Além de componentes como a alta velocidade e a imprudência, acidentes de forma geral e principalmente aqueles envolvendo pedestres ganharam uma influência de peso, disseminada por praticamente toda a sociedade: o uso do telefone celular, tanto pelos condutores quanto pelos que estão a pé. “Especificamente sobre os motoristas, a probabilidade de um atropelamento fatal é maior quando o uso do celular é associado a uma velocidade também alta”, adverte o professor José Elievam Bessa Júnior, do Departamento de Engenharia de Transportes e Geotecnia da Escola de Engenharia da UFMG.
“Considerando que os usuários têm um tempo de percepção e reação (para iniciar a frenagem) que pode variar entre 1 segundo e 2,5 segundos, a distração com o celular (ou outro fator, como mexer no controle do rádio) é determinante para a ocorrência de um atropelamento”, descreve o especialista. “É preciso buscar soluções, como a fiscalização e a conscientização dos usuários (motoristas e pedestres) acerca dos riscos. Muitos dos acidentes são evitáveis, o que eleva a responsabilidade de todos os envolvidos, inclusive do poder público”, complementa.
Imprudente liberado e outra vítima morta
Enquanto estudiosos listam fatores de risco, quem já perdeu pessoas queridas em atropelamentos cobra do poder público providências para conter os abusos. “É preciso maior fiscalização das autoridades para impedir a alta velocidade e a imprudência no trânsito”, defende a gerente comercial Kátia Patrícia Rodrigues Silva, filha do aposentado Caetano Vieira da Silva, de 81 anos, que não resistiu após ser atingido por uma motocicleta cujo piloto transitava pela contramão, em alta velocidade, empinando a moto e com carteira de habilitação vencida.
O condutor foi detido, mas, por ser primário, foi liberado pela Justiça. Já o aposentado sofreu traumatismo cranioencefálico e vários outros ferimentos. Socorrido pelo Corpo de Bombeiros e levado para a Santa Casa de Montes Claros, ficou internado por oito dias. Recebeu alta, mas dias depois seu quadro se agravou novamente em decorrência das sequelas do acidente. Caetano morreu em 14 de julho.
“Meu pai era um homem muito ativo. Resolvia tudo aqui em casa e gostava de folia. Agora, a gente sente uma dor que não passa nunca. É muito ruim essa sensação de que ele nunca voltará mais. Não queremos que isso aconteça com outras famílias”, lamenta Katia Patrícia, clamando por justiça.
Em Montes Claros, cidade de 414,3 mil habitantes onde o aposentado foi atropelado, foram registrados 236 acidentes do tipo em 2024, com média de 20 por mês, de acordo com as estatísticas do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu).
É possível prevenir?
Para a prevenção e redução das mortes por atropelamentos de pedestre, é preciso adotar intervenções conjugadas, orientam especialistas. “É preciso buscar soluções integradas, que envolvam técnicas de análise adequadas – de engenharia, de urbanismo, etc. –, além de educação no trânsito para motoristas e pedestres, de todas as idades, fiscalização, controle da velocidade e investimento em infraestrutura”, enumera o professor José Elievam Bessa Júnior.
“Um caminho em que acredito muito é no investimento em mobilidade ativa”, afirma o especialista da UFMG, referindo-se a um conceito que envolve deslocamentos não motorizados e citando como exemplos Fortaleza, no Brasil, e as cidades de Bogotá (Colômbia) e Paris (França).
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Para o presidente da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), Antônio Meira Júnior, a prevenção das mortes por atropelamentos passa por um conjunto de ações coordenadas. “A primeira delas é a redução da velocidade nas vias urbanas. Também é fundamental investir em infraestrutura segura, como faixas de pedestres bem localizadas, iluminação adequada e sinalização clara”, lista.
O dirigente da Abramet lembra que o limite ideal de velocidade para evitar os atropelamentos é de 30 km/h em áreas de grande circulação de pedestres, como zonas escolares, bairros residenciais e centros comerciais. “Radares e redutores de velocidade também são ferramentas importantes para garantir o respeito aos limites. Além disso, campanhas educativas e fiscalização ativa contribuem para formar uma cultura de respeito ao pedestre e à vida”, completa Antônio Meira Júnior.
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“Ao forçar a redução da velocidade, seja por medo da multa ou pela presença física de lombadas, os condutores passam a respeitar mais as regras de trânsito. Isso salva vidas, principalmente em regiões com grande fluxo de pedestres”, destaca. “Não se trata de penalizar o motorista, mas de criar um ambiente urbano mais seguro para todos, especialmente os mais vulneráveis”, conclui o especialista.
