O transporte de moto por aplicativo, prestado por plataformas como Uber e 99, surgiu como uma alternativa mais rápida e econômica do que o carro. Entretanto, desde sua criação, a modalidade enfrenta severas críticas, em especial a respeito da segurança tanto de motociclistas quanto de passageiros. Para mudar o cenário, a Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH) aprovou, em segundo turno, na segunda-feira (15/12), o Projeto de Lei (PL) 19/2025, que agora segue para aval do prefeito Álvaro Damião (União Brasil). Para os aplicativos, proposta é “inovadora”. Clientes também aprovam, mas condutores de moto consideram o texto insuficiente.


Segundo o Observatório de Segurança Pública de Minas Gerais, da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), no período de cinco anos, entre 2019 e 2024, o número de acidentes envolvendo motos cresceu 31%, passando de 15.487, em 2019, para 20.253 no ano passado. A considerar os sete primeiros meses deste ano, 2025 também deverá se encerrar com aumento de ocorrências. De acordo com os últimos dados disponíveis, até julho foram registrados 12.057 acidentes, contra os 11.672 no mesmo período de 2024.


Com esse pano de fundo, o objetivo do PL é melhorar a segurança, por meio do aumento da fiscalização do transporte de passageiros por moto e da oferta de pontos de descanso para os motociclistas, além de outras providências.


O designer Ramon Corrêa viu com bons olhos a aprovação do PL. Ele usa o serviço com frequência mas, por segurança, evita a modalidade em horário de pico ou para longas distâncias. “Acho que melhora a qualidade de vida e de trabalho dos motoristas. A gente acaba tendo uma troca com os motoristas durante a viagem e sabemos que em muitos casos eles não têm o mínimo de estrutura, um lugar de descanso, o que impacta o serviço”, avalia.


Corrêa elogiou também a obrigação dos aplicativos de arcar com os custos do seguro para os passageiros. Segundo ele, a iniciativa dá mais tranquilidade na eventualidade de um acidente. “É legal ver essa preocupação de BH. Não só em permitir o serviço de continuar, mas de regulamentar e criar alguns requisitos básicos, já que transporte de moto é um serviço essencial hoje em dia”, diz.


O PROJETO

De autoria do vereador Pablo Almeida (PL), o texto estipula que o motociclista precisa ter ao menos 21 anos de idade e ser habilitado na categoria há, no mínimo, dois anos para poder oferecer o serviço, assim como apresentar certidões negativas de antecedentes criminais.


O PL também torna obrigatório o uso de equipamentos de segurança, entre os quais colete reflexivo e aparador de linha de cerol, além do capacete. Já as motocicletas precisam estar legalmente regularizadas e com licenciamento válido.


As empresas, por sua vez, devem manter sistemas de monitoramento de velocidade e rastreamento em tempo real e fiscalizar o cumprimento de normas de segurança por parte dos condutores. Além disso, terão que disponibilizar treinamentos periódicos aos motociclistas, oferecer pontos de apoio – com banheiros e estrutura para descanso – e arcar com custos do seguro contra acidentes pessoais a passageiros.


As plataformas de aplicativo terão ainda que disponibilizar, periodicamente, dados sobre o serviço à administração, para fins de fiscalização. Caso sejam constatadas irregularidades, o texto prevê punições, inclusive multas.

A diretora de Relações Governamentais da 99, Irina Cezar, afirma que a aprovação foi recebida com alegria e classificou a nova legislação como “inovadora”. “As minhas primeiras incursões em BH foram em um momento em que a Superintendência do Ministério do Trabalho se posicionava contra o modal. Desde então, a gente conseguiu reverter esse discurso e fazer com que as autoridades entendessem o quanto a moto por aplicativo veio para ajudar a população”, conta.


Irina Cézar explica que, ao entrar em vigor, as novas regras serão divulgadas aos colaboradores pelo próprio aplicativo e que o acesso ao seguro, tanto para condutores quanto para passageiros, será por meio do aplicativo. Também está prevista a distribuição de equipamento de proteção individual (EPI) nos próximos meses.


Por meio de nota, a Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), que representa a empresa Uber e outras plataformas, considera o texto final, resultado de diálogo com a CMBH e a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), sinônimo de inovação em mobilidade. “Regulamentações modernas e equilibradas são sempre bem-vindas, e a entidade e suas associadas seguem à disposição para colaborar com o poder público de forma a apoiar a implementação da nova regulamentação e na construção de aperfeiçoamentos futuros”, afirma.


AVANÇOS NA CAPITAL

A aprovação também foi recebida como uma conquista para o superintendente Regional do Trabalho de Minas Gerais, Carlos Calazans. Em janeiro, ele propôs a suspensão total do serviço de mototáxi na capital mineira por três meses a fim de discutir a regulamentação e a fiscalização desse tipo de transporte.


Mesmo sem a suspensão, o debate sobre o assunto se intensificou ao longo dos meses. “Adorei. É melhor alguma regulamentação do que nada. Estava tudo muito solto, muito frouxo, sem nenhuma regulamentação. Quando propus não ter mototáxi na cidade e briguei por isso, fui muito contestado, mas isso acabou virando uma regulamentação”, lembra Calazans.


PONTOS A MELHORAR

Por outro lado, ele considera que pontos importantes foram deixados de lado no texto aprovado, como novos métodos de fiscalização de contas fake; a restrição de circulação de motociclistas com passageiros em vias com alto índice de acidentes, como o Anel Rodoviário; o fornecimento de toucas descartáveis para os passageiros e a criação de um protocolo de orientações para os passageiros, sugerindo o uso de sapatos fechados e proteção adequada, por exemplo. Calazans defende ainda a criação da faixa exclusiva para motos nas principais vias de BH, como as avenidas do Contorno, Nossa Senhora do Carmo, Cristiano Machado e Antônio Carlos.


A medida também é defendida por Matheus Lopes Mrad, de 26 anos, há três atuando no transporte de passageiros. Para o motociclista, o PL aprovado foi positivo, mas outras ações seriam prioritárias neste momento. “De real mudança para os motociclistas seria somente o ponto de apoio e, mesmo assim, não é algo tão relevante, para falar a verdade, porque muitas vezes já me programo para estar parado em pontos que eu desejo. A meu ver, o projeto está visando muito mais ao passageiro do que ao motorista”, opina.


Um dos fatores que tornam o transporte de passageiros mais perigoso é a baixa margem de lucro dos condutores, que não foi abordada na proposta de Lei. Matheus explica que todos os investimentos partem do prestador de serviço, como a aquisição da moto, combustível, revisão e manutenção, de modo que, para valer a pena, é necessário realizar um alto número de viagens.


“Para nós, motoristas, o principal fator seria o governo regulamentar uma margem de lucro saudável por parte dos aplicativos. Acho que antes de vir cobrar algo do motoqueiro, é interessante dar mais benefícios a eles, porque hoje eu vejo que de todas as classes – ônibus, carro, caminhão – a moto é a que mais cresce e que corre mais riscos”, afirma.


Ele defende ainda que as plataformas ofereçam, além do seguro contra acidentes, apoio psicológico para os colaboradores: “Eu, como motorista, preciso estar bem fisicamente e mentalmente para conseguir entregar um serviço de qualidade e segurança para os passageiros. A pessoa pode estar bem fisicamente, mas mentalmente não. E isso, a meu ver, é um risco muito maior”.


PRÓXIMOS PASSOS

O Projeto de Lei agora segue para aprovação do prefeito. Ao Estado de Minas a Prefeitura de Belo Horizonte, informou, na quinta-feira, que o texto ainda não havia sido encaminhado ao Executivo e que, quando protocolado, será analisado no prazo legal.


Em maio, o prefeito Álvaro Damião defendeu a regulamentação de condutores que usam motos por aplicativo e anunciou a instalação da primeira motofaixa de BH, na Via Expressa.”Regulamentar os mototáxis se faz necessário em BH, e em qualquer outro lugar. Porque quando você está regulamentado tem maior qualidade de vida para quem pilota e para a pessoa que está na garupa da moto”, disse ele na ocasião.


Carlos Calazans se comprometeu em seguir dialogando com a PBH para melhorar o serviço de transporte de passageiros cada vez mais. “Vou dialogar com a prefeitura no sentido de fazer mais melhorias. Recebi uma sugestão, que achei muito legal, para que ostrabalhadores de moto tivessem no seu capacete a placa da moto, para facilitar a identificação. Mas creio que essa teria que ser uma regulamentação a nível nacional”, conta.


MOTOAPPS PELO BRASIL

Desde março de 2018, a Lei 13.640 permite o transporte de passageiros por motos via aplicativos em todo o território nacional e determina que é função dos municípios estabelecer as regras do serviço. No último dia 11, o prefeito de Fortaleza (CE), Evandro Leitão, sancionou lei que regulamenta o serviço de transporte de passageiros por motocicletas, com regras de segurança e documentação, e que concede subsídio de 50% no Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) para os profissionais do setor.


Na cidade do Rio de Janeiro (RJ), a 99 e a Uber aderiram ao Programa de Monitoramento de Direção Segura de Condutores, criado pela prefeitura em outubro deste ano. Com isso, as plataformas são orientadas a usar mecanismos de monitoramento para identificar comportamentos de risco no trânsito, implementar sistema de pontuação de direção segura e oferecer cursos de conscientização.


No dia 10, a Prefeitura de São Paulo (SP) publicou um decreto que regulamenta o mototáxi na cidade. Semelhante à regulamentação belo-horizontina, foi estabelecido o uso de sinalização específica, seguros para condutores e passageiros, itens de segurança e instalação de pontos de apoio.


Além disso, também estabelece a obrigatoriedade de um cadastro dos motociclistas junto ao município, com o uso de placa vermelha, e proíbe o funcionamento dos motoapps em diversas áreas da cidade. Segundo Irina Cézar, um ponto de impasse é a exigência de fornecimento de documentação, mas sem especificar o prazo de análise e resposta de aprovação. Em protesto, a Uber e a 99 decidiram suspender o serviço, afirmando que a regulamentação é ilegal e, na prática, visa proibir o serviço.


“Além de a placa vermelha ser uma concessão pública, não é correto que se faça dessa forma. O carro de aplicativo é um modal privado e não vai usufruir de benesses como o táxi usufrui, como o uso de faixa exclusiva e isenções”, diz a diretora da 99. “A verdade é que a regulamentação de São Paulo impossibilita algum tipo de diálogo mais construtivo”, conclui. 

O QUE FOI APROVADO

Exigências para os motociclistas

Idade mínima de 21 anos


CNH com dois anos de habilitação (categoria A)
Certidões negativas de antecedentes criminais
Uso de equipamentos de proteção (EPI) adequados e seguro de acidentes pessoais para passageiros.


Obrigações das plataformas

Monitoramento de velocidade e rastreamento em tempo real
Fiscalização do uso de EPIs pelos condutores
Oferta de treinamentos periódicos

Segurança

Uso de colete com faixas reflexivas
Antena corta-pipa
Protetor de pernas

Infraestrutura

Criação de pontos de apoio com banheiro, água potável e wi-fi.

Siga nosso canal no WhatsApp e receba notícias relevantes para o seu dia

Prazo e Validade: Após sanção do prefeito, a regulamentação entra em vigor em 90 dias

compartilhe