Alice Martins Alves, de 33 anos, morreu em decorrência de uma infecção generalizada, causada pela perfuração de parte do intestino. A informação consta no atestado de óbito da vítima, espancada por dois homens, em Belo Horizonte (MG). A mulher trans foi atacada depois de sair do Bar Rei do Pastel e ser perseguida por dois funcionários do estabelecimento.

Alice chegou a ser socorrida pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e levada até uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), mas foi liberada na sequência. O documento, enviado ao Estado de Minas, indica que a causa da morte foi “choque séptico, abdome agudo perfuro, úlcera duodenal perfurada” e uso de anti-inflamatório.

As agressões ocorreram em 23 de outubro passado e teriam sido motivadas por uma dívida de R$ 22. De acordo com a delegada Iara França, do Núcleo Especializado de Investigação de Feminicídios da PCMG, a vítima tinha o costume de frequentar alguns bares da região e era conhecida dos funcionários e comerciantes. No dia do crime, Alice teria se sentado a uma mesa sozinha e pedido uma bebida alcoólica. Depois de um tempo, ela se levantou e esqueceu-se de pagar a conta.

Por causa das agressões, Alice perdeu a consciência e foi socorrida pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). Em um primeiro momento, ela foi encaminhada para a Unidade de Pronto Atendimento Centro-Sul. Dez dias depois, em 2 de novembro, ela foi levada de ambulância para o Pronto Atendimento do Hospital da Unimed, em Betim (MG), na região metropolitana de BH. Na unidade de saúde, exames de imagem apontaram fraturas nas costelas, cortes no nariz e desvio de septo.

Em 8 de novembro, os médicos diagnosticaram uma perfuração no intestino, possivelmente causada por uma das costelas quebradas ou, segundo suspeita do pai da vítima, Edson Alves Pereira, agravada pelo uso de anti-inflamatórios após a agressão. Com o diagnóstico, Alice foi submetida a uma cirurgia de emergência, mas morreu pela infecção generalizada.

Transfobia

Apesar de haver indícios de que as agressões sofridas por Alice tenham sido motivadas por uma dívida de R$22, a Polícia Civil também trabalha com a hipótese que a mulher foi vítima de transfobia. A possibilidade ganha força, segundo a delegada Iara França, pela intensidade da violência. Além disso, Iara França afirma que a mulher já havia relatado que sentia um certo preconceito de algumas pessoas, sem especificar ser de clientes ou funcionários do bar.

“É um local que ela já tinha o costume de frequentar, local que ela já era conhecida, que ela conhecia as pessoas ali e já havia revelado que sentia um certo preconceito de algumas pessoas, alguns olhares maldosos, alguns olhares preconceituosos”, afirmou a delegada Iara França.

O boletim de ocorrência, que retratou o caso, registrado por Alice, foi feito 13 dias depois do ataque. Ao Estado de Minas, o pai dela já havia afirmado que a demora se deu por medo e pela sua condição física. Na quarta-feira (12/11), Edson relatou que a filha só foi à delegacia depois de ele insistir e chegar a fazer uma pelo 181, canal de denúncia anônima do estado. “Depois que ela voltou para a casa foi só luta. Ela começou a vomitar, não conseguia se alimentar, perdeu 13 quilos. Estava muito fraca e com muita dor”, comentou o pai.

Além disso, Alice relatou à polícia que demorou a procurar a delegacia da mulher por sentir medo dos suspeitos e também por ter ficado envergonhada. Por isso, durante o registro da ocorrência, ela, inclusive, passou características genéricas de um dos suspeitos, o identificando apenas como homem, branco, de cabelos escuros e usando calça jeans e camiseta preta.

O relato de Edson, durante o velório da filha, gerou comoção nacional. “Será que um homossexual não tem direito a viver?”. O questionamento do pai refletiu o sofrimento e indignação pela perda da filha, com quem morava no bairro Betânia, também na Região Oeste. “Perdi uma grande amiga, parceira, minha companheira de assistir filmes e tomar uma cervejinha em casa”, relatou.

O que disse o bar?

Depois de receber diversos comentários em redes sociais, o bar Rei do Pastel, que tem sete unidades em Belo Horizonte, publicou uma nota afirmando que está colaborando com as investigações da Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG). O estabelecimento está no centro das apurações sobre o ataque contra Alice após um áudio divulgado à imprensa afirmando que os dois homens suspeitos das agressões seriam funcionários do local.

Na nota, divulgada na tarde dessa sexta-feira (14/11), o estabelecimento afirmou que desde que foram procurados pelos investigadores se colocou à disposição das autoridades e entregou todas as informações solicitadas. “Estamos aguardando e confiantes no trabalho sério e eficiente que bem sendo executado pela polícia, com certeza da correta apuração dos fatos e devida culpabilidade dos envolvidos”.

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A pastelaria também afirmou que não “compactua” com ações discriminatórias referentes à identidade de gênero, orientação sexual, raça ou qualquer outra natureza. “Ressaltamos a nossa solidariedade aos familiares e amigos de Alice”, ressaltou o Rei do Pastel.

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