Clarissa Tércio, André Fernandes, Silvia Waiãpi e Brunini enfrentam denúncias  -  (crédito: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados)

Clarissa Tércio, André Fernandes, Silvia Waiãpi e Brunini enfrentam denúncias

crédito: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

Os ataques do 8 de janeiro vão completar um ano e, na Câmara, quatro deputados aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro, acusados de quebra de decoro parlamentar por terem feito apologia a esses atos, não foram incomodados por suas manifestações até hoje.

Em 1º de fevereiro também vai fazer um ano que a presidência do PSol e a bancada do partido na Casa protocolaram representação contra esses dois deputados e duas deputadas bolsonaristas, mas a ação nunca andou. Ficou paralisada na Mesa Diretora e não foi encaminhada ao Conselho de Ética pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Durante o ano, o conselho julgou todas as outras 22 ações contra parlamentares que foram registradas após essas dos ataques. O partido defende a perda do mandato dos quatro seguidores do ex-presidente.

O deputado Abílio Brunini (PL-MT), de primeiro mandato, é acusado de quebra de decoro pelo comportamento antes mesmo de tomar posse. Eleito, mas não empossado, o aliado de Bolsonaro fez uma transmissão de 16 minutos nas suas redes sociais, dentro do Salão Verde da Câmara, em 10 de janeiro de 2023. Ao seu público, mostrava o local e dizia que "praticamente não teve estrago" na ação dos vândalos.

"Você fica assistindo à internet achando que está tudo quebrado, mas não está. Não é verdade", afirmou Brunini, que foi interrompido por uma eleitora do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que o acusou de reproduzir uma fake news.

Lira até repreendeu o gesto do deputado e informou que ele poderia ser punido. Após a repercussão negativa, o deputado declarou que se tratou de um "mal-entendido". Procurado, nesta quarta-feira, por intermédio de seu gabinete, o parlamentar não se manifestou.

Outro deputado acusado de apoiar os atos, André Fernandes (PL-CE) publicou nas suas redes, em 6 de janeiro, que no domingo teria "o primeiro ato contra o governo Lula na Praça dos Três Poderes". E, no dia 8, postou foto do gabinete de Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), vandalizado. O caso ensejou um pedido de abertura de inquérito por parte da Procuradoria-Geral da República.

Após a repercussão, em nota, Fernandes disse que "não fazia a menor ideia do que algumas daquelas pessoas estavam planejando". Por "motivos pessoais", o deputado não esteve presente em Brasília no domingo e "só tomou conhecimento da baderna através da própria imprensa".

Fernandes é o autor do pedido da abertura da CPI mista do 8 de janeiro, que concluiu, entre outros, que Bolsonaro articulou uma tentativa de golpe. O Correio não consegui contato, nesta quarta, com o deputado.

Na relação dos bolsonaristas não incomodados pelo Conselho de Ética também está a deputada Silvia Waiãpi (PL-AP). Ela é acusada pelo PSol de quebrar o decoro ao usar suas redes para compartilhar um vídeo em que uma mulher não identificada fala do teto do Congresso Nacional, após o rompimento violento do bloqueio policial.

"Acabamos de tomar o poder. Estamos dentro do Congresso. Todo o povo está aqui em cima. Olha só, minha filha, olha. Isso vai ficar para a história, a história dos meus netos, dos meus bisnetos", diz.

A PGR também pediu abertura de inquérito contra a parlamentar, por incitação aos atos de violência e vandalismo. Na época, em comunicado, Waiãpi apontou estranheza com ação e frisou que via um "esforço hercúleo da oposição ao direcionar energicamente ações para furtarem meu mandato". Segundo a parlamentar, a ação não a surpreenderia "uma vez que sou mulher, indígena, militar e de direita". Acionada nesta quarta-feira, via sua assessoria de imprensa, a deputada não se manifestou.

A última nessa lista de bolsonaristas que fizeram apologia aos atos de 8 de janeiro, Clarissa Tércio (PP-PE) usou suas redes sociais, no dia 8, para divulgar extremistas que invadiram a rampa e a cúpula do Congresso. Ela também é alvo de ação da PGR. Em nota, na época, informou ser "totalmente contrária a qualquer ato de violência, vandalismo ou de destruição do patrimônio público que venha ameaçar a nossa democracia". O Correio não conseguiu contato, nesta quarta-feira, com a deputada.

Na representação, o PSol sustenta ser de conhecimento público que Bolsonaro, com apoio de seus aliados, enalteceu a ditadura militar, defendeu abertamente golpe de Estado e divulgou fake news sobre fraude eleitoral durante todo o período à frente do Executivo.

"Apesar de os atos terem chocado todos aqueles defensores do Estado Democrático de Direito, alguns parlamentares se sentiram representados, veiculando mensagens de incentivo à prática criminosa, como o caso que enseja esta denúncia ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar", ressalta o texto.

Relevância

O comando da Câmara não enxergou relevância na acusação. O argumento de Lira é justamente esse: tratam-se de atos em redes sociais. "Todas as representações partidárias relativas a fatos ocorridos no âmbito da Câmara dos Deputados foram despachadas para o Conselho de Ética. As que tratam de atos que teriam sido praticados em rede social não tiveram encaminhamento", informou ao Correio a assessoria da Casa.

Durante todo o ano passado, Lira foi cobrado em plenário por deputados do PSol por retardar o envio dos casos contra os bolsonaristas ao Conselho de Ética, já que tinham sido protocolados no início da legislatura.

Para o deputado Chico Alencar (PSol-RJ), a alegação do presidente da Câmara para não enviar ao conselho as ações do partido contra os bolsonaristas é "inexplicável".

"Com a relevância crescente das redes sociais, virtuais, mas muitas vezes nada virtuosa, é inexplicável essa decisão da Mesa de não remeter ao conselho atos praticados na internet", frisou ao Correio. "Ora, internet hoje é o maior veículo de comunicação parlamentar. Não tem cabimento não considerá-la. Agora, com o primeiro aniversário da tentativa de golpe, vamos relembrar os deputados eleitos ou reeleitos, eles e elas, que manifestaram apoio ao crime. E cobrar."

Em junho, a deputada Fernanda Melchionna (PSol-RS) se dirigiu a Lira num dos microfones, após o presidente ter enviado ao conselho ações contra várias deputadas do PSol e do PT, protocoladas em momento bem posterior. A resposta do presidente da Câmara foi exatamente a que o Correio recebeu, nesta quarta, da assessoria da Casa. Disse Lira, à época: "Tratam-se de atos praticados em rede social. Estão necessitando de maior análise. O critério independe de partido e de representado".

O PSol, então, acusou de Lira de usar dois pesos e duas medidas porque a ação do PL contra as deputadas de esquerda, que criticaram o marco temporal para demarcação de terra indígena, recorreu a postagem dessas parlamentares em redes sociais. O partido de Bolsonaro anexou texto feitos por elas na denúncia.

Além disso, Lira encaminhou ao conselho casos considerados de menor relevância. Foi parar nesse colegiado acusação contra deputado que pisou no pé do outro, um que disparou palavrão contra um colega, e ambos ensaiaram ir às vias de fato; e parlamentar chamado de "terrorista".

Acabou prevalecendo no Conselho de Ética um acordo entre esquerdistas e bolsonaristas, que salvou todos os 22 acusados de quebra de decoro. Nenhum caso foi adiante, as acusações sequer foram investigadas.