A semana se encerra com a mais áspera crise entre o Palácio do Planalto e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que já expuseram suas diferenças antes, mas não em um patamar como agora. A troca de ataques entre o comandante da Casa e um dos principais ministros do governo — Alexandre Padilha (Relações Institucionais) — envolveu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que saiu em apoio público a seu auxiliar.

 

Foi Lira quem começou essa rusga, ainda sob efeito da decisão dos deputados em manter Chiquinho Brazão (sem partido-RJ) na prisão, na penitenciária de segurança máxima em Campo Grande (MS). Ele tornou público o que dizia sobre Padilha em conversas reservadas, e o chamou de "incompetente" e um "desafeto pessoal".

 



O ministro reagiu e anunciou que não iria baixar a esse nível. Porém foi de Lula o recado mais duro a Lira. "Mas só por teimosia, o Padilha vai ficar por muito tempo nesse ministério", rebateu o presidente da República.

 

Quem conhece, sabe que Lira não suporta reveses, e o ímpeto com o qual retornará à Câmara é uma incógnita. Foi lembrado que o último presidente da Câmara que se irritou bastante com o Executivo, Eduardo Cunha (MDB-RJ), reagiu pautando o impeachment de Dilma Rousseff, do PT. No entanto, algo assim é absolutamente fora de cogitação, ainda que existam pedidos nesse sentido protocolados, de autoria dos bolsonaristas extremistas.

 

O Planalto receia que o presidente da Câmara lance mão de um "pacote de maldades" e paute projetos para impor derrotas ao governo. A dúvida é sobre a extensão dessas retaliações. Ninguém acredita em outra medida drástica de Lira, como se vingar do resultado da votação envolvendo Brazão. Em resposta, ele atuaria para evitar a cassação de seu mandato, algo improvável. Até porque o próprio PL, de Jair Bolsonaro, que atuou para tirá-lo da prisão, protocolou pedido para cassá-lo e tem o entendimento de que retirar o parlamentar fluminense do convívio com os seus pares é caminho sem volta.

 

Na semana que começa, está prevista sessão do Congresso para votar vetos de Lula, entre os quais um que envolve verba de emenda. O presidente cortou R$ 5,6 bilhões de emendas de comissão. Há acordo com o Planalto para que deputados e senadores derrubem parcialmente o veto e fiquem com R$ 3,6 bilhões desse montante, para distribuir entre eles. O Executivo levaria, assim, R$ 2 bilhões. O receio é o Congresso vetar de forma integral e faturar sozinho essa bolada.

 

A reação de Lira ao partir para cima de Padilha não foi bem recebida nem por aliados do presidente da Câmara, que avaliaram que ele extrapolou. Ficou expresso, diz um deles, que foi uma ação "ditada pelo fígado, e não com a cabeça e o racional".

 

Outro veto que pode aparecer na pauta é o do fim da saída temporária de presos, aprovado no Congresso. Lula cortou parcialmente o texto, permitindo que presos em progressão de regime possam visitar suas famílias, e não apenas sair para estudar ou trabalhar. O governo não conta com vitória nesse caso e, talvez, nem precise tanto de esforço de Lira para derrubá-lo.

 

Nesse ambiente de rebeldia de Lira, pode sobrar para o Supremo Tribunal Federal (STF), que também celebrou a decisão da Câmara em confirmar Chiquinho Brazão no cárcere. A Corte avançou no julgamento do foro especial e já tem maioria para ampliar esse alcance. O entendimento é que mesmo que deixe cargo no qual cometeu determinado crime, o agente púbico seguirá respondendo no STF.

 

No Congresso, em especial na Câmara, onde deputados têm sido alvos de processos e ações de busca e apreensão pela Polícia Federal, por determinação do Supremo, há o sentimento de que é preciso alterar o foro, mas buscando uma solução "híbrida". Por um lado, os parlamentares querem escapar das mãos do STF, mas também não querem parar nas cortes de primeiro grau, instância mais suscetível a ingerência política. Esse meio-termo seria levar os casos que envolvem essas autoridades para os Tribunais Regionais Federais (TRFs).

 

No seu comportamento na Câmara, Lira tem demonstrado uma irritação acima da usual. Recentemente, abordado por um pequeno grupo de jornalistas, o Correio presente, foi questionado sobre o interesse do Centrão, grupo político do qual é a principal liderança, em ocupar o Ministério da Saúde. Se incomodou e respondeu: "Não queremos o Ministério da Saúde, não queremos espaço nenhum. A gente quer duas coisas: cumprimento dos acordos de plenário e cumprimento do Orçamento. Será que vou precisar botar uma faixa, de que 'não queremos o Ministério da Saúde'? Já disse isso umas duzentas vezes."

 

Na sequência, porém, criticou a gestão da ministra da Saúde, Nísia Trindade, sobretudo na distribuição de recursos para prefeituras. Em fevereiro, Lira e outros líderes da Casa assinaram requerimento cobrando esclarecimentos da ministra sobre critérios usados na liberação de recursos de emendas para os municípios.

 

"Vocês não têm vontade de pesquisar o que está acontecendo no Ministério da Saúde. O ministério está tratando municípios iguais de maneira diferente. No MAC (recursos para ações de Média e Alta Complexidade), nos investimentos. O ministério gastou R$ 2 bilhões só em equipamento e mais R$ 500 milhões para os mesmos municípios. Essas respostas não vieram", disse Lira, nessa fala à imprensa, em 21 de março.

 

Essa reclamação de Lira já tinha como alvo também o ministro Padilha, influente na pasta de Nísia.

 

Sucessão na Câmara

Esses dois episódios da semana — resultado do caso Brazão e reação de Lira no dia seguinte — mexeram no tabuleiro da sucessão do comando da Câmara. Na balança de "quem ganhou, quem perdeu", Lira e seu candidato para sucedê-lo, Elmar Nascimento (União-BA), não foram bem. O presidente da Câmara se excedeu no temperamento e no tom contra o "desafeto" Padilha, o que só reforçou a manutenção do ministro no cargo.

 

Nascimento foi o líder partidário mais engajado na mobilização para tirar Brazão da cadeia. "Vou encaminhar pela Constituição. E a Constituição não prevê prisão preventiva de parlamentar", disse o líder do União Brasil, que trabalhou atrás de votos no plenário.

 

Sem sequer ter comparecido à sessão, na qual não votou, o deputado Marcos Pereira (Republicanos-SP), presidente nacional da legenda, na hora da decisão sobre o destino de Brazão, dava uma festa de aniversário, com 500 convidados, entre os quais 11 ministros do governo Lula. E com a presença de aliados de Bolsonaro.

 

Cotado como candidato a suceder Lira na eleição do ano que vem, Pereira seria o "vencedor" da semana. Esse prestígio multipartidário na festa e a derrota de Lira e Nascimento horas antes o cacifaram ainda mais.

 

Votos suficientes para cassar Brazão

Qualquer tentativa de salvar o mandato de Chiquinho Brazão (sem partido-RJ) na Câmara dificilmente irá adiante. É o que apontam os números alusivos às posições dos deputados, seja no Conselho de Ética seja no plenário, que precisará confirmar a decisão posteriormente. Além dos votos de cada um, vários parlamentares que se posicionaram para tirá-lo da prisão manifestaram-se pela perda do mandato do colega, o que confirma a tendência de que esse placar será elevado.

 

Como mostrou o Correio, metade dos 36 deputados que integram o Conselho de Ética votou no plenário pela manutenção da prisão, exatos 17 deles. Nove votaram para que Brazão fosse solto. Outros 4 se abstiveram e 4 não votaram. Esses quatro que se abstiveram são titulares do colegiado, o que significa terem prioridade de voto em relação aos suplentes, que só se manifestam na ausência deles. Adotaram essa posição por precaução e entendem que precisavam ser "isentos" no plenário.

 

Se a situação para Brazão no conselho não é confortável, é bem pior no plenário. Todo caso julgado no conselho é submetido depois à totalidade dos 513 deputados da Casa. Também são necessários 257 votos, que é a maioria absoluta, para ser confirmado o veredicto do conselho. Pela lógica, o deputado fluminense já tem 277 contra sua permanência no mandato. Esse foi o placar dos que optaram para mantê-lo detido e que, naturalmente, são favoráveis à sua cassação.

 

Somados a esses, o PL anunciou que quer vê-lo fora da Câmara. Ao menos nove deputados do partido de Bolsonaro que votaram para Brazão ser solto já anunciaram que, agora, querem cassá-lo. "Imediatamente, pediremos a cassação deste parlamentar, com o envio de seu nome para o Conselho de Ética, porque quem pode punir um deputado federal é a Câmara", disse Bibo Nunes (PL-RS), que está nesse grupo.

 

Deputados de outros partidos adotam a mesma posição. "Eu vou aqui antecipar o meu voto com relação à cassação do parlamentar: voto favoravelmente pela cassação, pela quebra de decoro. Agora, sobre a prisão preventiva, eu vou manter aqui o meu voto pela soltura do parlamentar, uma vez que entendo que a prisão é ilegal e arbitrária", afirmou Roberto Duarte (Republicanos-AC), ainda na sessão da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que antecedeu a votação no plenário.

 

Esses deputados bolsonaristas não apenas defenderam a cassação do mandato do Brazão. Cinco deles repetiram na CCJ que, se culpado, que o colega "apodreça na cadeia". Foi o caso de Éder Mauro (PL-PA). "Ele tem, sim, que ser solto, julgado e condenado, e que vá para a cadeia e apodreça na cadeia, porque lá é o lugar daqueles que, de forma covarde, tiram vidas, como os que tiraram, inclusive, a de Marielle Franco."

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