“Hoje a vida tem mais conforto, mas não tem mais a alegria que tinha. Aquela união da gente no Bento, não existe mais. E eu acho que isso não acontece mais.” As palavras, ditas ao custo de lágrimas abundantes pelo mecânico Onézio Izabel de Souza, mostram que uma década depois, o desgaste dos atingidos pelo rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, está longe de ser uma tragédia do passado.


Quando os 40 milhões de metros cúbicos de lama e rejeitos de minério de ferro da mineradora Samarco foram despejados na Bacia do Rio Doce após o rompimento do barramento, naquele 5 de novembro de 2015, milhares de atingidos manifestaram o desejo de restaurar suas comunidades e de serem indenizados.


Naquele mesmo ano, a escritora bielorrussa Svetlana Alexievich foi agraciada com o Prêmio Nobel de Literatura pela obra “Vozes de Chernobyl”, com o relato e a memória das vítimas do desastre nuclear. Inspirou, assim, a reportagem especial do Estado de Minas intitulada “Vozes de Mariana”, com a mesma temática adaptada ao município mineiro onde ficava a estrutura colapsada, fonte da devastação que deixou 19 mortos e quase 1 milhão de atingidos pela mancha de rejeitos que chegou ao litoral do Espírito Santo.


Dez anos após o desastre, o EM retornou a Mariana e reencontrou atingidos que contaram suas experiências, sonhos e motivações em “Vozes de Mariana”. Hoje, a principal convergência em suas falas é a frustração pelo que consideram falha na justiça e na reparação integral, com famílias sem indenizações ou moradias completas.


Gente que destaca a destruição da coesão social e da alegria comunitária, lamentada por todos os atingidos no novo contexto. Há ainda o sofrimento e o trauma persistente, associado a óbitos por depressão e a uma aversão extrema a riscos. Por fim, persiste um sentimento de impossibilidade de restituir o antigo modo de vida.


Sensações que persistem mesmo com os reassentamentos de Novo Bento Rodrigues e de Paracatu já somando 389 obras, e apesar de a Samarco declarar que as indenizações individuais e auxílios financeiros já somam R$ 14 bilhões pagos a mais de 288 mil pessoas.


A perda da coesão comunitária e da espontaneidade social é destacada pelo mecânico e ex-dirigente do time de futebol de Bento Rodrigues, Onézio de Souza, como sendo mais dolorosa do que o ganho de conforto material com as novas residências.


“Aquele povo pacato, muito companheiro, acho já não existe mais como era. Passamos por muitas coisas, muitas decepções. Hoje, não fica mais ninguém nas ruas. Antes qualquer coisa era motivo de festa. Agora custamos a ter encontros. Todos dentro de suas casas, atrás dos seus muros e ainda com os problemas que as casas novas ainda têm”, queixa-se Onézio.


O trauma psicológico do desastre se estendeu ao longo da década, resultando em graves problemas de saúde mental, incluindo suicídio e depressão entre os atingidos. A auxiliar administrativa Paula Geralda Alves, de 46 anos, carrega o peso do que definiu como uma “tarde de terror”, mesmo tendo ela sido uma heroína.


Ela trabalhava em empresa de segurança na Samarco e soube do rompimento. Montou em sua moto e retornou a Bento Rodrigues aos gritos para avisar a comunidade, iniciando assim uma evacuação em massa que possibilitou que muitas vidas fossem salvas.


Paula prosperou, comprou uma casa na área rural de Mariana, onde cria cavalos. Em breve começará a construção de sua casa no reassentamento de Novo Bento. Mas ainda assim denuncia as perdas silenciosas causadas pelo trauma, demonstrando a profundidade da ferida psicológica.


“Um primo meu mesmo, há um ano deu um tiro na cabeça. Estava com depressão, gastou a indenização achando que ganharia mais e não foi reconhecido. Estava com muitas dívidas. Não aguentou e se matou. É muito triste, porque temos outras pessoas assim. Muita gente adoeceu e morreu antes de conhecer o Novo Bento. Não tiveram a possibilidade de tentar uma nova vida na comunidade”, afirma.


A agricultora familiar Marinalva dos Santos Salgado lamenta que a estabilidade e a paz necessárias para retomar a vida digna que esperavam tenham sido substituídas pelo que classificou como um “jogo de empurra” burocrático que já tem uma década.


“A gente achava que teria uma vida digna de novo. Só que realmente não é o que está acontecendo. Para os verdadeiros atingidos, quem perdeu tudo e foi espalhado, não é. E, agora, querem 20 anos para pagar o direito da gente, as indenizações. Parece, às vezes, que os réus somos nós e não eles”, compara.

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