A decisão sobre o futuro do ensino em tempo integral no Centro Pedagógico (CP) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) entra na reta final. No dia 9 de dezembro, o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe) votará se mantém ou encerra definitivamente o modelo implantado em 2011 e que hoje atende 405 estudantes do 1º ao 9º ano.

A possível mudança mobiliza famílias há meses e também preocupa os estudantes de licenciatura da universidade, responsáveis pelas atividades dos GTDs (Grupos de Trabalho Diferenciado), parte essencial da carga horária ampliada e da formação docente.

Nesta quinta-feira (4/12), pais, alunos, professores e licenciandos realizaram um ato simbólico em frente ao CP no campus Pampulha para pedir que o regime integral seja preservado. O protesto reuniu famílias de todas as séries, incluindo responsáveis por cerca de 50 crianças com deficiência, das quais 20 possuem Transtorno do Espectro Autista (TEA). Para elas, o tempo estendido é visto como indispensável.

O movimento contesta o fato de a comunidade escolar ter sido oficialmente informada da possibilidade de extinção apenas na semana passada, quando o tema já estava em fase final de tramitação. A proposta da direção prevê dividir a escola em dois turnos, 1º ao 5º ano pela manhã e 6º ao 9º à tarde, reduzindo a carga horária e eliminando parte das atividades que diferenciam o CP de uma escola convencional.

“É inviável para a nossa rotina”

Entre as mães que participaram do ato está Quel Carlesso, integrante do coletivo Pais pelo Integral no CP e mãe de uma aluna do 3º ano. Ela conta que a confirmação oficial da proposta chegou tarde e de maneira inesperada.

Ela afirma que, caso o horário integral seja extinto, sua família não conseguirá manter a filha na escola. “Como é que a gente entrega uma criança às 7h30 e tem que buscar às 11h30 da manhã? Eu gasto meia hora para ir e meia hora para voltar. Não dá tempo de trabalhar. Vai desarticular toda a nossa logística”, relata.

Pais protestam contra ameaça de fim do ensino integral em escola da UFMG

A mãe destaca ainda o impacto pedagógico e social. “Ela tem hoje conteúdos além do obrigatório. Vai perder essa diversidade. E se eu tiver que colocá-la numa escola particular, ela vai para uma bolha. No CP, ela convive com um ambiente muito mais diverso, muito mais rico”, afirma.

Além disso, Quel explica que a filha participa de projetos dentro da universidade, como aulas de violino no Centro de Musicalização Infantil e taekwondo em iniciativas de extensão. “Ela vai perder tudo isso. Eu não vou conseguir buscar, levar e voltar ao campus várias vezes por semana. Logística e financeiramente é impossível”, diz.

Famílias de crianças com deficiência temem retrocesso

Para Quel, os prejuízos serão ainda mais severos para as crianças com deficiência. “As crianças atípicas têm monitores que acompanham o dia a dia delas, estudantes de licenciatura. Não é o ideal, mas é um atendimento exclusivo que elas não vão encontrar em outras escolas”, explica.

Segundo ela, a quebra do horário integral remove não apenas atividades complementares, mas também condições básicas de cuidado. “O tempo integral é respiro para as famílias. É o que possibilita trabalho real. Muitas das mães são solo. Sem esse tempo, elas não conseguem trabalhar”, afirma.

A pesquisadora conta que coordenou um levantamento interno conduzido pelo coletivo, que mapeou impactos desproporcionais sobre famílias negras, de baixa renda e responsáveis por crianças com deficiência. O estudo aponta que 34% das crianças atendidas pelo CP utilizam serviços dentro do campus, como terapias, oficinas culturais e esportes, que seriam inviabilizados sem o horário integral.

Estudantes de licenciatura também serão afetados

Outra consequência da mudança atinge diretamente os licenciandos da UFMG. São eles que ministram os GTDs — práticas pedagógicas que enriquecem a experiência dos alunos e formam futuros professores. Com o fim do integral, essas atividades tendem a desaparecer ou ser drasticamente reduzidas.

Ameaça de fim do ensino em tempo integral em escola da UFMG preocupa pais

Quel explica que a nova organização proposta pela direção impossibilitará que muitos estudantes sigam atuando no CP. “Quem não puder fazer estágio de manhã não vai poder atender as turmas de alfabetização, que ficariam só nesse turno. Vai dividir tudo, e o acesso deles será completamente diferente do que é hoje”, aponta. Para ela, extinguir ou reduzir os GTDs prejudica tanto a formação docente quanto a qualidade pedagógica oferecida às crianças.

Justificativa da UFMG

Em nota, a UFMG afirma que o tempo integral no CP foi criado como um projeto-piloto em 2011 e que o processo atual é uma avaliação prevista para verificar sua continuidade. A universidade cita dificuldades de financiamento, limitações de espaço físico e falta de profissionais de apoio como fatores que pesam na decisão. A instituição afirma manter diálogo “com total transparência” com o Conselho Comunitário do CP, formado majoritariamente por familiares.

Mobilização segue até a votação

O Coletivo Pais pelo Integral no CP promete manter a mobilização até a votação no Cepe. A expectativa é que conselheiros possam pedir vista ao processo para ampliar o debate e permitir mais participação da comunidade escolar.

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Enquanto aguardam a decisão, famílias seguem tentando dar visibilidade ao tema. Um novo ato está marcado para esta quinta-feira (4), às 14h15, em frente ao Centro Pedagógico.

*Estagiária sob supervisão do subeditor Gabriel Felice

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