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Norte de Minas tem aumento de casos de doença de Chagas

Declaração de 'erradicação' da transmissão por barbeiro Triatom Infestans prejudicou controle da doença, diz pesquisadora

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O aumento dos casos de Doença de Chagas preocupa as autoridades de saúde no Norte de Minas. A ocorrência da moléstia na região acomete pessoas de diferentes faixas etárias. A doença também é objeto de pesquisas científicas, voltadas para a melhoria dos diagnósticos e do tratamento da enfermidade.

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Espinosa (30,4 mil habitantes) e Porteirinha (37,4 mil habitantes) são duas cidades da região com registro de alta incidência de casos de Chagas. Os novos casos foram descobertos por meio do teste rápido (TR Chagas), desenvolvido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), um kit de diagnóstico que identifica a enfermidade em cerca de 15 minutos. Em Espinosa, após a realização de 10 mil testes, foram confirmados 600 casos da doença. Em Porteirinha, foram confirmados 550 casos positivos, depois de quase mil testes realizados.

Os números foram apresentados durante audiência pública da Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, que discutiu o aumento dos casos da doença de Chagas no Norte de Minas, com a participação médicos, pesquisadoras e especialistas.

Foram apresentados dois projetos de pesquisa que abordam o atual cenário da doença negligenciada no Norte de Minas: o “Cuida Chagas” e “Integra Chagas”, ambos vinculados à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), com a parceria de outras instituições, órgãos de saúde e universidades públicas. Entre elas estão a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes).

“Não estamos falando de recrudescimento de casos; na verdade, os projetos estão dando visibilidade a essas pessoas que sempre tiveram a doença”, explicou Andrea Silvestre de Sousa, pesquisadora nos dois projetos. Ela explicou que a doença de Chagas tem prevalência em áreas de maior vulnerabilidade social, como evidencia o maior número de casos em Espinosa e Porteirinha.

A bióloga, professora e pesquisadora Thallyta Maria Vieira, que coordena o Projeto Cuida Chagas na Unimontes, lembra que em 2006 a Organização Pan-americana da Saúde (OPAS) certificou o Brasil como um país que eliminou a contaminação da doença de Chagas por meio da picada do barbeiro Triatoma Infestans, considerada até então a principal espécie transmissora da moléstia.

Ela afirma que a declaração da OPAS acabou contribuindo para esvaziar as ações preventivas em relação à enfermidade, sobretudo, em regiões endêmicas como o Norte de Minas. Foi nesta região, no município de Lassance, que o cientista Carlos Chagas descobriu a doença em 1909.

“Quando o Brasil recebeu o certificado de eliminação da transmissão pelo barbeiro Triatoma Infestans, houve uma compreensão de se tinha acabado erradicado a doença de Chagas (no país). E, na verdade, erradicou-se (a transmissão) somente por uma espécie, que é exótica, ela veio da Bolívia – então, por isso, foi possível controlá-la”, afirma a pesquisadora.

“Nós temos muitas espécies (de barbeiros) que são nativas da nossa região, que não tem como fazer o controle, porque elas vivem nas nossas matas. Então, por isso que é tão importante manter a vigilância e o controle da doença de Chagas”, salienta Thallyta Vieira.

Thallyta Maria Vieira, pesquisadora sobre a doença de Chagas
Thallyta Maria Vieira, pesquisadora sobre a doença de Chagas Neto Macedo/Unimontes

Ela reforça que houve uma descentralização no programa de controle e monitoramento da Doença de Chagas, ”que foi passado da União para os estados de uma forma muito abrupta, sem preparo. A pesquisadora também aponta a falta de busca ativa nos domicílios. “Hoje, encontramos uma vigilância passiva, isto é, se uma pessoa encontrar um barbeiro na sua casa, ela tem que levar o inseto até o posto de identificação de triatomídios, que é chamado PIT, para esse barbeiro ser examinado e saber se ele está contaminado ou não”, descreve.

Thallyta Vieira afirma que falta aos municípios um trabalho continuado do controle da doença de Chagas. “O que acontecido na realidade é que os municípios não possuem equipes (constantes) de controle de Chagas. Toda vez que troca o prefeito, muda a equipe de Chagas. E não há um repasse de informações”, relata a especialista. “A doença de Chagas continua sendo uma doença negligenciada, uma doença silenciosa”, disse a pesquisadora, lembrando que as pessoas mais afetadas pela enfermidade “são pessoas mais vulneráveis, que nâo têm voz”, completa.

Falta de informações

A pesquisadora Thallyta Vieira aponta que outra adversidade enfrentada em regiões endêmicas como o Norte de Minas é a desinformação à atual realidade da doença de Chagas. “Uma das dificuldades que enfrentamos é o mito de muitas pessoas acharem que não existe mais doença de Chagas na região, sendo que ela existe. A doença de Chagas foi descoberta em 1909. Estamos em 2025 e ainda não sabemos quem são as pessoas que têm Chagas. Ainda não sabemos como está a questão vetorial do barbeiro, onde tem barbeiro positivo, onde tem mais infestação”, afirma a bióloga.

“Não é possível que essa doença vai continuar vencendo depois de 120 anos de sua descoberta”, comenta o presidente da Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa, deputado Arlen Santiago (Avante), que articulou a audiência publica para discutir o aumento dos casos Doença de Chagas no municípios do Norte de Minas. “Nós temos que identificar e alocar recursos para que o Norte de Minas venha a ficar livre dessa doença terrível que mata tanto, que traz tanto sofrimento”, afirma o parlamentar, lembrando que em Espinosa foi criada até uma associação das pessoas contaminadas pela doença.

Santiago afirma que a Comissão de Saúde realiza uma articulação que entre a Fundação Oswaldo Cruz, a UFMG e a Unimontes para intensificar os estudos sobre a doença, o combate e a transmissão no Norte do estado. “A nossa meta é erradicar a doença de Chagas na região em 10 anos”, assegura o presidente da Comissão de Saúde da ALMG.

Pacientes acometidos pela doença

A faxineira Dinalva Pereira, de 55 anos, teve a vida alterada há três meses. Ela descobriu que tinha sido acometida pela Doença de Chagas. “Minha pressão estava muito alta. Estava me sentindo muito cansada. Não estava dando conta de trabalhar. Aí, fui no poso de saúde, onde o médico cardiologista descobriu que eu estava com a doença”, relata Dinalva.

Atualmente, Dinalva mora e trabalha em Montes Claros. Ela nasceu na localidade de Pedra Branca, na Zona Rural de Porteirinha (na mesma região). Na infância morou em casas com paredes de pau-a-pique e de adobe, consideradas “habitat" do barbeiro, transmissor da doença.

A faxineira nasceu em uma família de 13 irmãos. Dinalva conta que outros três irmãos dela também foram diagnosticados com a doença de Chagas: Claudia, recebeu o diagnostico quando tinha 13 anos; Altamiro, diagnosticado aos 13 anos; e Sebastiao, que tomou conhecimento da contaminação há quatro anos. Claudia, hoje, mora em São Paulo enquanto Altamiro e Sebastião continuam no lugar de origem da família, na Zona Rural de Porteirinha

Dinalva disse que continua buscando tratamento e que está muito preocupada sem saber se terá condições de se manter no serviço de faxineira. “Estou aguardando a consulta com uma médica que vai avaliar os meus exames. Não sei dizer que se poderei trabalhar em serviço pesado”, declara a mulher. Ela tem receio de ter que receber um auxílio do governo para sobreviver.

Aposentado Antonio Evangelista Barbosa, contaminado pela doença de Chagas
Aposentado Antonio Evangelista Barbosa, contaminado pela doença de Chagas Luiz Ribeiro/DA Press

O aposentado Antonio Evangelista Barbosa, de 69 anos, convive com a Doença de Chagas há mais de 40 anos. Atualmente, ele é morador de Montes Claros, mas nasceu na Zona Rural do município de Pai Pedro, antigo distrito de Porteirinha.

Antonio conta que já morou em casa de parede de adobe, mas que também já dormiu em casa de pau-a-pique. “Eu trabalhava de vaqueiro e, muitas vezes, a gente saia para buscar o gado e se alojava em qualquer lugar, em 'casa de farinha', em casa de parede de enchimento”, recorda.

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O aposentado conta que descobriu que tinha sido contaminado pela doença transmitida pelo barbeiro ainda na juventude, ao fazer um exame, quando morava em Salinas. “O médico perguntou onde eu tinha morado e pediu para fazer o exame 'Machado Guerreiro' (teste para o mal de Chagas)”, revela Antônio.

Ele disse ainda que durante muitos anos fez o uso do Rochagan (medicamento usado para o controle da doença). “Atualmente, só tomo remédio para controle da pressão”, disse Antonio Evangelista, acrescentando que não apresenta outros sintomas decorrentes da enfermidade.

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