Para quem sofre com crises de enxaqueca, as horas de sono podem ser tão desafiadoras quanto os dias de dor. As crises podem prejudicar a qualidade do sono, criando assim um ciclo vicioso, já que a falta de sono também pode favorecer a piora das crises.
“Sono e enxaqueca possuem uma relação profunda e intrincada. Isso porque os mecanismos cerebrais que controlam a dor e o sono estão interligados. Por exemplo, o hipotálamo, estrutura responsável por regular o ciclo sono-vigília, também tem participação nas crises de enxaqueca, modulando sinais de dor e a liberação de hormônios. Já neurotransmissores como serotonina e melatonina influenciam tanto o controle do sono quanto a sensibilidade à dor”, explica o neurologista, membro da International Headache Society (IHS) e da Sociedade Brasileira de Cefaleia (SBC), Tiago de Paula, que ainda acrescenta que, assim como a falta de sono, dormir em excesso também pode piorar as crises.
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O médico esclarece que, em muitos pacientes, as crises de enxaqueca prejudicam severamente as noites de sono. “As dores e a ansiedade geradas pela enxaqueca causam insônia e despertares frequentes durante a noite. Além disso, durante a crise ocorrem alterações químicas no cérebro, com mudanças nos níveis de neurotransmissores, assim quebrando o padrão normal do sono e prejudicando a recuperação”, diz o neurologista.
“E dormir pouco eleva a excitabilidade do sistema nervoso. E sabemos que enxaqueca é uma doença relacionada à hiperexcitabilidade cerebral. Então dormir mal é um gatilho para as crises, que também são mais fortes, pois a privação do sono aumenta a sensibilidade à dor”, acrescenta o médico.
Mas dormir demais, quando possível, não é a solução, apesar de ser algo frequente entre os pacientes que sofrem com enxaqueca. “Depois que a dor passa, é comum que a pessoa se sinta mais cansada, recorrendo então a horas extras de sono para se recuperar. Além disso, a sonolência diurna pode surgir como um sintoma das crises ou como efeito colateral de alguns medicamentos”, diz Tiago de Paula. “Mas, independentemente do caso, é importante controlar as horas de sono. Isso porque dormir por horas extras pode desregular o ciclo sono-vigília e alterar os níveis de neurotransmissores, piorando as crises de enxaqueca”, acrescenta.
Então, para voltar a ter boas noites de sono e controlar as crises, o mais importante é buscar um especialista para tratar a enxaqueca, o que envolve uma abordagem ampla e integrada que vai muito além do uso de medicamentos para crises, que, quando utilizados em excesso, podem, na verdade, piorar a condição.
“O controle eficaz passa por mudanças no estilo de vida somadas às terapias de primeira linha com eficácia comprovada, como a aplicação de toxina botulínica em pontos específicos, para reduzir a sensibilidade à dor, e o uso de medicamentos monoclonais Anti-CGRP, que bloqueiam substâncias ligadas à inflamação e transmissão da dor. É possível ainda associar sessões de fisioterapia e uso de dispositivos de neuroestimulação para diminuir a excitabilidade cerebral. Embora não tenha cura, a enxaqueca pode ser controlada com eficácia. E quando o tratamento é feito corretamente, todos os gatilhos perdem a força."
Com relação ao sono, vale ressaltar que mais importante que o número de horas dormidas é a qualidade e a regularidade. De acordo com o otorrinolaringologista, especialista em medicina do sono e coordenador científico do grupo Bonviv Brasil, Paulo Reis, não basta simplesmente dormir a noite inteira para ter um sono de qualidade.
“As pessoas muitas vezes têm a percepção equivocada de que dormir muito ou dormir a noite inteira é sinônimo de ter dormido bem. E isso nem sempre é verdade. Se você dormiu um sono mais superficial ou fragmentado, por exemplo, terá um sono de qualidade ruim, apesar de ter dormido a noite toda”, ressalta Paulo. “Doenças intrínsecas do sono, como o ronco, a apneia do sono e a síndrome das pernas inquietas, por exemplo, são fatores comuns na população que geram um sono ruim. E muitas vezes são condições desconhecidas ou negligenciadas”, reforça.
Segundo o otorrinolaringologista, dormir bem realmente envolve ter um tempo de sono suficiente para que cérebro e corpo descansem e se recuperem, porém, vai muito além. “Um sono de qualidade inclui outras variáveis, como continuidade durante a noite (sono contínuo com poucos despertares e interrupções), estágios normais de sono (do mais leve ao mais profundo e ao REM) em proporções adequadas e regularidade nos horários de dormir e acordar de acordo com as individualidades de cada pessoa”, diz Paulo Reis, que afirma que, do ponto de vista prático, o que irá nos mostrar se o sono foi bom será acordar descansado, ter energia e concentração suficientes durante o dia sem a necessidade de estimulantes, como cafeína, Venvanse e afins, e não ter sonolência para realização das atividades cotidianas.
Então, para garantir um sono de qualidade, é fundamental adotar alguns cuidados, como a higiene do sono. “A higiene do sono é como preparar o terreno para que o sono aconteça de forma natural e restauradora. Quando mantemos bons hábitos de sono, melhoramos não apenas a quantidade de horas dormidas, mas principalmente a qualidade do descanso”, diz o especialista em sono.
“Alguns cuidados simples fazem uma diferença enorme, como: dormir e acordar em horários parecidos, mesmo nos fins de semana; manter o quarto silencioso, escuro e em temperatura agradável; ter um bom colchão e um travesseiro adequado; evitar telas e luzes fortes antes de dormir, trocando pelo hábito de ler ou ouvir algo leve; e evitar estimulantes, como álcool, exercícios intensos no período noturno e cafeína após o almoço”, aconselha o médico.
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Mas vale ressaltar que a própria enxaqueca dificulta que o paciente tenha uma boa noite de sono, com dificuldade para iniciar e manter o sono. “Não é culpa do paciente. Então o tratamento adequado da enxaqueca é indispensável para restabelecer a qualidade do sono e de vida”, aponta Tiago de Paula.
