
Hildegarda de Bingen, a santa que descreveu orgasmo feminino pela 1ª vez
Embora o papel das mulheres na fabricação de cerveja seja historicamente desprezado, hoje sabe-se que a cerveja atual, à base de lúpulo, foi inventada pela abadessa beneditina alemã Hildegarda de Bingen, que também é conhecida como a primeira mulher a descrever o orgasmo feminino, canonizada apenas em 2012.
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Siga noPlatão disse que quem inventou a cerveja era um homem sábio. Ele estava errado. Na verdade, foi uma mulher. Uma pessoa sábia, sim, mas uma mulher.
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As mulheres não são apenas responsáveis pela descoberta, mas suas contribuições ao longo da história da cerveja foram cruciais para o desenvolvimento da bebida, e para a construção da concepção cultural do uso que fazemos dela hoje.
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Mas qual é, de fato, a origem, da cerveja?
Há pouco mais de 7.000 anos, a fabricação de cerveja começou a se desenvolver na Mesopotâmia; eram as mulheres que misturavam grãos de cereais com água e ervas para fazer uma bebida com fins nutricionais.
Elas cozinhavam a mistura e, dessa mistura intuitiva, para aplacar a fome, surgia um caldo que fermentava espontaneamente.
Logo começaram a desenvolver suas habilidades em torno desse líquido turvo, espesso, mas altamente nutritivo, que também era capaz de iluminar o espírito.
Desde então e por centenas de anos, seu grau de conhecimento fez com que as mulheres fossem as únicas que podiam produzi-lo e também comercializá-lo. Elas eram responsáveis por sua produção e comercialização. Elas ainda eram responsáveis e as licenças e os equipamentos para produzi-lo eram delas.
E assim foi até a Idade Média, quando na Europa as licenças passaram para os nomes dos maridos.
A mudança legal da licença pode ter tido a ver com o fato de que, naquela época, a cerveja era um bem muito precioso e, embora fosse fabricada para consumo doméstico, o excedente era vendido para obter uma renda familiar extra. Assim, elas continuaram a trabalhar, mas o produto não era mais delas. E nem o dinheiro que ele rendia.
A versão mais difundida da origem da cerveja atual afirma que ela foi inventada por monges. No entanto, quando os monges viram o potencial do que as famílias e, em especial, as mulheres, já estavam fazendo, decidiram investir no cultivo de cereais para criar novas misturas e comercializá-las.

Lúpulo e Hildegarda de Bingen
Entretanto, apesar desse monopólio clerical, a cerveja como a conhecemos hoje também foi inventada por uma mulher.
Foi na Idade Média que a fabricação de cerveja sofreu uma mudança substancial com a adição do lúpulo, um parente próximo da cannabis, cujas flores dão à bebida seu amargor característico e propriedades conservantes que permitem que ela seja armazenada por muito mais tempo.
A abadessa Hildegarda de Bingen (1098-1179), a versão feminina de Leonardo da Vinci, foi responsável pela descoberta que provocou essa mudança radical na fabricação de cerveja.
Essa boa mulher, que combinou sua função de mestre cervejeira com a de teóloga, escritora, compositora musical e botânica (em sua obra Physica, ela descreveu mais de 200 plantas), entre outras habilidades, acabou sendo canonizada pela Igreja Católica. Embora isso tenha levado doze séculos.
Em 2011, o Papa Bento 16 acrescentou Hildegarda ao catálogo de santos católicos, e um ano depois a nomeou "quarta Doutora da Igreja Católica", depois de Santa Teresa, Santa Catarina e Santa Teresa de Lisieux.
Uma santa que descreveu o orgasmo
Além de sua notável contribuição para a cerveja, essa freira de clausura nos legou também uma outra "descoberta" prazerosa: a primeira descrição escrita conhecida de um orgasmo feminino.
Ao contrário de escritores da época, como seu contemporâneo Constantino, o Africano, que em seu Liber de coitu descreveu todos os tipos de prazeres carnais sem mencionar as mulheres, Hildegarda foi a primeira a ousar afirmar que o prazer não era obra de Satanás, que residia no cérebro e que as mulheres também o sentiam.
No Book of Causes and Remedies of Diseases, a carismática abadessa de Binguen escreveu que o sexo não era fruto do pecado e que o prazer sexual era uma questão de dois, e descreveu o momento do clímax e da ejaculação de um casal em termos inequívocos:
Assim que a tempestade da paixão surge em um homem, ele é lançado nela como uma pedra de moinho. Seus órgãos sexuais são então, por assim dizer, a forja à qual a medula dá seu fogo. Essa forja, então, transmite o fogo para os órgãos genitais masculinos e os faz queimar poderosamente.
E sua parceira está longe de ser um recipiente insensível:
Quando a mulher se une ao homem, o calor do cérebro da mulher, que tem prazer nele, faz com que ele sinta o prazer da união e ejacule seu sêmen. E quando o sêmen cai em seu lugar, esse calor muito forte do cérebro o atrai e o retém consigo mesmo, e imediatamente o rim da mulher se contrai e fecha todos os membros que, durante a menstruação, estão prontos para se abrir, assim como um homem forte segura uma coisa em sua mão.
Esse tratado médico foi publicado há doze séculos. A verdade é que, somente por isso, ela merecia ser uma santa.
*Manuel Peinado Lorca é professor emérito de Ciências da Vida e diretor do Jardim Botânico Real da Universidade de Alcalá (Espanha)
**Este artigo foi publicado no site The Conversation e reproduzido aqui sob a licença Creative Commons. Clique aqui para ler a versão original.