O motociclista que interveio no ataque a Alice Martins Alves, de 33 anos, foi ameaçado pelos suspeitos de espancarem a mulher trans. O crime foi registrado na madrugada de 23 de outubro, na Savassi, Região Centro-Sul de Belo Horizonte. Os agressores foram identificados como dois funcionários do Bar Rei do Pastel, unidade da Rua Sergipe, no mesmo bairro das agressões, mas ainda não foram presos. Alice morreu 17 dias depois, por complicações dos ferimentos.

A gravação de uma câmera de segurança de um estabelecimento onde Alice foi abordada e atacada pelos homens flagrou o momento que a testemunha chega ao local. Nas imagens é possível ver o motociclista passando pela Avenida Getúlio Vargas e parando bruscamente. Ele então começa a discutir com os agressores, que passam a ameaçá-lo.

“Sai vazado mano! Nem leva a mal não mano [...] Tá ligado? Cê tá no seu corre, nós tá no nosso. Cê vai pagar por um pano que não foi seu? [...] Cê tá ligado que tem trem errado mano. Cê tá passando pano pra quem tá errado mano”, diz um dos agressores.

A discussão continua e, em determinado momento, um dos suspeitos se refere a Alice no pronome masculino. Ele ainda afirma que a testemunha poderia pagar a conta deixada pela vítima no bar de R$ 100. No entanto, como o Estado de Minas já havia noticiado, um áudio divulgado por um funcionário, do mesmo bar que os suspeitos trabalhavam, informou que as agressões teriam sido motivadas depois que a vítima, supostamente, saiu do local sem pagar uma conta de R$ 22.

“Agora mano, cê tá ligado? Cê não for pagar o bagulho pra ele. Tá ligado mano? Pode seguir sua caminhão tranquilão e deixa nós aqui [...] Eu falei com ele, ‘cê for pagar o bagulho, suave’. Agora, se não mano, volta pro seu corre e deixa nós resolver o nosso”.

Os homens ainda começam a discutir com uma segunda testemunha e a ameaça. “Nós tá aqui todo dia. Nós tromba com você todo dia também. Que você trabalhar aqui. Cê vai ver, num vai ficar por isso não mano. Ô motoca, cê também mano, num é nem pá não, papo dez mano. Não envolve em situação que cê num tem nada a ver não mano”.

Transfobia

Apesar de haver indícios que as agressões sofridas por Alice tenham sido motivadas por uma dívida de R$22, a Polícia Civil também trabalha com a hipótese que a mulher foi vítima de transfobia. A possibilidade ganha força, segundo a delegada Iara França, pela intensidade da violência. Além disso, a responsável pelo inquérito relata que a mulher já havia dito à familiares que sentia preconceito por parte de algumas pessoas, sem especificar ser de clientes ou funcionários do bar.

“É um local que ela já tinha o costume de frequentar, local que ela já era conhecida, que ela conhecia as pessoas ali e já havia revelado que sentia um certo preconceito de algumas pessoas, alguns olhares maldosos, alguns olhares preconceituosos”, afirmou a delegada Iara França.

Ainda segundo a policial, Alice só não morreu no local devido a chegada do motociclista, que interrompeu o espancamento. “Ela foi intimidada e agredida e essas agressões somente cessaram, ela só não foi morta naquele momento, porque um motociclista parou e interviu na situação. Ele também foi ameaçado por um desses agressores, mas mesmo assim permaneceu no local”, afirmou Iara França.

Como foi o crime?

As agressões aconteceram em 23 de outubro. De acordo com a delegada Iara França, do Núcleo Especializado de Investigação de Feminicídios da PCMG, Alice tinha o costume de frequentar alguns bares da região e era conhecida dos funcionários e comerciantes. No dia dos fatos, Alice teria sentado, sozinha, no Rei do Pastel, localizada na esquina das ruas Fernandes Tourinho e Sergipe, e pedido uma bebida alcoólica. Depois de um tempo, ela se levantou e se esqueceu de quitar a conta.

De acordo com a responsável pelo inquérito, o bar já tinha o costume de caso um cliente recorrente, por algum motivo, não pagasse o consumo poderia fazê-lo em outro momento. Em um áudio, enviado por um funcionário do estabelecimento a que o Estado de Minas teve acesso, a prática é reforçada. Na gravação, um homem relata que Alice já havia se esquecido e ido embora, mas depois voltou e quitou a dívida.

“Ela já teria ido ao local e se esquecido de pagar a conta e ela retornava ao local e quitava a conta. Então, nunca houve nenhum problema. Geralmente as pessoas que eram frequentes ali, voltavam e pagavam a conta”, explica Iara.

A agressão contra Alice foi registrada pela câmera de segurança de um imóvel na Avenida Getúlio Vargas. Na gravação, uma pessoa discute com a vítima. Em determinado momento, a mulher é questionada se irá pagar ou não. Ela então questiona o homem se ele irá agredi-la. No áudio, ainda é possível confirmar que a mulher afirmou que havia efetuado o pagamento. Apesar disso, a resposta não foi bem vista pela dupla, que começou agredi-la. O equipamento de segurança também captou gritos de socorro da vítima e insultos transfóbicos, por parte dos homens.

O que disse o bar?

Depois de receber diversos comentários em suas redes sociais, o bar Rei do Pastel, que possui sete unidades em Belo Horizonte, publicou uma nota afirmando que está colaborando com as investigações da Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG). 

Na nota, divulgada na tarde do último dia 14, o estabelecimento afirmou que desde que foram procurados pelos investigadores se colocaram à disposição das autoridades e entregaram todas as informações solicitadas. “Estamos aguardando e confiantes no trabalho sério e eficiente que bem sendo executado pela polícia, com certeza da correta apuração dos fatos e devida culpabilidade dos envolvidos”.

A pastelaria também afirmou que não “compactua” com ações discriminatórias referentes à identidade de gênero, orientação sexual, raça ou qualquer outra natureza. “Ressaltamos a nossa solidariedade aos familiares e amigos de Alice”, ressaltou o Rei do Pastel.

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