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Estado de Minas

Banco promove empreendedorismo sem discriminação racial

Programa do BID, o Inova Capital, com o objetivo de alavancar negócios de afro-brasileiros, seleciona projetos de mineiros. Objetivo é estimular empresários e reduzir a desigualdade


postado em 07/11/2016 06:00 / atualizado em 07/11/2016 19:34

Kelma Zenaide vai começar a rodar com o seu Kitutu pelas ruas e praças de BH oferecendo pratos da culinária africana(foto: Kelma Zenaide/Divulgação)
Kelma Zenaide vai começar a rodar com o seu Kitutu pelas ruas e praças de BH oferecendo pratos da culinária africana (foto: Kelma Zenaide/Divulgação)

Desde criança, a empreendedora Kelma Zenaide, de 44 anos, sente que tem talento para os negócios. Mas só agora, depois de mais de 20 anos de experiências no ramo da culinária, é que ela se aproximou do seu sonho e em dezembro coloca nas ruas e praças de Belo Horizonte o Kitutu, uma “food kombi”, onde planeja vender pratos autoriais da culinária africana. O projeto de Kelma tomou forma depois que a empreendedora mineira foi uma das selecionadas, entre mais de 180 candidatos de todo o Brasil, para participar do Inova Capital, programa do Banco Internacional de Desenvolvimento (BID) de apoio aos empreendedores afro-brasileiros.

Pesquisa desenvolvida pelo Sebrae que avaliou dados da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (PNAD) entre 2003 e 2013 mostra que programas como o Inova Capital podem ajudar a reduzir desigualdades. De acordo com o estudo, existe uma grande distância entre os donos de negócios negros, pardos e brancos. “Há, de fato, um abismo, resultado de muitos anos de ausência de políticas públicas para essa parcela da população”, aponta o analista do Sebrae Rafael Malaquias.

Para se ter ideia, no Brasil, 52% dos donos de pequenos negócios são negros e pardos. No entanto, esses empreendedores têm rendimento, em média, duas vezes e meia menor que o dos brancos. E o nível de escolaridade deles também é mais baixo. Entre os empregadores, 9% são negros ao passo que a taxa mais que dobra entre os brancos, 22%.

O empurrãozinho que o Kitutu recebeu foi decisivo. Fez o negócio tomar forma, com características inovadoras e boas chances de crescimento. Até então, Kelma criava seus pratos e como autônoma trabalhava em feiras e eventos, mas agora tem planos de se transformar em uma franquia.

Anderson Gonçalves, que participou da capacitação, passou a ter novas perspectivas para sua microempresa(foto: Nego Júnior/Divulgação)
Anderson Gonçalves, que participou da capacitação, passou a ter novas perspectivas para sua microempresa (foto: Nego Júnior/Divulgação)

O programa desenvolvido pelo BID tem como objetivo ajudar a reduzir desigualdades entre os empreendedores brasileiros. A iniciativa vai contar com investimentos de US$ 500 mil até 2017, para quando está prevista a segunda fase do programa. Ao todo, 30 empreendimentos de pequeno porte do país participaram da capacitação, que contou com a parceria da Endeavor. Além de aprender a planejar e gerir o negócio, buscar crédito, travar o networking, os empreendedores também tiveram aulas de oratória, aprenderam como apresentar seu negócio a investidores do mercado de capital.

“O acesso a financiamento e as capacidades de gerir um negócio sem dúvida persistem como importantes barreiras ao crescimento de todas as empresas. Contudo, os empreendedores afrodescendentes muitas vezes enfrentam obstáculos adicionais em decorrência de arranjos discriminatórios históricos”, observa Luana Marques Garcia, especialista em Desenvolvimento Social da Divisão de Gênero e Diversidade do BID. Segundo a especialista, nessa primeira etapa do programa foram selecionados projetos com alto potencial de crescimento, inovação e impacto social e ambiental.

“Hoje valorizo itens do negócio, como a marca por exemplo, que antes deixava em segundo plano. O Inova Capital foi muito importante para o meu negócio. As condições de acesso ao conhecimento e ao crédito são ainda mais difíceis para os negros”, observa Kelma.

O jornalista mineiro Anderson Gonçalves, de 35, também faz parte do grupo de 30 empreendedores que participou do Inova Capital. Ele tem uma agência de notícias, a Valinor, e agora se prepara para migrar do patamar de microempreendedor individual (MEI) para se tornar uma microempresa. Para ele, a participação no programa lhe abriu novas perspectivas. “Hoje compreendo que não há negócios de brancos ou negros. O que existem são negócios.” Segundo o empreendedor, entre os pontos mais positivos do programa está o networking, que ampliou o seu relacionamento, ajudou a conquistar novos clientes e parcerias, assim como o estreitamento do contato com empresas que participam do seu mercado.

"O acesso a financiamento e as capacidades de gerir um negócio persistem como importantes barreiras ao crescimento de todas as empresas. Contudo, os empreendedores afrodescendentes muitas vezes enfrentam obstáculos adicionais em decorrência de arranjos discriminatórios históricos" - Luana Marques Garcia, especialista em Desenvolvimento Social da Divisão de Gênero e Diversidade do BID (foto: Nego Júnior/Divulgação)

CRÉDITO LIMITADO
Em dezembro, a Kitutu deve ganhar as ruas. Além da gestão do negócio, outra barreira enfrentada por Kelma Zenaide foi o acesso ao crédito. Ela teve que deixar de lado o seu projeto inicial de um food truck e migrar para uma “food kombi”, ajustando os investimentos ao capital disponível. Por já ter usado uma linha de crédito do banco e ter demonstrado ser uma boa pagadora, ela foi elevada a um segundo patamar. Ainda assim, os R$ 4,8 mil que conseguiu é três vezes inferior aos R$ 15 mil que precisava.

“Na kombi terei pratos como o feijão-tropeiro com temperos e torresmo especial desenvolvido por mim; o arroz de crioula, com leite de coco, dendê, camarão e amendoim; e um de meus carros-chefes, o angu de mina, com fubá de moinho d’água, suã ao vinho, legumes e almeirão”, descreve. Depois do Inova Capital, Kelma, que buscava um meio para inovar o seu negócio, se sente animada: “Meu projeto é transformar o Kitutu em uma franquia.”

Segundo Rafael Malaquias o Sebrae trabalha em um levantamento para montar projeto de aceleração de negócios afrodescendentes, no qual haverá suporte para gestão e ainda uma linha de crédito específica para os empreendedores.

Vilões

Em pesquisa realizada pelo Procon de São Paulo em 2010, sobre Discriminação Racial nas Relações de Consumo, 56,43% dos entrevistados reporta haver presenciado atitude discriminatória de cor/raça, no momento da compra de um produto ou na contratação de um serviço. Os bancos e instituições financeiras estavam entre os três primeiros setores nos quais os consumidores mais se sentiam discriminados, depois das lojas e shopping centers.

Três perguntas para Rafael Malaquias, analista do Sebrae

Quais os maiores desafios enfrentados pelo empreendedor afrodescendentes no Brasil?
Os desafios que envolvem a gestão do negócio e o acesso ao crédito muitas vezes podem ser maiores para os afrodescendentes. A pesquisa “os donos do negócio”, do Sebrae com dados da PNAD, mostrou que ainda existe uma distância muito grande entre negros e brancos, embora o empreendedorismo seja um recurso utilizado pelos afrodescendentes desde a época do império. A ausência de políticas públicas contribuiram para manter as desigualdades.

Quais os indicadores demonstram com maior clareza essa desigualdade?
Podemos apontar a escolaridade, os rendimentos e os empregadores do negócio. Quando observamos a escolaridade, por exemplo, entre aqueles com o ensino fundamental incompleto 54% são negros e 35% brancos. Os rendimentos dos brancos são praticamente duas vezes e meia maiores. Entre os que ganham mais de cinco salários mínimos, por exemplo, 6% são negros e 19% brancos. Entre os brancos, 49% contribuem com algum tipo de previdência. Entre os negros, o percentual cai para 22%

Existem projetos para atuar na redução da desigualdade?
O Sebrae está trabalhando no levantamento de dados para identificar quais são as áreas de maior vulnerabilidade. A intenção é desenvolver um projeto com apoio para a gestão e também uma linha de crédito para os afrodescendentes.


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