A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, afirmou na manhã desta sexta-feira (28/11) que a derrubada dos vetos à Lei Geral do Licenciamento Ambiental representa o maior desmonte já promovido na política ambiental brasileira. Em entrevista ao programa "Bom Dia, Ministra", veiculado pelo governo federal no Youtube, rádios e TV,  ela avaliou que a decisão do Congresso desmonta um arcabouço construído ao longo de décadas e amplia riscos em um país já pressionado por eventos climáticos extremos.

Segundo Marina Silva, o governo passou a considerar a judicialização no Supremo Tribunal Federal (STF), por entender que o novo texto fere o artigo 225 da Constituição, que estabelece o direito de todos a um meio ambiente saudável.

A ministra argumentou que o sistema de licenciamento consolidado nos estados há meio século, e no plano federal há quase 40 anos, evitou inúmeras tragédias. "Todas as tragédias evitadas não são contabilizadas, porque a gente só olha para aquelas que, infelizmente, não foram evitadas. Só que a partir de agora, com essa demolição, elas serão potencializadas, sobretudo em um contexto ainda mais difícil do que aquele que a gente tinha há 50 ou 40 anos atrás. A gente não vivia uma situação de completo desequilíbrio climático", enfatizou.

A ministra avaliou que, ao flexibilizar etapas consideradas essenciais, o Congresso reacende o risco de desastres em um momento marcado por chuvas torrenciais, secas severas, ondas de calor, incêndios e até tornados. Em sua visão, o momento pede regras mais rígidas, e não o desmonte da legislação.

Ela ponderou que a nova lei fragiliza órgãos como Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que, segundo avaliou, passam a atuar com "mãos atadas" diante das mudanças aprovadas.

"O discurso que está sendo feito, que é de modernização para ganhar agilidade, na verdade, é um discurso para disfarçar todos os retrocessos. Não são retrocessos, são verdadeiras regressões. O Ibama, o ICMBio, todos os órgãos ambientais agora ficarão de mãos atadas se essa lei prevalece", disse.

Segundo Marina, o governo avalia a judicialização como forma de recompor a proteção ambiental num momento que ela descreveu como de "luto" institucional. "Não se pode admitir que a população fique completamente desamparada, é fundamental considerar a judicialização e estamos considerando fortemente, porque é inconstitucional você passar por cima do artigo do 225 da Constituição Federal que diz que todos os cidadãos e cidadãs têm direito a um ambiente saudável. Com essa demolição, não há como lutar para ter um ambiente saudável num contexto tão difícil", destacou.

Autodeclaração é criticada

Outro ponto destacado pela ministra foi a autodeclaração por parte dos empreendedores. Para ela, a adoção da licença por autodeclaração abre a possibilidade de que empreendedores atestem sozinhos a própria conformidade ambiental, mesmo em setores de alto risco. A ministra comparou o mecanismo a permitir que qualquer cidadão prescreva, por conta própria, medicamentos controlados, sem avaliação técnica.

"A licença por autodeclaração é o empreendedor dizer que ele está em conformidade com a lei, em algumas situações, casos como o de Mariana e Brumadinho, é o próprio empreendedor que vai dizer dizer que ele está em conformidade com a lei", disse citando os exemplos de tragédias ambientais ocorridas na Região Central de Minas Gerais.

Próprios critérios

Marina também criticou a autorização para que estados e municípios definam, de forma independente, seus próprios critérios de licenciamento, sem diretrizes nacionais. Na avaliação dela, a fragmentação das regras rompe a coerência do sistema ambiental brasileiro, ignora a natureza compartilhada dos biomas e estimula que regiões administradas por governos negacionistas flexibilizem padrões mínimos de proteção. Como exemplo, citou que um rio contaminado em um estado alcançará as demais regiões da mesma forma, independentemente das normas locais.

"Dessa forma, cada estado vai achar que ele pode mudar as leis, mas ele não muda as leis da natureza. O rio que é contaminado por metais pesados em um estado, será o mesmo rio contaminado em outro. Só que para um estado que é negacionista, que não respeita o meio ambiente, que não se importa com as pessoas, Ele não vai ter nenhum problema em jogar o esgoto, em jogar metais pesados de uma fábrica de químicos dentro do rio. Ou seja, nós estamos vivendo o caos ambiental", pontuou.

Ao Estado de Minas, a ministra afirmou que a autorização para que estados e municípios estabeleçam critérios próprios rompe a coerência do Sistema Nacional do Meio Ambiente e cria brechas para um cenário de “liberou geral”. Segundo ela, a retirada das competências do Conselho Nacional do Meio Ambiente, um órgão consultivo e deliberativo do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama), e a possibilidade de autodeclaração representam um esvaziamento das funções de fiscalização do Estado, abrindo margem para decisões desalinhadas com padrões nacionais de segurança ambiental.

"Os estados vão fazer cada um por si, deixar e passar, deixar e fazer, o 'liberou geral'. É muito complicado, ainda mais que esses empreendimentos  podem ser de médio impacto. Nós até compreendemos e aceitamos que para os empreendimentos de baixo impacto isso é possível, agora de médio e alto impacto não é possível que você estabeleça que é o próprio empreendedor que vai dizer que ele está em conformidade com a lei", criticou.

Reflexos internacionais

Além das consequências internas, a ministra alertou para os reflexos internacionais do recuo ambiental. Segundo ela, a mudança aprovada pelo Congresso deve gerar dúvidas no Parlamento Europeu sobre a capacidade do Brasil de cumprir compromissos já assumidos no âmbito do acordo Mercosul–União Europeia. Para Marina, episódios como as enchentes no Rio Grande do Sul evidenciam que não há desenvolvimento possível sem clima equilibrado, já que infraestrutura, agricultura, transporte e comunicação são diretamente afetados pelos eventos extremos.

"Com certeza já começam a haver indagações se os compromissos ambientais que servem de base para o acordo terão como ser cumpridos diante dessa mudança", disse.

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A avaliação da ministra ocorre uma semana após o encerramento da COP30, em Belém. O revés legislativo no Congresso, que derrubou 52 dos 63 vetos presidenciais, consolidou a união da centro-direita e impôs uma derrota significativa ao governo Lula. A decisão restabeleceu pontos considerados críticos por especialistas, como a ampliação da licença por adesão e compromisso para empreendimentos de médio potencial poluidor e a dispensa de consulta à Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas)  e à Fundação Palmares em áreas indígenas e quilombolas ainda não homologadas. Também caiu a proibição de que estados e municípios definam seus próprios critérios de potencial poluidor, o que, segundo ambientalistas, deve levar à redução de padrões.

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