'Salve o diabo': templo de Quimbanda enfrenta vandalismo e ameaças na web
Templo dos Ossos em Anápolis (GO) já foi alvo de vandalismo; fachada do terreiro tem dois tridentes de Exu, com 2 metros de altura cada, e pentagrama invertido
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Um templo de Quimbanda em Anápolis (GO) tem gerado forte repercussão nas redes sociais nos últimos dias.Tudo isso graças à fachada do local, chamado Templo dos Ossos, que exibe a frase “Salve o Diabo e nada mais” e cruzes viradas de ponta-cabeça — símbolos que despertaram reações diversas, da curiosidade à intolerância religiosa. Além de comentários nas redes sociais, o local já foi alvo de vandalismo.
Nas redes sociais, os comentários variam entre críticas ácidas e ofensas religiosas. “Tá repreendido em nome do Senhor Jesus”, comentou um perfil. “Sangue de Jesus tem poder! Que Deus tenha misericórdia”, disse outro. “Manda a localização para o Irã mandar um míssil”, apontou um terceiro. “Precisamos fazer uma vigília por perto. Tira todo mal!”, sugeriu outro comentários.
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Localizado na Avenida Pedro Ludovico, o espaço é liderado por Maria Eduarda Santos Carniello, que se apresenta como Mametu Maria. Ela explica que a frase “Salve o Diabo e nada mais” é uma provocação ao preconceito histórico que demonizou Exu, figura central na Quimbanda. “Exu não é o Diabo bíblico, mas foi tratado como tal desde o período da escravidão. Por isso, adotamos essa linguagem como forma de resposta à intolerância”, explica. “A frase assusta porque inverte a lógica cristã dominante. Mas é sobre ressignificar o que foi marginalizado.”
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Além da frase, a fachada do terreiro tem dois tridentes de Exu, cada um com 2 metros de altura, e um pentagrama invertido na parede. “Assusta. O que dá medo é atacado”, aponta.
Ataques
O Templo dos Ossos foi aberto há cerca de um ano. Desde então, o local vem sendo alvo de ataques virtuais. “O Quimbandeiro recebe ataques desde o momento em que decide seguir esse caminho. As costas já levaram tanta chicotada que comentários maldosos viram apenas frases”, desabafa.
Além dos comentários on-line, o templo foi alvo de vandalismo. Há algumas semanas, câmeras de segurança registraram um casal arrancando símbolos da fachada, causando danos materiais.
Mametu Maria também denuncia perseguições mais graves, como ameaças e tentativas de agressão. “Teve uma vez que o vizinho do antigo local onde era o terreiro veio procurar confusão conosco! Gritou pra mim ‘você não tem o corpo fechado? Então vamos ver’, nessa hora a cabeça foi lá nas alturas e eu fui pra cima dele, ele recuou, e disse que não batia em mulher. (...) Por muito pouco não vira sangue”, relata.
Atualmente, ela move um processo judicial contra outro sacerdote da cidade, acusado de ameaça, difamação e perseguição.
A Quimbanda é uma religião afro-brasileira com raízes indígenas, africanas e até europeias. “Nasceu da junção crença dos povos que foram trazidos na escravidão e de povos nativos. Dentro da Quimbanda você encontra muita cultura de outras religiões que foram adaptadas, como por exemplo bastante fundamento do candomblé, porém, o candomblé cultua ORIXÁ e a Quimbanda é um culto voltado apenas e apenas a EXU E POMBA GIRA. Apesar das raízes, a Quimbanda é uma religião 100% brasileira”, explica.
Dentro dos cultos da Quimbanda, acontecem desenvolvimentos, gira, iniciação, assentamentos e sacrifícios animal. “O desenvolvimento está ligado a literalmente se desenvolver dentro da religião, seja com teoria ou incorporação. Giras são festividades aberta ao público, as pessoas podem ir prestigiar o culto. Iniciação e assentamento são graus que os adeptos alcançam com o tempo que avançam na hierarquia”, esclarece.
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O Templo dos Ossos realiza giras abertas ao público aos sábados, às 19h30. As cerimônias envolvem cânticos, oferendas e incorporação de entidades. Mesmo diante da hostilidade, Mametu Maria segue firme. “Que a Quimbanda sempre foi e sempre será um culto marginalizado, é o culto que aceita o sujo mas não o estuprador! Que a Quimbanda derrama sangue mas não falta com a verdade. A Quimbanda é a religião dos refugiados, dos pretos, dos gays, das trans, dos que sempre foram julgados como escória da sociedade”, finaliza.