NEGLIGÊNCIA

Caso Thainara: Justiça torna réus médico e enfermeira por morte

Profissionais responderão por homicídio omissivo; caso voltou a ser revisado depois de questionamentos da família

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A Justiça de Minas Gerais tornou réus um médico e uma enfermeira pela morte de Thainara Vitória Francisco Santos, de 18 anos, ocorrida em 14 de novembro de 2024, na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Governador Valadares (MG), no Vale do Rio Doce.

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A decisão é da 2ª Vara Criminal da Comarca, que acolheu parcialmente a denúncia do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG).

 

O juiz David Miranda Barroso determinou que ambos respondam por homicídio simples na modalidade omissiva imprópria, já que estavam lotados na Sala Vermelha, setor de emergência responsável pelo atendimento da jovem. O homicídio por omissiva imprópria ocorre quando alguém, tendo o dever legal e a possibilidade de impedir uma morte, opta por não agir; o agente, no caso, possui posição de garantidor, o que faz com que a omissão seja juridicamente equiparada a uma ação.

Jovem chegou em parada cardiorrespiratória

Segundo a denúncia, Thainara foi levada à UPA por uma viatura da Polícia Militar já em parada cardiorrespiratória (PCR). O MPMG sustenta que os profissionais, embora tivessem o dever legal de agir, não iniciaram os protocolos de reanimação. A vítima teria permanecido mais de uma hora na unidade sem tentativa de ressuscitação. O único procedimento registrado foi um eletrocardiograma que constatou a morte.

O juiz rejeitou a denúncia contra outros três profissionais por entender que não houve indício de omissão por parte deles. A decisão ressaltou sinais de “omissão penal relevante”, observando que não ficou comprovado que as condutas adotadas foram compatíveis com a urgência esperada.

Técnica de enfermagem verificou o pulso

A técnica de enfermagem que primeiro atendeu a jovem informou ao delegado da Delegacia Adjunta de Crimes Contra a Vida de Governador Valadares que encontrou um policial militar do lado de fora da UPA tirando Thainara de dentro da viatura e a colocando em uma maca. Ao analisar a jovem, a profissional abriu o olho de Thainara e viu que a pupila estava dilatada. Na sequência, a técnica verificou o pulso e constatou que não havia sinal vital.

Assustada, a depoente afirmou que procurou uma enfermeira e a informou que se tratava de um caso de morte. A técnica de enfermagem disse ainda aos policiais civis que percebeu que a jovem já estava com a boca cianótica, ou seja, roxa, e com a língua presa. Alegou também que "correram" com Thainara para a sala de emergência, acionando toda a equipe médica, colocaram eletrodos nela e "foi constatado o óbito da mesma, visto que não apresentava nenhum sinal vital”, conforme consta no depoimento da profissional.

Já a primeira enfermeira que atendeu a jovem informou que, quando a técnica a alertou que a pupila de Thainara não estava “reagente”, a encaminharam para a sala de emergência. A profissional ainda informou que “tudo ocorreu dentro de um minuto aproximadamente”. Ela afirmou que chegou a questionar o militar que entrou com a jovem na unidade de saúde qual era o nome da paciente o que teria acontecido com ela. Em resposta, o policial afirmou que não sabia o nome da jovem e que “assumiu a ocorrência com ela daquela forma”.


"Todos os exames foram feitos"

O médico que estava de plantão na UPA afirmou aos investigadores que Thainara chegou à UPA já sem vida. Ele explicou que estava dentro da sala de emergência quando a equipe entrou com a jovem em uma maca e “logo foi feito o atendimento”. Ainda segundo o médico, todos os exames necessários foram feitos e não foi possível verificar nenhum sinal vital.

Ele disse ainda “que o depoente teve contato com outros policiais militares, visto que tinham vários dentro da UPA e alguns chegaram a questionar ‘se Thainara poderia ter tido um infarto’, mas o depoente esclareceu que ele não teria como afirmar, somente um laudo de necropsia, e deixou ‘bem claro para os policiais que a paciente deu entrada na UPA já em óbito’”, informou o médico.

Relembre a ocorrência

O caso ocorreu no Residencial Ibituruna II, no Bairro Vila dos Montes, em Governador Valadares. Na época, Thainara foi presa por supostamente agredir policiais ao tentar proteger o irmão, diagnosticado com retardo mental moderado. Uma gravação, feita por vizinhos da família, registrou a jovem do lado de fora do apartamento sendo contida pelos militares enquanto populares alertam que "o menino é doente da cabeça" e que ele "não é envolvido [com o crime]".

Nas imagens, ao menos oito agentes seguem usando a força para imobilizar os irmãos. "É só ele parar de resistir", diz um dos oficiais. Thainara foi presa, mas, por ter se sentido mal, foi levada em uma viatura a um hospital. Ao chegar à porta da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Vila Isa, a menos de 10 minutos da casa, foi encontrada inconsciente. 

O exame de corpo de delito de Thainara, feito no Instituto Médico Legal (IML) de Governador Valadares, apontou que a jovem morreu devido a uma asfixia por constrição extrínseca do pescoço por objeto contundente. O documento aponta que a jovem tinha vários hematomas e escoriações pelo corpo, incluindo na região do pescoço. Entre os ferimentos descritos pelo laudo pericial, a que o Estado de Minas teve acesso, estão edemas na parte inferior e lateral do olho direito; escoriações abaixo da mandíbula; hematomas na região do colo, pescoço e queixo.

Investigação contra policiais

A atuação dos policiais militares que atenderam a ocorrência será revisada pela Procuradoria-Geral de Justiça de Minas Gerais. Testemunhos relataram nos autos que Thainara Vitória foi agredida ao tentar defender o irmão em uma ocorrência em que os militares estavam. Inicialmente, o Ministério Público havia se manifestado pelo arquivamento do inquérito em relação aos policiais.

No entanto, a defesa da família de Thainara Vitória contestou o arquivamento e solicitou o reexame do caso. Diante do pedido da família e com base em entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), o juiz David Miranda Barroso determinou a remessa dos autos ao Procurador-Geral de Justiça para que o arquivamento em relação aos militares seja reavaliado.


Corporativismo

Na época da conclusão do inquérito, Márcio Santos e Matheus Lopes, advogados da família de Thainara, afirmam ao Estado de Minas que, além da demora, o resultado do inquérito não foi satisfatório por não apontar, de fato, os culpados por a morte. Para Lopes, o delegado responsável pelas investigações agiu com corporativismo.

“Demorou-se mais de seis meses e o inquérito foi concluído. Teve um relatório final, para o pai dela principalmente, totalmente vergonhoso [...] O delegado não atribui a ninguém a autoria de crime. Ele simplesmente disse que eles cometeram fraude processual, mas não fala qual o militar, não atribui autoria de ninguém. O que deixa o trabalho dele incompleto. O outro resultado dessa investigação ele concluiu que houve um crime militar de homicídio culposo, qualificado em omissão de socorro. E aí ele faz a mesma coisa. Simplesmente deixa em branco. E aí como é que você vai processar? A operação teve 23 militares. O Ministério Público vai processar os 23 militares por omissão de socorro? Não vai”, critica Márcio.

Além disso, o advogado afirma que o delegado não levou em conta o laudo de necropsia que apontou que o corpo da jovem tinha diversos hematomas. “Ninguém asfixia uma pessoa com um mata leão sem a intenção de matar. Ele [o delegado] não indiciou os militares nem por lesão corporal. Nem por uma tortura seguida de morte. Ele simplesmente fala que teve um homicídio culposo. E aí, fala que como foi um homicídio culposo, os autos têm que ser remetidos para a Justiça Militar apurar”, afirma Santos.

Pedido de afastamento negado

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O MPMG também solicitou o afastamento dos denunciados de suas funções públicas. O pedido foi indeferido pelo juiz. O magistrado argumentou que os fatos ocorreram há um ano e não há registros de que os profissionais tenham voltado a apresentar condutas negligentes nesse período, não havendo risco atual que justifique a medida antes do julgamento.

Os réus têm prazo de 10 dias para se manifestarem nos autos. Da decisão ainda cabe recurso.

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