Vozes da dor: Memorial Brumadinho repousa o luto da ausência
Inaugurado no início do ano, espaço é um lugar de homenagem às 272 vidas perdidas no rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, em 25 de janeiro de 2019
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“Ele ligou para mim na sexta-feira, pouco antes do meio-dia. Queria saber como eu estava e avisou que ia almoçar. Desde então, ele não atende”, Aline Romão perdeu o marido, Jonis Andrei Nunes, de 48 anos, funcionário da Vale há 13 anos. Ela relata o último contato com ele, pouco antes do rompimento. “Tenho conforto em sentar aqui e olhar as coisas do Bruno. Meu filho tinha que voltar para essa casa, ele saiu daqui saudável, lindo”. Andressa Rodrigues, mãe de Bruno Rocha Rodrigues, mantém o quarto do filho intacto, com fotos, álbuns, o violão e a bandeira do time local, o Oriente, como forma de preservar sua memória. “Foi tão rápido, o volume de lama foi tão espesso que não deu tempo nem de gritar socorro. E hoje as nossas vozes ‘é’ a voz deles clamando por justiça”, Anastácia do Carmo Silva perdeu seu filho Cleiton Silva, de 29 anos, soterrado pela lama.
E essas memórias criam uma colcha de retalhos, na verdade, uma teia invisível que conecta 272 familiares em um luto que nunca acaba. A dor de um é compartilhada, amparada e revivida em lágrimas por cada um deles. Nas lembranças, apenas a última imagem daqueles que, abruptamente, se foram. “Do bênça mãe, te vejo mais tarde” ao “hoje à noite sairemos para jantar”, essas vozes silenciadas ressurgem como gritos de lamúria. "Eles não estão mais entre nós. Somente o tempo será capaz de aliviar a perda, mas jamais apagará a saudade eterna que persiste", Zuma Pires perdeu o marido Ângelo Gabriel, motorista de uma empresa terceirizada que transportava funcionários para a mina no dia da tragédia.
A poucos quilômetros de Belo Horizonte, no distrito de Córrego do Feijão, em Brumadinho, um espaço de valor singular vem atraindo olhares atentos de visitantes do Brasil e do mundo. Inaugurado em janeiro deste ano, o Memorial Brumadinho é um lugar de homenagem às 272 vidas perdidas no rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, em 25 de janeiro de 2019. Mais do que um ponto turístico, é um destino de consciência — visualizações à preservação da memória coletiva, à valorização da vida e à educação para que tragédias como essa não se repitam.
Experiência sensível
Aberto ao público de forma permanente e gratuita, o Memorial, projeto do arquiteto Gustavo Penna, foi construído no próprio local do rompimento, sobre os escombros do antigo refeitório da Vale, respeitando os desejos dos familiares das vítimas. É mantida pela Fundação Memorial Brumadinho, uma entidade independente, formada por representantes das famílias, da sociedade civil e do poder público, sem uso de recursos destinados a indenizações.
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A visita proporciona uma experiência sensível e transformadora. O espaço expositivo conta com fotos, vídeos, registros sonoros e depoimentos, além de obras artísticas e instalações que abordam a dimensão humana da tragédia, os impactos socioambientais e a luta dos familiares por justiça e memória. Ao lado da exposição, um mirante silencioso permite avistar toda a área atingida, promovendo um momento de pausa e reflexão. Também há um centro de educação, voltado para escolas, universidades, profissionais e pesquisadores, com atividades e escritórios sobre mineração, segurança, meio ambiente e direitos humanos.
Ipês amarelos
O Memorial reúne bosque com 272 ipês amarelos, plantados em homenagem a cada uma das vítimas, escultura-monumento, espaço meditativo, duas salas de exposição, além de ambiente dedicado “à guarda digna e honrosa dos segmentos corpóreos das vítimas”. Haverá também projetos educativos e de pesquisa a fim de fomentar estudos interdisciplinares em meio ambiente, geografia, arquitetura, direito e história, com foco na tragédia e seus desdobramentos.
O Memorial Brumadinho integra a Rota Turística de Memória e Arte de Brumadinho, ao lado do Inhotim e de atrações culturais e gastronômicas da região. A visita pode ser agendada com antecedência pelo site oficial, mas também é possível chegar sem agendamento, de terça a domingo, das 9h às 17h.
Para quem busca vivências que conectam história, empatia e responsabilidade social, o Memorial é um lugar que merece ser conhecido — e sentido.
Serviço:
Memorial Brumadinho
Estrada Municipal do Córrego do Feijão, s/n – Brumadinho/MG
Terça a domingo, das 9h às 17h
www.memorialbrumadinho.org
Entrada gratuita