Presépios mineiros: em cada casa, uma porta aberta para Belém
Em BH e no interior, moradores renovam a tradição e oferecem aos visitantes cenas de Natal erguidas com esmero, fé e muita história
compartilhe
SIGA
A campainha da porta toca e dona Lúcia abre seu coração. “Vamos entrando, a casa é nossa!”, diz a simpática senhora de 93 anos, moradora da capital. Mantendo a tradição bem mineira, ela recebe pessoas de todas as gerações, muitas vezes família inteiras, para visitar seu presépio, que ocupa toda a sala.
Distante dali, na tricentenária cidade do Serro, no Vale do Jequitinhonha, Maria de Lourdes, a dona Nem, mantém a herança materna de recriar o cenário do nascimento de Jesus com a manjedoura, a sagrada família, os pastores e demais figuras. Na cidade, há um circuito de visitação a exemplo de Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), onde igrejas e residências estão abertas a quem chega de longe ou perto.
Grupos de moradores e turistas, independentemente da religião, percorrem as cidades com brilho nos olhos. Beleza, criatividade, devoção e histórias familiares, com muitas curiosidades, fazem parte da visitação dos presépios, um destaque do ciclo natalino.
Hospitalidade mineira
A hospitalidade mineira está sempre presente na casa de dona Lúcia Garcia Maia Moraes, moradora do Bairro Cidade Nova, na Região Nordeste de Belo Horizonte, ao lado da Igreja de Santa Luzia, onde é ministra da eucaristia. No período natalino, então, o coração dela se multiplica em generosidade para receber visitantes que chegam a fim de conhecer ou rever seu presépio. “É uma alegria tão grande, sabe?, que não tem nem jeito de explicar”, afirma a senhora de 93 anos, casada com o médico José Estanislau de Moraes, de 96. O casal tem quatro filhos, 11 netos e cinco bisnetos.
Leia Mais
A cada ano, dona Lúcia faz mudanças no seu presépio, que começou, há décadas, “pequenininho, quase do tamanho de uma caixinha de fósforo”. Com o tempo, cresceu e recebeu tantas peças que, hoje, ocupa a sala de visita inteira. Contando com a ajuda de dois técnicos, sob sua supervisão, para montagem e parte elétrica, a moradora conhece, uma por uma, as centenas de figuras, dispostas com esmero e fé, para contar as histórias bíblicas do Antigo Testamento e do Novo Testamento. Mas você pode se surpreender, caro leitor, pois a criatividade não tem limite e chega à atualidade com homenagem a Minas Gerais e Belo Horizonte, especialmente a Pampulha, patrimônio mundial.
Antes de começar a fazer o presépio, a família se reúne e reza, e muitas orações vão preencher o espaço até o final de janeiro, quando a sala voltará ao normal. Embora o ciclo natalino se encerre em 6 de janeiro, Dia de Reis, dona Lúcia prefere estender o período para que a turma da catequese, na igreja vizinha, tenha tempo suficiente para passar bons e educativos momentos diante do presépio.
CAMINHOS SAGRADOS
O visitante não irá apenas contemplar o presépio, mas também ouvir as explicações da dona da casa. Não raro, ela se comove até as lágrimas. “Este ano, tem novos cursos de rio e também caminhos diferentes trilhados por José e Maria, desde a Anunciação (Anjo Gabriel anuncia a Maria que ela conceberia e daria à luz o filho de Deus) até Belém, onde Jesus nasceu. A mensagem é que todos os caminhos nos levam a Jesus”, ressalta. Para orientar os visitantes, há, desta vez, placas indicativas sobre todos os lugares recriados.
Com iluminação, fontes, lagos, árvores, prédios do tempo do império romano, montanhas, grutas e outras peças e espaços, há muito para ser admirado. Entre eles, o templo de Jerusalém, aqueduto, o palácio do Herodes (rei da Judeia que mandou matar os recém-nascidos de Belém), o estandarte do império romano, o altar de sacrifícios com a ovelha feita de massa de modelar, uma bandeja com 12 pães simbolizando as 12 tribos de Israel e a Torá (livro sagrado dos judeus).
E mais: a gruta onde nasceu o Menino Jesus, a fuga para o Egito, e um lugar que Lúcia visitou e gostou muito: o Vale dos Reis, no Egito, com o Rio Nilo serpenteando pela areia feita de serragem. Mais adiante, podem ser vistas as famosas pirâmides Quéops, Quéfren e Miquerinos. Ao mostrar tanto detalhes, dona Lúcia avisa que, em abril, retornará a Israel, onde já esteve há alguns anos.
Na manhã de domingo (21/12), após a missa na Igreja Santa Luzia, o casal Flávio Raul Leal, analista de sistema, e Juliana Savaget, jornalista, morador do Bairro Cidade Nova, visitou pela primeira vez o presépio de dona Lúcia. Estavam com eles os filhos Eduardo, de 7, e Vitor, de 2, e a sobrinha Helena, residente no interior de Goiás. “Foi uma visita inspiradora e muito bonita. É muita generosidade receber as pessoas em casa, com boa vontade e alegria”, observou Juliana, que até anotou uma frase dita pela anfitriã, ao lembrar do seu primeiro presépio: “Tudo começou com um sonho, e a gente não pode parar de sonhar”.
NO SERRO
Uma das sete Vilas do Ouro de Minas Gerais, o Serro, antiga Vila do Príncipe, mais parece um presépio: casario, igrejas, relevo, vegetação. Quem quiser mergulhar ainda mais nessa atmosfera barroca pode percorrer o 2º Circuito de Presépios, iniciativa da prefeitura local, via Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e Patrimônio. As casas estão abertas na sede e nos distritos de São Gonçalo do Rio das Pedras e Milho Verde.
Na casa de Maria de Lourdes da Cruz Santos, a dona Nem, os braços de boas-vindas se estendem para receber os visitantes – e a casa tem ficado cheia nos últimos tempos, recebendo as pessoas até 13 de janeiro. Seguindo a tradição familiar, dona Nem herdou os conhecimentos da mãe e a forma correta de dispor a manjedoura e os “santinhos”, conforme chama as figuras. “A história do meu presépio vem de décadas...minha bisavó materna fazia, minha avó também. No primeiro ano de casamento da minha mãe, ela pediu para meu pai lhe comprar as imagens, pois era da sua vontade fazer seu presépio. Assim, foi presenteada com as imagens de São José, Nossa Senhora, o Menino Jesus, reis magos e a ovelhinhas”.
Quando a menina Maria de Lourdes tinha sete anos, sua mãe faleceu, e o pai se casou de novo. A madrasta continuou fazendo e, sete anos depois, parou. “Dizem que é necessário fazer sete anos seguidos, se não dá azar. Não sei se é verdade ou mentira, mas sei que é assim”, conta dona Nem, que, ao se casar, ganhou do pai os “santinhos” que pertenceram a Maria de Marilac, sua mãe. “Essas peças me fizeram manter a tradição e a me lembrar de minha mãe”, recorda-se.
Ao longo do tempo, houve transformações e novos materiais foram incorporados ao presépio. “Nos primeiros anos do casamento, moramos numa casinha de dois cômodos, depois numa maior. “Um dia, falei com meu marido, Pergentino Santos, que gostaria de fazer um presépio com uma gruta onde eu pudesse entrar. Aí, ele fez uma armação especial.” Hoje, a família usa pó de pedra colado no papel de cimento para revestir a estrutura.
“Sempre que encontro algo diferente, procuro colocar no presépio. Minha família toda ajuda. Espero que essa tradição nunca morra. O ciclo natalino é uma época gratificante, quando as famílias se reúnem. Procuro fazer, com carinho, uma demonstração do nascimento de Jesus, Aquele que deu a vida para nos salvar”, diz a mãe de Willyara, de 36, e Hiuri, de 25, e avó de Júnior Gabriel, de 6 anos.Época de presépios: entenda o significado da tradição que une fé e arte.
CENÁRIO BARROCO
Também em Santa Luzia (RMBH), há o Circuito de Presépios, agora em sua vigésima edição, numa promoção da prefeitura local, via Secretaria Municipal da Cultura e do Turismo. No total, podem ser visitados 25 presépios localizados em Taquaraçu de Baixo (zona rural), Centro Parte Baixa e Bairro Londrina, no distrito de São Benedito.
No Santuário Arquidiocesano Santa Luzia, na Praça da Matriz, no Centro Histórico, o reitor e pároco, padre Felipe Lemos de Queirós, e sua equipe montaram o presépio que fica perto do altar-mor. Com imagens centenárias e outras mais recentes, entre essas uma Nossa Senhora grávida ao lado de São José, o presépio tem atraído muitos visitantes, independentemente da religião. “É muito bonito, gostei de visitá-lo”, disse a técnica de enfermagem Gislaine Diniz Rocha, que se declara cristã, e levou as filhas gêmeas, Maria Cecília e Ana Helena, de 9.
Ao lado de Gislaine, moradora do Conjunto Palmital, no distrito de São Benedito estava a sogra, Eva das Dores Rodrigues da Rocha, que é católica e prestou atenção a todos os detalhes. “Faço presépio em casa, celebro o Natal. Faço a novena”, disse Eva.
No grupo de visitantes aos presépios, a professora universitária Marcilene Silva, moradora do Bairro Fernão Dias, em BH, lembrou que, muito além de integrar as festividades do Natal, o Circuito de Presépios traduz a história local, propiciando uma imersão cultural. “Temos aqui mineiridade, hospitalidade, e a grandiosidade dos moradores que abrem a porta da casa para os visitantes”, destacou a professora.
SÃO FRANCISCO
A história dos presépios começa com São Francisco de Assis. No Natal de 1223, na cidade de Greccio, na Itália, o frade Francisco (1181-1226) teria recriado a gruta de Belém, incorporando à cena o boi e o jumento, a fim de demonstrar a simplicidade do local onde Jesus veio ao mundo. Hoje chamado “protetor da natureza”, ele nasceu em Assis, Itália, em 1182, em uma família rica e nobre.
Ainda jovem, Francisco abdicou de sua herança e vida de riquezas, fazendo votos de pobreza, se dedicando à Igreja, aos menos favorecidos e em fazer a vontade de Deus, servindo-O por meio da doação total e incondicional da sua vida. Fundou a Ordem dos Frades Menores, conhecidos como franciscanos. Foi canonizado pelo papa Gregório IX dois anos depois de sua morte. É conhecido como o protetor dos animais.
Siga nosso canal no WhatsApp e receba notícias relevantes para o seu dia
O tempo passou, o mundo mudou, e os presépios, hoje, se fazem presentes nas celebrações natalinas de residências, igrejas, mosteiros, praças e até ao ar livre. Em Minas, a tradição se fortalece cada vez mais, tanto na capital como no interior.