ENTREVISTA

Procurador-chefe do MP do Trabalho defende CLT e critica erosão de direitos

À frente do Ministério Público do Trabalho em Minas, Max Emiliano da Silva Sena alerta: "Estamos perdendo conquistas importantes"

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Recém-empossado como procurador-chefe do Ministério Público do Trabalho em Minas Gerais, Max Emiliano da Silva Sena assume o comando da instituição no estado em um momento de intensos debates sobre o futuro das relações trabalhistas no país. Em entrevista exclusiva ao Estado de Minas, ele defende o fortalecimento da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) como “piso mínimo de dignidade” e instrumento de justiça social. Ainda alerta para o avanço da pejotização e de outras formas de contratação que, sob o discurso da modernização, vêm “diluindo direitos e enfraquecendo vínculos”.

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Mineiro de Pedra Azul, com trajetória consolidada no MPT desde 2010, Max Emiliano fala sobre os desafios da sua gestão, o papel do órgão na mediação de conflitos e a importância de preservar a proteção social do trabalhador. Ele defende que a instituição reforce sua presença como voz ativa na defesa do trabalho digno, em meio ao que chama de “erosão silenciosa” das conquistas históricas. “As pessoas não estão percebendo que estamos perdendo conquistas que outrora foram tão importantes”, declarou.

O senhor acaba de assumir o comando do Ministério Público do Trabalho em Minas para o biênio 2025-2027 em um contexto de profundas transformações nas relações trabalhistas. Quais são, na sua avaliação, os principais desafios que o órgão enfrenta neste momento?

Nosso principal objetivo é dar continuidade aos avanços conquistados pelas gestões anteriores e avançar no que for possível. Mas algo que me chama muita atenção e que eu já tenho enfatizado, é trazer uma perspectiva humanística e, principalmente, diálogo para a construção de soluções para os problemas que se apresentam e nos desafiam. É importante que o trabalhador se inteire, tomar muito cuidado com fake news, com desinformações. Nós temos, por exemplo, a discussão que está no Supremo Tribunal Federal sobre a pejotização, que é um instrumento com potencial de precarizar por completo as relações de trabalho, solapando todos os direitos que o trabalhador conquistou a duras penas ao longo da história. São discussões que parecem distantes, mas elas têm o potencial de mudar por completo a vida do trabalhador, da sua família, das suas relações e da sua própria existência.

Como o senhor enxerga o papel do MPT hoje?

Penso que o Ministério Público do Trabalho é fundamental para ser uma voz em prol da garantia do trabalho digno. Porque, historicamente, algumas pautas que eram tão caras, como jornada de trabalho, normas de segurança e combate ao trabalho infantil, estão sendo vítimas de uma erosão constante, paulatina, às vezes silenciosa. E as pessoas não estão percebendo que estamos perdendo conquistas que outrora foram tão importantes no movimento dos trabalhadores do século 19. Então, o Ministério Público do Trabalho é fundamental para garantir um trabalho digno. E é importante frisar que o Direito do Trabalho busca garantir um piso mínimo de direitos. Às vezes, as pessoas acham que é muito, mas ele representa a materialização de reivindicações históricas.
Nós tivemos um tempo na história do trabalhador laborava por 18 horas, não tinha nenhuma segurança. As mulheres eram exploradas, as crianças também, sem nenhum pudor. Muitos abusos, discriminações, assédios. E nós avançamos, mas o que percebemos é que estamos paulatinamente regredindo. É importante que a sociedade esteja conectada com essas discussões. E o Ministério Público do Trabalho procura ser a voz do trabalhador para garantir uma condição mínima de dignidade no trabalho.

Minas Gerais é um estado com realidades econômicas e sociais muito diversas. Como o MPT pode atuar para equilibrar essas realidades tão distintas e adaptar suas estratégias de fiscalização e diálogo às diferentes realidades do território mineiro?

Costumo dizer que Minas são muitas. Têm características bem diferentes, mas o que observamos é que há uma pauta comum: a precarização das relações de trabalho. E essa precarização vai ocorrer, aí sim, de maneiras diferentes. Se você está em uma região muito industrializada, há problemas de fraudes e de segurança do trabalho, por exemplo. Ao passo que, em regiões mais pobres, a questão da informalidade é muito latente, assim como o trabalho análogo ao de escravo e o trabalho infantil. Os membros do Ministério Público do Trabalho, como estão ali in loco, têm uma visão muito apurada daquele meio social e conseguem catalisar os anseios e as necessidades daquela cidade ou região.

Falando em informalidade, há um discurso crescente, sobretudo entre os mais jovens, que associa o emprego formal à perda de liberdade, transformando a CLT quase em sinônimo de atraso. Como o senhor interpreta essa desmoralização do trabalho com carteira assinada e de que forma é possível reconstruir o valor simbólico e social da proteção trabalhista?

Penso que o primeiro passo é combater a desinformação com informação correta. Virou “meme” essa questão de ser CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Só que a CLT é a proteção mínima para o trabalhador. Ela está conectada à Constituição de 1988, que, no artigo 7º, enumera alguns direitos dos trabalhadores. Mas diz que, além daqueles direitos, outros poderão ser garantidos desde que visem à melhoria da condição social do trabalhador. E a gente percebe que a melhoria da condição social é muito mais ampla. O trabalho é um instrumento valioso de inserção e promoção social, mas não é um fim em si mesmo. Se ele não for digno, não promove inserção social. Trabalho infantil não promove inserção ou inclusão social. Trabalho com discriminação não garante isso. Trabalho escravo, precarizado, pejotizado, plataformizado e por aí vai. Então, a CLT representa um piso mínimo, o básico para que o trabalhador não seja absorvido e explorado.

Minas Gerais tem figurado entre os estados com maior número de trabalhadores resgatados em condições análogas à escravidão. Quais são as estratégias que o senhor pretende priorizar para fortalecer o enfrentamento a esse tipo de crime e, ao mesmo tempo, atacar as causas estruturais que mantêm trabalhadores vulneráveis a esse tipo de exploração?

O combate ao trabalho escravo é meta prioritária do MPT em âmbito nacional, mas Minas, conforme você disse, está entre os primeiros, ocupando um lugar de destaque que nós não gostaríamos de ocupar. Nós temos forças-tarefas do Ministério Público do Trabalho, do Ministério do Trabalho, da Polícia Rodoviária Federal, da Polícia Militar e da Polícia Federal para que haja uma atuação mais eficiente.

É um problema social que vem acontecendo há muito tempo em Minas. Aqui, temos situações de pessoas que são arregimentadas em outros estados para trabalhar. E eu percebo que a pobreza e a precarização são alguns elementos que acabam fomentando esse tipo de prática. Porque o trabalhador, premido pela necessidade da sobrevivência material, acaba se submetendo a esse tipo de condição tão desumana.

Eu já participei de operações para resgatar trabalhadores, e foi algo que me chamou muita atenção. Quando a equipe chegou ao local, o trabalhador gritava de alegria, dizendo que sabia que o socorro dele chegaria ali. Era um lugar em Rio Vermelho, muito isolado. Isso nos traz muita alegria, porque você monta todo o trabalho da força-tarefa para resgatar um trabalhador. E a visão mercadológica, econômica, que está aí, não é de permitir esse tipo de situação, de você empregar esforço para resgatar uma única pessoa. Mas é um ser humano que tem dignidade como qualquer outro e precisa da nossa proteção.

Em Minas, nós temos uma coordenadoria regional. Em âmbito nacional, há a CONAETE, que é a coordenadoria de enfrentamento e combate ao trabalho escravo e ao tráfico de pessoas. Aqui, temos a coordenadoria regional, com dois colegiados de procuradores, que, mediante parceria com outros atores, realizam essas forças-tarefas para resgatar não só o trabalhador, mas também sua dignidade, submetida àquela situação tão cruel.

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