Mulher ameaçada tampa o rosto -  (crédito: Pixabay)

Nos primeiros encontros, os agressores não reconhecem o que fizeram como violência

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Uma pesquisa, feita a partir de encontros de grupos reflexivos para homens autores de violência doméstica, mostra que a infância dos agressores também foi marcada por violência e abusos dos pais contra as mães. O estudo é do investigador da Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) Cleber Giliard Rodrigues Miranda, que trabalha com esses grupos em um espaço de apoio às mulheres em Juiz de Fora, na Zona da Mata.

Os encontros são desenvolvidos desde julho de 2022, e, no total, já foram feitos 18 grupos com aproximadamente 150 homens. As reuniões acontecem semanalmente. Miranda
explica que a ideia da pesquisa surgiu ao perceber que não havia tratamento para os agressores e a ocorrência de muitas reincidências.

“Não sabíamos direito como tratar esses agressores. Em 2020, foi incluída na Lei Maria da Penha, a obrigatoriedade dos agressores participarem do grupo reflexivo. Com essa obrigatoriedade, fiz o processo seletivo para o mestrado para pesquisar esses grupos que seriam implementados na cidade.”

Atualmente, ele trabalha no Núcleo de Atendimento à Ocorrências de Maus-Tratos aos Animais em Juiz de Fora, mas atuou por 12 anos na Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher (Deam). O investigador é pesquisador e mestrando do programa de pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

Miranda comenta que antes de serem encaminhados para os grupos reflexivos de forma compulsória, parecia que os autores de violência doméstica se sentiam impunes. “Reincidiam e achavam que nada ia acontecer.” Atualmente, segundo ele, a Maria da Penha prevê que o não comparecimento às reuniões é passível de notificação ao Judiciário e os agressores podem ser presos.

 

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Mudança de percepção

O investigador explica que a percepção dos agressores, em relação ao crime que cometeram, muda conforme os encontros avançam. “Já estamos no 18° grupo. Percebemos, em todos até hoje, que nos primeiros encontros, eles não reconhecem a violência. É como se ela fosse algo muito naturalizado. Eles usam muito o discurso de que não sabem porque estão ali, que estão se sentindo injustiçados”, afirma.

De acordo com Miranda, neste primeiro momento, os homens não acreditam que suas atitudes sejam consideradas violência.

“Percebemos que eles não encaravam aquilo que praticavam como violência. São 12 encontros semanais, com duração de cerca de uma hora e meia. Cada grupo tem uma duração de três meses. Após o fim das reuniões, os homens são acompanhados por mais um ano pela equipe, para verificar se houve reincidência”, detalha.

Outra coisa que chama atenção, neste caso, é que os agressores têm idades que variam de 18 a 70 anos e pertencem a diversas classes sociais e raças.

Após alguns encontros, o pesquisador diz que os frequentadores começam a fazer o que chama de “pacto da masculinidade”. “Começam a ficar amigos entre si e mais relaxados nos encontros. É um momento em que aproveitamos para poder dar a oportunidade deles falarem sobre seus sentimentos. Para que esses sentimentos que ficam internalizados não saiam de forma violenta. Eles começam a se abrir e ‘baixar a guarda’”.

Em cada encontro é apresentado um tema. Na primeira parte da reunião, a equipe - formada por ele, que tem graduação em Ciências Sociais, uma advogada e uma psicóloga - faz uma apresentação teórica, com dados e depois, abre para discussão.

“Nos primeiros temas, abordamos o que é gênero e o que é violência de gênero. Eles começam a achar que tudo que se relaciona com gênero é sobre mulher ou comunidade LGBT e ficam meio ressabiados de poder opinar sobre isso. Depois, começam a perceber que estão envolvidos na questão do gênero e da violência decorrente dele e acabam ficando mais relaxados”, pontua.

Depois, os temas abordados passam a ser sobre o universo masculino, como direito à emoção. É aí que a percepção dos frequentadores começa a mudar.

“Eles começam a falar dessa construção do homem como aquele que não pode chorar, que tem que ser o provedor da casa. Dizem que aprenderam que ser homem é isso. E começam a desabafar.”

Em outro momento, a equipe discute sobre como a família pode ter influência na violência doméstica. “Muitos se reconhecem como vítimas de violência na primeira infância. Se reconhecem como vítimas dos homens da casa. O pai era agressor de suas mães ou violentador. Às vezes, não tinha violência física, mas havia moral, verbal e psicológica.”

Segundo o pesquisador, neste momento, os agressores passam a reconhecer que reproduzem essas violências.

“Muitos têm filhos e não querem fazer essa reprodução para seus filhos, para que não sejam como eles. É quando eles se emocionam. Achamos isso muito positivo, eles chegam muito ‘casca dura’ e, de repente, estão se emocionando e passam a falar de suas frustrações”, relata.

Violência sexual e preconceito

Outro tema abordado nos encontros é a violência e os crimes sexuais. “O objetivo desse e de todos os outros é falar da mulher enquanto vítima. Mas, a maioria deles (agressores) começa a falar que já sofreu assédio e violência. Aí fazemos o questionamento de por que eles não denunciam. Alguns dizem que não fazem por temer descrédito por parte dos agentes no momento de registrar a ocorrência ou de serem motivo de chacota por parte dos amigos.”


Se o autor do assédio for outro homem, segundo o pesquisador, alguns dizem que têm medo de acharem que ‘deram mole’ ou que são homossexual. Diante dos relatos, Miranda diz que foi em busca de registros de ocorrências de homens relatando assédio e não encontrou. “Eles realmente não registram.”

Miranda explica que não houve reincidência em nenhum dos grupos até agora. Mas o resultado ainda é preliminar. “O primeiro grupo completou um ano agora em setembro. Ainda não fizemos a contabilidade para ver se teve reincidência total. Em princípio, não teve nenhuma, mas não podemos cravar.”

Mesmo assim, eles consideram que o objetivo do programa está sendo cumprido.