Segunda maior cadeia de montanhas da América do Sul, a Serra do Espinhaço atravessa Minas Gerais de sul a norte, seguindo ainda por parte da Bahia até a Chapada Diamantina. Ao longo de toda a cordilheira, se estende o rico ecossistema dos campos rupestres, onde vivem cerca de 7.500 espécies de vegetais, das quais várias são endêmicas (ou seja, que só existem ali). Até pouco tempo atrás, muitas delas ainda eram desconhecidas: desde 2022, pesquisadores já catalogaram 15 novas plantas. Desse total, quatro espécies foram descobertas apenas nos últimos meses.

Essas plantas até então desconhecidas são a Staelia fimbriata (Rubiaceae), um pequeno arbusto da família do café, adaptado aos solos arenosos da região; a Wedelia riopardensis (Asteraceae), uma espécie de margarida com flores amarelas; a Eriope carpotricha (Lamiaceae), uma pequena árvore que cresce em áreas de transição entre Mata Atlântica, Cerrado e Caatinga; e a Microlicia geraizeira (Melastomataceae), também uma árvore, porém de maior porte, com altura que pode chegar aos quatro metros.

As expedições que levaram à descoberta das novas espécies foram lideradas pelo doutorando Danilo Zavatin, da USP, com apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e colaboração do Instituto Estadual de Florestas (IEF) e de pesquisadores internacionais, muitos deles provenientes da Argentina. Artigos científicos sobre tais plantas já foram publicados na revista Phytotaxa, no Nordic Journal of Botany e na Webbia.

Todas as espécies foram encontradas bem ao norte do Estado, perto da divisa com a Bahia, nas Serras das Marombas e na Serra Nova. O pesquisador Renato Ramos, que participou da descoberta, diz que a flora nesse local ainda é pouco conhecida, devido à distância em relação às grandes cidades e à dificuldade de acesso. "Algumas regiões têm pouca coleta, pesquisa, como as serras do Norte de Minas", explica.

O isolamento, porém, não afasta os riscos para o ecossistema: das quatro novas plantas em questão, apenas a Microlicia geraizeira não está ameaçada de extinção, segundo os estudiosos. A Staelia fimbriata, a Wedelia riopardensise a Eriope carpotricha foram classificadas preliminarmente como Criticamente em Perigo pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN).

A ameaça está no fato de esses vegetais se proliferarem por áreas muito restritas. Das quatro novas espécies, duas, a Staelia fimbriata e a Eriope carpotricha, são microendêmicas e só existem na Serra das Marombas. Além disso, ambas ocorrem fora da área das unidades de conservação de proteção integral, o que aumenta a vulnerabilidade.

Já a Wedelia riopardensis, apesar de estar no perímetro legalmente resguardado, apresenta populações pequenas, o que representa outro ponto de preocupação. E ela não é a única nesse tipo de situação: "No caso da primeira espécie nova que a gente identificou na região (a Chionanthus monteazulensis), localizamos só quatro indivíduos", pontua Ramos.

Ameaças

Para Ramos, a Serra do Espinhaço sofre diversas ameaças. Uma delas está relacionada às mudanças climáticas, que devem causar abalos inclusive em regiões naturalmente preservadas: "a gente tem um ecossistema de montanhas  que está em vias de um impacto muito grande", alerta. Outro problema é exploração de quartzito, que ocorre na área mais setentrional da cordilheira, justamente onde os pesquisadores estão trabalhando. "Todo o espinhaço está preenchido com interesses", adverte o especialista. Vale lembrar que, na porção mais ao sul, fora do perímetro dos estudos, situa-se o chamado Quadrilátero Ferrífero, polo nacional de extração de minério de ferro.

Serra do Espinhaço é alvo da mineração desde o Século XVIII

Cristina Horta/EM/D.A.Press

Outra atividade potencialmente danosa para o bioma local, ainda de acordo com o pesquisador, é a implantação de equipamentos de energia eólica. O município de Monte Azul, no Norte de Minas, por exemplo, fica encravado na cordilheira e está incluído em um projeto milionário de geração de energia elétrica.

O especialista destaca o papel das comunidades tradicionais que vivem no Espinhaço, cujas atividades são interdependentes da natureza. "Elas têm um modo de vida que permite a manutenção dessa biodiversidade", opina. "São as pessoas da região que cuidam desses lugares", complementa.

Ramos também salienta a necessidade de investimentos tanto para a proteção quanto para a análise da fauna e da flora do ecossistema. "Fazer pesquisa neste país não é fácil. A pesquisa depende de apoio institucional e de apoio financeiro", salienta.

Apesar dos desafios, o pesquisador segue trabalhando na Serra do Espinhaço. Ele acredita que ainda há plantas que não foram descobertas. "É uma região de altíssima riqueza de espécies, altíssima biodiversidade", pontua. Ramos, inclusive, já está concluindo os artigos relativos a outras duas novas espécies catalogadas na cordilheira.

Fauna

A flora não é a única riqueza natural da Serra do Espinhaço. As montanhas do bioma abrigam também várias espécies silvestres da fauna. Uma pesquisa concluída neste ano pela Prefeitura de Conceição do Mato Dentro, na Região Central de Minas, e pelo Instituto Sustentar, com apoio institucional do Instituto Estadual de Florestas (IEF) registrou mamíferos ameaçados de extinção no Parque Estadual Serra do Intendente, no Parque Natural Municipal do Tabuleiro e no Monumento Natural Municipal da Serra da Ferrugem.

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Entre esses animais, estão o lobo-guará, o tamanduá-bandeira e o macaco sauá-de-cara-preta, catalogado pela primeira vez na região. O estudo também identificou 242 espécies de aves, entre as quais a águia-cinzenta, o gavião-de-penacho e o gavião-pega-macaco, todas em risco de extinção.

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