Marielle Franco foi assassinada no Rio de Janeiro  -  (crédito: Renan Olaz / Câmara Municipal do Rio)

Marielle Franco foi assassinada no Rio de Janeiro

crédito: Renan Olaz / Câmara Municipal do Rio

A prisão recente dos supostos autores intelectuais do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), um crime que chocou o mundo há seis anos, expôs como nunca antes os vínculos escusos entre a política e o crime organizado no Rio de Janeiro. 

 

 

O relatório do inquérito da Polícia Federal, um longo expediente de 500 páginas, está repleto de revelações que parecem saídas de um romance sobre a máfia.

 

O texto descreve minuciosamente a operação das milícias, que semeiam o terror em comunidades do Rio, com a cumplicidade de policiais e políticos de alto escalão.

 

Foi contra estes grupos criminosos que Marielle Franco ergueu a voz antes de ser morta a tiros em seu carro, em 14 de março de 2018. A vereadora, originária da Maré, comunidade do subúrbio carioca, foi assassinada aos 38 anos, juntamente com seu motorista, Anderson Gomes.

 

"É uma investigação fundamental para entendermos o tamanho do buraco em que está o Rio", escreveu na plataforma X Marcelo Freixo, ex-deputado federal (PSB-RJ) e presidente da Embratur.

 

Marielle Franco considerava Freixo, que foi seu companheiro de partido, seu mentor. Ela foi sua assistente parlamentar quando ele enfrentou frontalmente as milícias.

 

"As investigações da Polícia Federal sobre o assassinato da Marielle e do Anderson mostram que as milícias permanecem com uma forte influência nos altos escalões das instituições policiais do Rio de Janeiro", explica à AFP Carolina Grillo, coordenadora do Grupo de Estudos sobre Novos Ilegalismos (Geni), da Universidade Federal Fluminense (UFF).

 

"E que o poder público tem uma participação ativa no favorecimento e atuação das milícias", acrescenta.

 

Promessa de campanha de Lula

 

Presos no domingo, os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão são velhos conhecidos da política carioca. Os investigadores os vinculam diretamente às milícias.

 

O primeiro foi deputado estadual e, em seguida, se tornou conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ); o segundo foi vereador e atualmente é deputado federal, expulso de seu antigo partido, o União Brasil, após a prisão.

 

O terceiro suspeito preso, Rivaldo Barbosa, é ninguém menos que ex-chefe da Polícia Civil do Rio, instituição inicialmente responsável pelas investigações, que desde o ano passado passaram às mãos da Polícia Federal.

 

Segundo os investigadores, os irmãos Brazão teriam contratado os serviços de Barbosa para obter "garantia prévia da impunidade" sobre o caso.

 

Nomeado para o cargo na véspera do crime, Barbosa teria cuidado para que a investigação começasse "natimorta", ocultando as evidências.

 

Os três suspeitos e seus advogados refutam as acusações. 

 

A prisão de Barbosa foi um choque para os familiares de Marielle Franco, que se sentiram traídos por quem os consolou logo após o crime.

 

"Ele falou que era questão de honra elucidar esse caso", disse Marinete da Silva, mãe de Marielle, à GloboNews.

 

As investigações patinaram durante cinco anos, até a volta ao poder, em janeiro de 2023, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que fez da elucidação do caso uma promessa de campanha.

 

Questões territoriais

 

Há cerca de 40 anos, as milícias semeiam o terror no Rio. Fundadas por ex-policiais e outros agentes da força pública, começaram a se estabelecer em comunidades na zona oeste da cidade, onde se apresentavam como grupos de autodefesa para manter os narcotraficantes longe.

 

Além das "taxas de proteção", cobradas de moradores e comerciantes, estenderam a extorsão a todo tipo de serviço, como gás e internet.

 

Mas, sobretudo, se apoderaram de terrenos públicos para construir ilegalmente moradias e prédios comerciais, "a principal fonte de renda desses grupos", explica Carolina Grillo.

 

Segundo a Polícia Federal, o crime contra Marielle Franco foi encomendado porque ela "atrapalhava seus interesses". 

 

O relatório também menciona diversos indícios de envolvimento dos irmãos Brazão "com atividades criminosas, incluindo as relacionadas com milícias e 'grilagem' de terras".

 

A investigação "revela a centralidade da questão fundiária" no controle que as milícias exercem nos bairros onde atuam, inclusive "em nível político", ressalta David Marques, coordenador de projetos da ONG Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

 

As áreas dominadas por milícias se tornaram, assim, redutos eleitorais para políticos, como seria o caso dos Brazão.

 

Em 2008, quando Marcelo Freixo criou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Assembleia Legislativa do Rio para investigar estas organizações com a participação ativa de sua então assistente, Marielle Franco, as milícias sofreram um duro golpe.

 

Dezenas de pessoas foram presas, entre elas representantes locais eleitos.

 

Mas, estes grupos criminosos "se reformaram rapidamente e cresceram bastante", afirma Carolina Grillo.

 

Para o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, as revelações do inquérito representam uma oportunidade para "repensar" as políticas de segurança, retomando "o controle dos territórios".

 

"Isso significa levar cidadania, politica publica, porque é nesse vácuo que as milicias entram, é nisso que elas crescem e impõe terror ao povo brasileiro", disse o ministro na terça-feira, durante homenagem a Marielle Franco na Câmara dos Deputados.