Rotina acelerada, pressão constante por produtividade e cansaço que nunca passa. Para muitos brasileiros, esse trio tem sido a combinação perfeita para transformar a comida em um refúgio emocional, um conforto rápido diante do peso mental acumulado. Pesquisas recentes mostram que o fenômeno do “comer por emoção” cresce de forma preocupante no país, revelando que a ansiedade e o estresse não apenas impactam o humor, mas também moldam o que vai para o prato.
Um estudo publicado no International Journal of Environmental Research and Public Health aponta que pessoas mais ansiosas e estressadas apresentam probabilidade significativamente maior de usar a comida como válvula de escape.
É o famoso “eu mereço” dito após um dia exaustivo, expressão que sintetiza a relação direta entre sobrecarga emocional e escolhas alimentares impulsivas. No Brasil, esse comportamento encontra terreno fértil: dados da Fiocruz mostram alta prevalência de transtornos de ansiedade entre a população, um cenário que ajuda a entender por que tantos têm buscado a alimentação como forma de alívio imediato.
Quando a fome não nasce no estômago
A fome emocional se distingue da fome fisiológica justamente por essa origem mental. “A fome emocional nasce da sobrecarga, não do estômago. Quando uma pessoa está exausta, o cérebro pede conforto e a comida vira a recompensa mais rápida”, explica Aline David, nutricionista, mestre e doutora pela USP e membro do Conselho Científico da Vhita. Segundo ela, regular humor, sono e estresse é essencial para reduzir esse impulso e recuperar o controle das escolhas.
A questão também aparece entre pessoas que usam medicamentos para controle do apetite. Embora essas medicações reduzam a fome física, estudos indicam que comportamentos alimentares ligados às emoções não caem na mesma proporção. O resultado é que o comer emocional pode apenas diminuir temporariamente durante o tratamento, retornando quando fatores emocionais permanecem sem cuidado.
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Estresse, sono e envelhecimento
Entre pessoas acima de 40 anos, o impacto emocional sobre a alimentação ganha ainda mais força. Nessa fase, alterações hormonais, sono irregular e maior estresse estão associados a pior saúde metabólica, aumento da inflamação e perda de massa magra, fatores que reduzem energia e ampliam a vulnerabilidade aos impulsos alimentares.
Uma pesquisa publicada no Frontiers in Nutrition mostrou que a sarcopenia, caracterizada pela perda gradual de massa e força muscular, é um fator de risco independente para distúrbios do sono em adultos a partir dos 40 anos. Essas desregulações, musculares e hormonais, aumentam a probabilidade de recorrer à comida como resposta ao cansaço emocional.
A sarcopenia é um fator de risco independente para distúrbios do sono em adultos
Relação entre sentimentos e alimentação
O psiquiatra e pesquisador francês Stéphane Clerget explora essa conexão no livro “Quilos emocionais: como se livrar deles sem dietas nem medicamentos”, recém-lançado em português. A obra mostra como emoções como alegria, raiva, tristeza e ansiedade influenciam não apenas o que comemos, mas também a quantidade e o ritmo da alimentação.
Stéphane também apresenta comportamentos comuns, como lanches constantes, compulsão por doces e alimentação noturna, como respostas emocionais aprendidas e reforçadas ao longo da vida. Segundo ele, os quilos que insistem em permanecer muitas vezes têm origem menos no prato e mais nos sentimentos, hábitos familiares e eventos marcantes.
A obra destaca que mais da metade da população brasileira está com sobrepeso, o que eleva o risco de doenças crônicas como hipertensão, diabetes tipo 2 e problemas cardiovasculares. Entre crianças e adolescentes, o cenário também preocupa: em 2022, de 11% a 38% dos jovens brasileiros estavam acima do peso, dependendo da região.
O autor critica ainda o mercado bilionário das dietas e medicamentos para emagrecimento. “A indústria do controle do peso lança novidades todos os dias. Mas, no fim, quem emagrece de verdade é apenas a nossa conta bancária”, ironiza. Para ele, compreender o 'peso do estresse', capaz de intensificar a acumulação de gordura, é fundamental para combater o ciclo entre emoções e excesso de peso.
O fenômeno do “comer por emoção” cresce de forma preocupante no país
Estratégias para quebrar o ciclo
Diante da complexidade, em que perder peso e mudar os comportamentos alimentares não é tão simples, especialistas defendem uma abordagem integrada, que considere mente, corpo e nutrição. Atividade física, mesmo em níveis leves, já se mostrou eficaz na redução de sintomas emocionais e no controle dos impulsos gerados pelo estresse, segundo pesquisas da USP.
A suplementação também tem ganhado destaque como apoio complementar, não como solução isolada. Nutrientes como ômega-3, vitamina D e magnésio apresentam evidências de contribuição para melhora do humor, qualidade do sono e redução da ansiedade leve. No entanto, seu uso deve ser orientado por profissionais.
Para quem enfrenta picos de comer emocional, pequenas ações práticas podem ajudar a frear o impulso antes que ele chegue à cozinha:
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Fazer uma pausa de dois minutos para respirar profundamente
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Realizar uma caminhada curta para reduzir o cortisol
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Hidratar-se, já que fadiga e sede podem gerar sensação falsa de fome
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Criar recompensas não alimentares, como banho quente, música ou alongamento
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Priorizar nutrientes que apoiam humor e sono
“A fome emocional é um reflexo direto da vida acelerada. Quando entendemos como o estresse molda nossas escolhas, abrimos espaço para reconstruir hábitos com mais consciência e criar uma relação mais leve e compassiva com a comida”, afirma Aline David.
