ATOS RACISTAS

MPBA denuncia francês que chamou ex-cônsul de ‘tirano africano’

Ministério Público solicitou que o valor mínimo para reparação por danos morais seja de R$20 mil. Justiça da Bahia havia estipulado R$3 mil

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O Ministério Público do Estado da Bahia (MPBA) apresentou uma denúncia contra um francês que mora no Brasil por dano moral inerente à prática de atos racistas contra Mamadou Gaye, ex-cônsul honorário da França na Bahia. Entre os ataques recebidos, o ex-representante foi chamado de “tirano africano”. O MPBA solicitou à Justiça que o caso seja julgado na instância penal e que o valor mínimo para reparação dos danos morais causados à vítima seja de R$20 mil. 

“O acusado não apenas proferiu ofensas racistas e xenofóbicas contra a vítima, mas também praticou discriminação racial ao associar à vítima, em virtude de sua raça, características negativas”, argumentou a promotora de Justiça Lívia Maria Santana e Sant’Anna Vaz na denúncia apresentada em 29 de abril. A representante do MPBA apontou também as mensagens enviadas pelo denunciado, acusando Mamadou Gaye de roubar informações pessoais de franceses para uso próprio e desejando “uma boa volta no seu buraco em Paris”. 

“Com essa denúncia, o Ministério Público me reconhece como um cidadão com direitos e digno de respeito. Isso representa muito para mim”, declara Mamadou. O ex-diretor da Aliança Francesa na Bahia também afirma que segue confiante de que a Justiça Cível da Bahia, inicialmente acionada, também reconhecerá a gravidade do que aconteceu. "É fundamental que a Justiça não banalize atos racistas com condenações irrisórias, especialmente quando tomamos coragem de levar esses casos adiante”, diz.

Em janeiro de 2024, o Tribunal de Justiça da Bahia havia determinado apenas que o denunciado pagasse R$ 3 mil à vítima, que havia requerido o pagamento no valor de R$ 40 mil por danos morais, retratação pública e que o francês se abstivesse de proferir novas ofensas.

Ofensas

O ex-cônsul, que ocupou o cargo de 2019 até maio de 2024, contou ao Estado de Minas que os ataques foram feitos por um cidadão francês que estava sendo atendido pelo consulado. Gaye prestava assistência a ele e conta que, em determinado momento, o atendido começou a demandar resoluções de assuntos que não eram de competência do cônsul honorário, cargo exercido de maneira voluntária.

O assédio teria começado em maio de 2023 por meio de um e-mail destinado a Gaye e com entidades, como o vice-cônsul da França em Recife, em cópia. Na mensagem, o francês afirmou que “gostaria de constatar a completa incompetência” de Mamadou como cônsul honorário. 

O então representante francês, também doutorando no Programa de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade na Universidade Federal da Bahia (UFBA), conta que chegou a responder o e-mail avisando que poderia acionar a Justiça, mas as mensagens ofensivas não pararam de ser enviadas.

Em 4 de outubro de 2023, o francês enviou para Mamadou um e-mail o acusando de estar interessado em roubar informações dos cidadãos franceses para fins pessoais. Além disso, disse: “[Você] usou sua posição como um verdadeiro tirano africano, tiro-lhe o chapéu, mas o problema reside no fato de [você] estar a representar a França.”

Na mesma mensagem, o condenado por danos morais termina desejando a Mamadou uma boa volta ao “seu buraquinho em Paris", como consta na sentença.

Condenação

A juíza responsável pela condenação de janeiro de 2024 reconheceu que houve violação dos direitos da vítima. “Resta comprovado que o réu encaminhou e-mail com mensagens difamatórias à honra do autor (Gaye), sendo que os e-mails foram enviados copiando diversos interlocutores institucionais franceses e brasileiros”, consta a sentença. No entanto, ressaltou que o magistrado deve ter cautela para que não seja propiciada a “captação de lucro ou enriquecimento ilegal da parte autora.” Na época, o réu não apresentou defesa.

Para Mamadou, o valor estipulado não condizia com a gravidade da situação e demonstrou como ataques de injúria racial não são adequadamente condenados. Ele defendeu que as respostas da Justiça às agressões desse cunho deveriam ser capazes de reforçar aos grupos marginalizados e minoritários que eles têm os mesmos direitos que todas as pessoas. “Não se trata apenas de mim. É a Justiça da Bahia, a Justiça brasileira. É uma mensagem enviada para a sociedade”, disse Gaye. 

O ex-cônsul também ressaltou a falta de determinação de uma retratação. “O dano foi público, a injúria foi pública. A retratação precisa ser pública também, por uma questão, sobretudo, educativa”, afirmou. 

Diante disso, Gaye entrou com recurso. No entanto, em dezembro de 2024, ele não foi aceito e a sentença se manteve. O ex-cônsul considerou a “falta de posicionamento da Justiça”, como uma segunda violência. “Na Bahia, eu encontrei a África. No Brasil, eu encontrei a África (...), mas não adianta, por um lado, celebrar a herança africana se, quando um representante dessas culturas sofre racismo, a Justiça não condena. Tem que ter coerência”, desabafou Gaye. 

Visão jurídica

Diretor de Diversidade e Inclusão da Ordem dos Advogados do Brasil em Minas Gerais (OAB-MG), Marcelo Colen explicou que não há um critério objetivo a ser seguido para estipular o valor de uma sentença, mas alguns fatores são levados em consideração. Entre eles: a gravidade do caso, o impacto na vítima, de que forma se deu a ação do agressor e a condição financeira das pessoas envolvidas, de modo que haja uma punição, mas sem ser exagerada ou que enriqueça uma das partes.

No caso da indenização a Gaye, Colen interpretou que, para quem julgou, a situação não foi considerada grave e que a quantia determinada “me parece desproporcional na perspectiva da gravidade da conduta.” O diretor explicou que, quando comparado a outros casos, o valor estipulado é irrisório.

Para exemplificar, Marcelo apontou que indenizações de R$ 3 mil a título de dano moral costumam ser atribuídas a casos como atraso indevido de voo por uma companhia aérea, o que para ele é incomparável com injúria racial.

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O diretor de Diversidade e Inclusão da OAB-MG também afirmou que uma retratação pública seria importante em um caso como esse devido a seu valor educacional. 

*Estagiária sob supervisão da subeditora Celina Aquino

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