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Estado de Minas

Incerteza na economia e dívidas colocam sonhos de consumo na lista de espera

Inflação, juros altos e medo do desemprego levam consumidor a adiar projetos como a casa própria, troca do carro e do eletrodoméstico. Varejo já sente que o brasileiro pisou no freio


postado em 22/07/2014 06:00 / atualizado em 22/07/2014 07:30

Sandra queria comprar um som para a filha, mas decidiu esperar até dezembro(foto: Ramon Lisboa/EM/D.A Press)
Sandra queria comprar um som para a filha, mas decidiu esperar até dezembro (foto: Ramon Lisboa/EM/D.A Press)
O futuro está encoberto para o brasileiro. Com a lente que projeta a vida a médio prazo embaçada pelos juros altos, inflação e pela incerteza quanto ao emprego somados ao crédito caro e mais difícil de ser negociado com o banco, o consumidor, que nos últimos anos foi às compras e se endividou pagando altas taxas para as prestações, agora está preferindo adiar sonhos e projetos. A compra da casa própria, do carro e a reforma do apartamento, por exemplo, estão ficando para depois. Até a troca do eletrodoméstico entrou para a lista de espera.

Na linha de frente do consumo, as lojas à procura do cliente sentem o freio do brasileiro, e o varejo mostra em seus resultados a mudança de planos do consumidor. A Confederação Nacional do Comércio (CNC) revisou a expectativa de crescimento do varejo de perto de 6% para 4,4% em 2014. Em junho, a movimentação financeira do segmento teve queda de 3,2% frente a junho. A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) estima queda de 10% nas vendas do setor este ano. Sentindo o aperto no orçamento empurrado pelo encarecimento do custo de vida e baixo crescimento da economia, que afeta seu negócio, o empresário e gráfico Rogério Diamante, de 36 anos, decidiu ser mais cauteloso em seus projetos. Ele e a mulher, Simone, vão congelar até o ano que vem os planos da família de comprar um novo apartamento. “Não vou comprar o imóvel este ano”, afirma Rogério.

Decidido, o empresário também vai adiar seu projeto de trocar de carro. Ao invés de fazer a compra, agora ele vai esperar janeiro de 2015 chegar. São dois motivos: “Além de meu orçamento ter ficado apertado nos últimos meses, acredito que os juros altos de agora e também os preços vão cair até o fim do ano. A demanda por bens de consumo está menor”, observa.

Rogério e Simone deixaram para o ano que vem a vontade de trocar de imóvel e de carro (foto: Euler Junior/EM/D.A/Press)
Rogério e Simone deixaram para o ano que vem a vontade de trocar de imóvel e de carro (foto: Euler Junior/EM/D.A/Press)
Parcelas

Ao contrário de muitos brasileiros que prestam mais atenção no valor da parcela do que nas taxas dos financiamentos, Rogério observa bem os juros antes de fechar um compromisso. Ele tem razão. Pesquisa da Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac) mostra que os juros cobrados na compra de um automóvel com valor de R$ 25 mil, dividido em 60 prestações, encareceu o preço final do carro em R$ 2,4 mil, no último ano, considerando a Selic de 7,25% ao ano em março de 2013 e 11% em junho de 2014 (veja arte). Os percentuais do cartão de crédito, a mais alta taxa cobrada ao consumidor, são capazes de desanimar até o mais corajoso. Nos últimos 15 meses, a taxa anual evoluiu de 193% para 239%.

“Quando decide comprar, o consumidor olha em duas direções: para o seu presente e para o futuro. Quando percebe que no ambiente econômico o crédito está mais caro, a inflação está corroendo sua renda e ainda existem incertezas quanto ao emprego no médio prazo, ele adia suas compras. É o que está ocorrendo agora”, observa Miguel José Ribeiro, vice-presidente da Anefac. O especialista aponta ainda que o freio ocorre em duas frentes. “Os bancos também deixaram de operar o crédito com a folga de antes e estão mais preocupados com a inadimplência, restringindo a oferta.”

Se de um lado da corda os empréstimos são mais escassos, do outro, o bolso do consumidor está sufocado. O endividamento das famílias com o sistema financeiro está em um dos maiores patamares desde o início da série histórica do Banco Central, iniciada em 2005. Cerca de 44% da renda acumulada em 12 meses está comprometida com dívidas. O custo de vida também rompeu em junho a barreira dos 6,5%, teto da inflação projetada pelo BC.

Na última quarta-feira, o Comitê de Política Econômica (Copom) manteve a taxa básica de juros do país no percentual de 11%. Em abril do ano passado, quando o comitê deu início ao ciclo de alta, a taxa era de 7,25%. “Mesmo que tradicionalmente o consumidor brasileiro se preocupe mais com o valor de sua prestação que com o percentual dos juros, a trajetória de alta das taxas encareceu as prestações, que já estão mais enxutas que no ano passado”, diz Fábio Bentes, economista da Confederação Nacional do Comércio.

Até mesmo os consumidores que nos últimos anos fizeram compras por impulso agora estão mais comedidos. A cabeleireira Sandra Heloísa Figueiredo, de 47, conta que nos últimos meses comprou fogão, micro-ondas, geladeira, forno e ainda está pagando as prestações. Ela admite que não observa as taxas de juros, mas evita os excessos. “Preciso comprar um som para minha filha que custa R$ 3 mil. Quero dividir em 12 vezes, mas vou deixar para dezembro. Até lá, desafogo meu cartão.”

Necessidade


Roberto Piscitelli, professor de economia da Universidade de Brasília (UnB), explica que o freio é impulsionado por variáveis como juros altos na ponta do consumo, crédito escasso e alto endividamento das famílias. “A necessidade de consumo já não está tão reprimida e as pessoas também aprenderam um pouco sobre o endividamento e agora enxergam razões para ter maior cautela. Acredito que esse freio no consumo permanece até a definição das eleições.”
Com a medida dos gastos bem mais rigorosa que há dois anos, o casal Wilhames Spindola, porteiro, de 37, e a mulher, Fábia Almeida, cuidadora de idosos, admite que já chegou a ficar bem descontrolado com as prestações. Eles compraram vários bens para renovar a casa de uma só vez e dividiram em prestações que ficaram gordas com os juros. Agora, conseguiram controlar novamente as finanças e estão planejando melhor o orçamento. “As coisas estão muito caras. Esperamos quase um ano para comprar um fogão e agora vamos segurar até dezembro para comprar uma TV nova. Se fosse há dois anos, compraríamos tudo de uma vez”, diz Fábia.

"Esperamos quase um ano para comprar o fogão e agora vamos segurar até dezembro para comprar uma TV nova. Se fosse há dois anos, compraríamos tudo de uma vez", disse Fábia Almeida, cuidadora de idosos (foto: Ramon Lisboa/EM/D.A Press)
Enquanto isso...

... Belo-horizontinos querem roupas e calçados


Nos próximos 90 dias, a intenção de compras do belo-horizontino está focada em maior percentual nos produtos de menor custo. Pesquisa da Fundação Ipead/UFMG mostra que, em primeiro lugar, o brasileiro quer gastar com vestuário e calçados. Em segundo no ranking está o automóvel e, depois, os móveis da casa. Nos próximos três meses, a moradia está no fim da fila. Sondagem do consumidor da Fundação Getulio Vargas (FGV) referente a junho mostra que o brasileiro com menor renda é a faixa da população que está com seu orçamento mais comprometido. A análise dos resultados por faixas mostra que 20% dos consumidores com renda familiar mensal até R$ 2,1 mil estão com pagamentos em atraso, o que é o maior nível dos últimos dois anos, enquanto apenas 2,7% dos consumidores com alto poder aquisitivo (acima de R$ 9,6 mil) estão na mesma situação. Segundo a economista responsável pelo levantamento, Viviane Seda, a inflação mais alta tem reduzido a renda disponível do consumidor aumentando a proporção de famílias com comprometimento da renda superior a 10% com o pagamento de compras parceladas.


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