No início dos anos 1960, entre as ruas Paraisópolis e Divinópolis, no bairro Santa Tereza, em Belo Horizonte (MG), nascia o Clube da Esquina, grupo musical que fez história não só em Minas Gerais, mas em todo o país. 

Nesta terça-feiras (25/11), o local, que hoje abriga o museu com a memória de grandes nomes da MPB, recebeu alunos do 3° ano da Escola Municipal Vicente Guimarães. Os pequenos puderam conhecer de perto a história de canções que marcaram gerações, além de muitos terem tido um primeiro contato com instrumentos e a história dos cantores.

O projeto “Escola Audaz – Memórias do Clube da Esquina nas Escolas” tem convidado escolas públicas de toda a capital para conhecer o museu e promovido oficinas de formação para professores. A ideia é aproximar alunos do ensino fundamental desse legado deixado pelo lendário movimento musical.

As visitas guiadas são chamadas de “Caravanas Culturais”, e têm vivências musicais conduzidas pela cantora e especialista em educação musical Bianca Luar e o músico convidado Thiago Nonato, no formato voz e violão.

De acordo com a especialista e também coordenadora do projeto, o objetivo é criar memórias nas crianças, e fazê-las conhecer a linguagem musical, levando arte e cultura à meninada, sobretudo a cultura popular. No caso do movimento nascido no Santa Tereza, há um peso ainda maior, pois o Clube da Esquina é parte da história de Belo Horizonte. Para alcançar crianças de todas as idades, é realizada uma curadoria com um olhar pedagógico acerca das canções, com adaptações para cada faixa etária.

“A maioria deles [estudantes] chegam ao bairro de Santa Tereza sem conhecer [os músicos]. As crianças que já conhecem, é porque ouvem com algum familiar. A gente consegue perceber a diferença depois, quando eles saem depois de vivenciar as canções de uma forma interativa, porque aqui no espaço, a gente traz pocket shows e brincadeiras musicais para que eles possam se envolver com esse repertório, com esse capital cultural que é nosso. A gente convida essas crianças para subirem para o palco, para cantarem, para tocarem junto trechos de canções e novas melodias, pois através dessa escuta e dessa apreciação inaugural, eles ficam ali cantados para sempre”, conta Luar.

Na visita desta terça, a equipe do Estado de Minas viu a reação das crianças diante de tantas atividades. Elas foram recebidas pela equipe ainda na esquina, onde ouviram a história da formação do grupo. Para muitos, foi a primeira vez que escutaram nomes como Milton Nascimento, Beto Guedes e Lô Borges – este, com um peso a mais, devido à morte recente. Apesar de desconhecidos para alguns, outros relataram ter visto notícias sobre a morte de Lô, que comoveu a capital. Alguns disseram ainda que viram pais, mães e tios tristes com a partida do músico.

Depois dessa introdução, os estudantes foram incentivados a fazer coro às canções. Thiago Nonato tocou “Para Lennon e McCartney”, do Bituca, e provocou muita animação e participação das crianças, que cantaram – à sua maneira –, dançaram e aplaudiram. Em seguida, eles foram guiados para o museu, passando pela escadaria do Clube, e observando os retratos expostos nas paredes de fora, ao som de “Trem Azul” de Lô.

O encanto e animação ficaram nítidos durante toda a visita. Os alunos estavam entrosados entre si, com os professores e também com os músicos. O estudante Antony Lucca Paim, de 9 anos, afirmou nunca ter tido uma vivência como aquela, nem mesmo teve contato com instrumentos em outro momento da vida. Ele conta que conhecia brevemente o grupo musical, porque a família ouve em casa, mas que é um tipo de música diferente do que ouve em outros espaços. Segundo Antony, tudo será diferente depois dessa visita ao museu: “Eu fiquei feliz na hora que cantamos lá na rua. Agora vou pedir para eu meu pai para ouvir mais. Vou falar assim: ‘O, pai, põe aquela música lá que você tinha falado do Clube da Esquina’”, disse animado.

Como os alunos tinham entre 9 e 11 anos, a vivência foi conduzida de forma mais lúdica. As letras das músicas, repletas de elementos da natureza e carregadas de emoção, tiveram uma explicação diferente, focada nos sentimentos dos compositores sentiam quando criaram as letras. No rostinho de cada um estava estampado o compreensão daqueles sentimentos, como a tristeza, alegria, o amor e a saudade, que também são sentidos por eles, conforme relataram.

No encerramento das atividades, os alunos ainda puderam tocar alguns instrumentos musicais, como pandeiros e chocalhos, acompanhar o ritmo das músicas do Clube da Esquina e criar outros.

Legado do Clube da Esquina para a nova geração

A iniciativa é realizada desde outubro, com previsão de encerramento em dezembro, mas a proposta não é apenas de um dia de visita ao museu. Os professores têm um papel fundamental, pois atuam como multiplicadores ao envolver diretamente as crianças. As oficinas abordam metodologias ativas que integram a música do Clube da Esquina a diferentes áreas do conhecimento, propondo experiências criativas, acessíveis e aplicáveis no cotidiano escolar, mas cada educador pode aplicar a música de uma maneira diferente na rotina. A ideia é que o conhecimento entre como aliado no aprendizado das crianças, seja relacionando com a história dos artistas com o conteúdo tradicional ou utilizando músicas para assimilar as matérias.

A vivência proporcionada aos alunos é avaliada por Luar como uma viagem pelo tempo, espaço e histórias do lugar e do surgimento das canções icônicas. Ela ressalta que a escolha do Clube da Esquina como eixo temático é também uma forma de preservar a cultura local. Isso porque, segundo ela, o grupo nasceu na capital e é “algo nosso”. Se muitas das famílias não consomem o gênero musical, por exemplo, a escola entra como uma oportunidade de fazer com que os estudantes, ainda na infância, conheçam e sejam tocados pelo legado deixado.

A sensibilidade das músicas do Clube também é um ponto observado pela diretora da escola, Neide Fernandes Tamponi, que ocupa o cargo há quatro anos. Anteriormente dentro das salas de aula, ela conta que sempre utilizou a música na alfabetização de seus alunos, pois acredita que facilita o conhecimento a ser incorporado pelas crianças, que estão começando a criar repertório.

“As crianças têm acesso a músicas muito atuais e tem toda uma história da música que eles não conseguem ter acesso, porque muitas vezes a família não traz. Então a escola é uma instituição que consegue trazer outros níveis de conhecimento musical, que tem letras que podem ser levadas realmente para aprendizado. A gente explora com muito cuidado, com muito carinho, tudo aquilo que vai levar conhecimento, que vai levar aprendizado. E a música, ela realmente tem vários olhares, no sentido de trazer mesmo na história de vida de muitos artistas, de muitos cantores, e a gente estabelece uma relação entre a música e o dia a dia deles”, diz Neide.

Para a professora Walquíria Torres Prates, que cresceu no bairro Esplanada, na Região Leste de BH, e teve a juventude influenciada pelo MPB e, sobretudo, do movimento do Clube da Esquina, poder retomar as canções com os alunos é um alento à memória. De acordo com Walquíria, esse tipo de formação é muito importante para a assimilação dos conteúdos pelos estudantes.

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“É um resgate muito importante. Fora do ambiente escolar, que eles vivem. A proposta foi uma retomada muito importante. Vale a pena retomar com os alunos, porque a maioria não sabe quem são esses personagens. No corre corre da escola, a gente deixa um pouco essa vivência e não percebe, porque a gente se preocupa muito a aprender o conteúdo até o final do ano”, conta a educadora, que acredita que fará um trabalho melhor a partir de agora, mesmo sem ter conhecimentos aprofundados em música.

O projeto é realizado com recursos da Lei Municipal de Incentivo à Cultura de BH. Realizado por meio do Edital LMIC 2023 – Modalidade Incentivo Fiscal, a iniciativa tem a concepção e idealização de Bianca Luar, produção de Perla Horta, fotografia de Laís Rodrigues, filmagem de Ana Flavia Donna (Grava Donna) e assistência de produção de Henrique Nascimento. A iniciativa conta com patrocínio da Hexagon.

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