Dois pacientes com polilaminina retomaram movimentos, dizem pesquisadores
Substância está em fase de pesquisa científica e aguarda aval da Anvisa para avançar para a etapa clínica
compartilhe
SIGA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Dois pacientes que tiveram lesão medular completa, com perda total de movimentos e de sensibilidade da cintura para baixo, apresentam retomada de sensações e são capazes de fazer pequenos movimentos depois de receberem aplicação de polilaminina, afirma o grupo de pesquisadores que desenvolve a substância.
Ambos tomaram as injeções com o produto há duas semanas, por ordem judicial. A equipe liderada pela bióloga Tatiana Coelho de Sampaio, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), acompanha todos os casos que envolvem a droga.
Leia Mais
A polilaminina é uma substância que tem origem na placenta humana e se mostrou capaz, em testes científicos, de restabelecer a medula espinhal em pessoas que tiveram lesões medulares e recuperar os movimentos do corpo em casos de paraplegia ou tetraplegia.
A substância foi submetida a pesquisa científica, com autorização da Conep (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa), com aplicação em animais e em alguns voluntários. Nesse processo, entre outros casos que tiveram bons resultados, destacou-se o de Bruno Drummond de Freitas, 31, que ficou tetraplégico após um acidente de trânsito. Ele recebeu a polilaminina 24 horas depois do trauma.
Após a aplicação e tratamento físicoterapêutico por cinco meses, ele recuperou os movimentos e voltou a andar.
Quando uma pesquisa apresenta benefícios na fase científica (chamada também de pré-clínica), como foi o caso da polilaminina, ela segue para a etapa clínica -no Brasil, para chegar neste ponto, depende do aval da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
A Anvisa ainda não deu autorização para a pesquisa seguir para a fase clínica, na qual é avaliada a segurança e possíveis efeitos colaterais em um grupo maior de voluntários.
A agência tem dado anuência para as aplicações que estão sendo autorizadas pela Justiça.
Luiz Fernando Mozer, 37, recebeu a polilaminina em um procedimento realizado em Cachoeiro do Itapemirim (ES). Ele havia se acidentado no começo de dezembro durante uma apresentação de motocross e sofreu lesão medular.
Menos de 48 horas após a aplicação, Luiz sinalizou estar sentido o toque nos membros inferiores, segundo o grupo de pesquisa da polilaminina e da equipe médica do Hospital Santa Casa de Misericórdia, em Cachoeiro de Itapemirim, que o acompanha. Nesta segunda-feira (29), os médicos fizeram uma nova avaliação no capixaba e relataram que ele conseguiu contrair músculos da coxa, da região anal e ampliou o campo de sensibilidade.
O segundo paciente recebeu a aplicação, também por ordem judicial, em um hospital do Rio de Janeiro. Ele tem 35 anos e ficou paraplégico, com lesão total da medula, após uma queda de moto. No teste realizado nesta segunda, ele conseguiu fazer um leve movimento do pé. Ele também registra sensibilidade em partes das pernas, segundo o grupo de pesquisas da polilaminina e a equipe média dos hospital.
O médico Bruno Alexandre Côrtes, chefe do serviço de neurocirurgia do Hospital Municipal Souza Aguiar, do Rio de Janeiro, o maior de emergências da América Latina, realizou as duas aplicações -no Rio e no Espírito Santo- e acompanhou os exames posteriores do paciente do Rio.
"Eu operei o rapaz e vi uma transecção completa da medula. Não havia a menor chance de esse paciente ter qualquer movimento ou sensibilidade em condições normais. Foi muito complexo fazer o procedimento. A única explicação é a polilaminina. Não existe outra", afirmou.
Segundo Côrtes, "se as imagens pré-operatórias do paciente forem mostradas para qualquer médico neurocirurgião, ele vai dizer que nunca mais essa pessoa vai mexer nada. Agora, de fato, ele está fazendo contração [muscular]".
"Não temos dúvidas de que houve ação da polilaminina e que a medula dos pacientes está respondendo ao tratamento. Isso está claro nos exames técnicos e para toda a equipe médica. Mas, agora, precisamos proteger as pessoas. Precisamos trabalhar dentro do estudo clínico para coleta de dados e controle. Não dá pra continuar como está [cumprindo ordem judiciais]", afirma a bióloga Tatiana. Para ela, a agência tem feito "seres humanos de cobaia", assistindo aos resultados a partir das ordens judiciais.
A Anvisa afirmou, por meio de nota, que são decisões judiciais que precisam ser cumpridas e que a polilaminina está em acompanhamento pelo Comitê de Inovação da agência.
"A proposta de desenvolvimento clínico do produto polilaminina, apresentado pelo laboratório Cristália, encontra-se em avaliação pela Anvisa, em caráter prioritário. O foco da avaliação de pesquisa clínica tem justamente o objetivo de garantir o rigor científico necessário para a avaliação de novos medicamentos", informa a nota.
Ainda segundo o texto, "a Anvisa avalia, neste momento, as informações complementares apresentadas pela empresa no dia 19 de dezembro acerca da segurança dos participantes do ensaio clínico".
O fisiatra Marcelo Ares, coordenador médico da AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente), avalia que "toda evolução satisfatória após uma lesão na medula chama a atenção".
"O importante é saber se [os resultados] não se devem aos cuidados prestados na fase aguda somados à regeneração natural ou a um fator externo, como a droga em questão", afirma.
Ares explica a raridade de um retorno de movimentos diante uma lesão medular tida como completa. "As lesões causam um corte total da medula, não permitindo passagem de nenhum estímulo. A evolução mais provável é a ausência de movimentos e sensibilidade abaixo deste nivel."
A polilaminina só pode ser aplicada, mesmo nos casos de decisão judicial, em vítimas de lesões medulares completas e recentes, registradas em no máximo 72 horas. Não há, por enquanto, estudo que mostre ação efetiva em pessoas com lesões crônicas -mais antigas.
Até agora, foram quatro ordens judiciais com três procedimentos já realizados. O terceiro caso é de uma mulher de 35 anos de Governador Valadares (MG), que recebeu a polilaminina há menos de uma semana. Ela sofreu um acidente de carro, seu quadro de saúde é estável e ainda não apresentou sensibilidade ou retomada de movimentos, segundo a equipe de pesquisa da polilaminina.
Todos esses pacientes vão precisar, de acordo com a equipe de pesquisa da polilaminina, de processos intensos e específicos de reabilitação, o que é fundamental para o aproveitamento total da substância.
"Para todo processo que envolve regeneração neurológica, a reabilitação é fundamental para incrementar o processo, estimulando de forma mais proxima do fisiológico o retorno neurológico e para o acompanhamento e documentação dos efeitos positivos", ressalta o especialista da AACD.
Siga nosso canal no WhatsApp e receba notícias relevantes para o seu dia
Por enquanto, os custos das aplicações têm sido divididos entre voluntários, o poder público e o laboratório Cristália, responsável pela fabricação da substância e detentor da patente ao lado da UFRJ.