Allan Augusto Gallo Antonio, Professor de Economia da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) e pesquisador do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica (CMLE)

 -  (crédito: Arquivo pessoal)

Allan Augusto Gallo Antonio, Professor de Economia da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) e pesquisador do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica (CMLE)

crédito: Arquivo pessoal

No início da década de 1980, o escritor colombiano Gabriel García Márquez escreveu uma de suas obras que, juntamente com o seu clássico “Cem Anos de Solidão” (publicado na década de 60), marcaria profundamente o cânon da literatura latino-americana do século 20. Trata-se do livro “Crônica de uma Morte Anunciada”.

A obra consiste em uma narrativa intricada que explora a natureza da violência, honra, culpa e, principalmente, a inevitabilidade do destino. Para aqueles que ainda não leram, a história se passa em uma pequena cidade fictícia e gira em torno do assassinato de Santiago Nasar. O enredo é construído a partir do fato de que a morte de Santiago é anunciada antes mesmo de ocorrer, mas, paradoxalmente, ninguém consegue evitar o trágico desfecho.

Essa tensão entre conhecer previamente o desfecho trágico de uma história, mas não ser capaz de evitá-lo é muito similar ao sentimento que experimentou o cidadão brasileiro no último dia 22 de janeiro, quando o governo Lula anunciou o programa Nova Indústria Brasil, uma “nova” política industrial que utiliza instrumentos já ultrapassados, como subsídios, empréstimos com juros reduzidos, ampliação das compras e obras públicas, incentivos tributários e fundos especiais para estimular alguns setores da economia. Em resumo, trata-se do resgate do velho e combalido desenvolvimentismo em sua mais pura forma.

Apesar disso, o princípio republicano de boa-fé nos leva a acreditar que o atual governo possui o firme propósito de promover significativas melhorias sociais no país, evidenciando uma indiscutível nobreza de intenções. É possível que, em sua visão, o desenvolvimento da indústria seja uma das principais ferramentas para alcançar esse objetivo. Nesse aspecto, não há divergência. É consenso entre países com maior densidade institucional que a inclusão produtiva é mais eficaz no longo prazo do que qualquer outra política assistencialista. No entanto, mesmo com as boas intenções do governo, a história e a realidade dos dados mostram que nem sempre elas se traduzem em boas políticas econômicas.

O desenvolvimentismo econômico foi adotado no Brasil nas décadas de 1950 a 1980, principalmente, e requentado a partir de 2011 pelo governo da presidente Dilma Rousseff. Durante esses períodos, o governo brasileiro implementou políticas voltadas à industrialização e modernização da economia, buscando reduzir a dependência de setores primários e promover o crescimento econômico forçado. O problema é que essa abordagem produziu efeitos maléficos como o endividamento excessivo, inflação, dependência estatal e focos recorrentes de corrupção.

Por tudo o que se sabe até o momento, no caso da Nova Política Industrial Brasileira, a ideia do governo parece ser repetir a mesma receita econômica, ao passo que se espera que os resultados produzidos sejam diametralmente diferentes.

No plano apresentado, há previsão de crédito subsidiado e subsídios diversos para a indústria, o que, na prática, significa dinheiro mais barato no mercado e facilidades para o desenvolvimento industrial. No entanto, o governo ainda não conseguiu demonstrar o custo efetivo nem quem pagará por tamanha generosidade.

Da mesma forma, existe uma intenção clara na valorização dos produtos nacionais. Embora isso soe muito bem aos ouvidos mais incautos, na prática significará mais protecionismo, preços mais altos e queda na qualidade da produção, uma vez que a indústria nacional passará a dispor de uma posição muito mais confortável em relação a potenciais concorrentes internacionais.

O governo também indicou um aumento nos gastos por meio de compras e obras públicas. Na prática, a curto prazo, espera-se um impacto positivo no PIB, mas, no longo prazo, pode não se sustentar devido à delicada situação fiscal que o país enfrenta há muitos anos.

Não há clareza se esses gastos serão realizados por meio do BNDES, tesouro ou gastos parafiscais. Além do risco evidente de inflação no futuro, há também a possibilidade dessas despesas não serem contabilizadas no resultado primário e acabarem sendo registradas como crédito no final, o que poderia mascarar ainda mais as contas públicas.

O quadro se agrava quando consideramos que, apesar de o Brasil enfrentar uma crônica escassez de recursos, como reflete o déficit de mais de R$ 200 bilhões no resultado primário de 2023 e a cada vez mais palpável impossibilidade de atingir a meta fiscal em 2024, o governo insiste em planejar um aumento nos gastos. É notório que a solução para essa limitação de recursos não deveria ser buscada no aumento dos gastos e da arrecadação, que penaliza a todos, inclusive os mais pobres, mas, sim, na redução da máquina pública.

O panorama não é bom, e as perspectivas são sombrias. Em vez de buscar o aumento da produtividade na indústria por meio da melhoria do ambiente de negócios e de uma gestão mais eficiente da máquina pública, o governo busca soluções cujos efeitos positivos serão percebidos apenas a curto prazo, mas cujas consequências indicam inequivocamente uma morte econômica mais do que previamente anunciada.