países em desenvolvimento colocaram muito claramente que sua prioridade é o combate à pobreza. Em seu discurso, ao final da conferência, a presidente Dilma anunciou que, voluntariamente, o Brasil estava doando recursos para o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) numa e para um fundo de adaptação às mudanças climáticas. É óbvio que outros países não quiseram colocar no texto nada que significasse obrigações concretas de financiamento, mas isso não impede que sejam feitos os aportes de crédito. A não formalização disso durante a Rio+20 não comprometeu o sucesso da conferência, embora fosse desejável que já tivéssemos aportes financeiros e tecnológicos por parte dos países desenvolvidos.

A partir de agora, quais deverão ser as prioridades da agenda ambiental global?

É colocarmos em ação os quatro processos negociadores que a Rio+20 iniciou. Precisamos agora é arregaçar as mangas e estabelecer os processos.

A expectativa inicial da senhora em relação à conferencia se confirmou?
Minha expectativa foi moldada pelas conferências preparatórias, das quais participei desde agosto do ano passado. Esse processo demonstrou que o consenso não seria fácil. Aí, entra a arte do multilateralismo, que é buscar o consenso dentro dos opostos. Já percebi que esse é um processo difícil, mas considero que o resultado da Rio+20 foi um grande sucesso. A Rio+20 não tinha uma agenda definida. Seu objetivo era justamente criar uma agenda. E esse papel, o de criar uma agenda, é óbvio que é muito mais difícil do que quando se tem uma agenda já definida. A Rio+20 é um sucesso porque cria uma agenda mais nova, mas é, ao mesmo tempo, reflexo de seu tempo, que é um tempo de dificuldade.

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