Antes de morrer, Rafaela fez denúncias de episódios de assédio e abuso sofridos por ela em delegacia -  (crédito: Reprodução)

Antes de morrer, Rafaela fez denúncias de episódios de assédio e abuso sofridos por ela em delegacia

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Acontece nesta segunda-feira (27/11) a audiência preliminar contra o delegado Itamar Cláudio Neto, que trabalhava na mesma delegacia da escrivã Rafaela Drummond, de 32 anos, que tirou a própria vida no início de junho deste ano. O delegado é acusado de condescendência criminosa. Quando um superior deixar, por indulgência, de responsabilizar um subordinado que cometeu infração no exercício do cargo ou, quando lhe falte competência, não levar o fato ao conhecimento da autoridade que a tenha. Antes de morrer, Rafaela denunciou constantes casos de assédio moral e sexual que vinha sofrendo de colegas, e do próprio delegado, da Delegacia de Carandaí.

Em setembro, treze dias depois da finalização do inquérito que apurou as causas da morte da escrivã foi finalizado, o Ministério Público de Minas Gerais enviou o caso ao Juizado Especial Criminal de Carandaí, cidade em que os fatos aconteceram. O encaminhamento do caso para o juizado especial e não para a Justiça comum gerou revolta na família da servidora. Isso porque, como penalidade ao crime que está sendo acusado, o MPMG propôs ao delegado uma transação penal. Nesse caso é colocado ao réu uma forma de acordo de pena alternativa imediata. Após o tempo determinado pelo órgão o caso é arquivado.

Antes de morrer, Rafaela enviou diversos áudios para amigos e familiares relatando a rotina de trabalho conturbada na qual vivia. Entre as denúncias estão as de assédio moral e sexual. Tanto o celular de Rafaela quanto vídeos enviados por ela aos amigos começaram a ser periciados pela Polícia Civil. Nos áudios obtidos pela investigação, a escrivã relata, ainda, situações de perseguição, boicote e até uma tentativa de agressão física por parte de um colega de trabalho. Em uma das mensagens, ela explica que não queria tomar providências em relação aos fatos por medo.

"Não quis tomar providência porque ia me expor. Isso é Carandaí, cidade pequena. Com certeza ia se voltar contra quem? Contra a mulher. Eu deixei, prefiro abafar. Eu só não quero olhar na cara desse boçal nunca mais", narra.

Em outra gravação, a escrivã disse estar cansada dos episódios, que se mostravam recorrentes. Os áudios teriam sido enviados em fevereiro, quatro meses antes da morte de Rafaela. "Eu nem contei para vocês, porque, sabe, umas coisas que me desgastam. Quanto mais eu falo, mais a energia volta. Fiquei calada. Fiquei quieta, na minha, achando que as coisas iriam melhorar. Eu não incomodo muita gente, mas, enfim, agora chega", diz Rafaela, na gravação.

Quatro meses depois da morte da filha, o pai de Rafaela acredita que seu suicídio foi provocado pelos constantes assédios sofridos por ela na delegacia de Carandaí, onde estava lotada. “É importante provar que eu entreguei a minha filha 100%, psicológico, toda entusiasmada, querendo viver, querendo vencer, querendo fazer prova para delegada e depois juíza. E de repente, eles me entregaram a minha filha morta, me entregaram a minha filha doente, daquele jeito. A minha filha ficou doente lá dentro.”

Afastamento

No inquérito, a Polícia Civil também indiciou o investigador Celso Trindade de Andrade pelo crime de injúria. No entanto, o processo contra ele será descontinuado e arquivado, já que o prazo para que se dê entrada judicial em crimes contra a honra, como a injúria, é de seis meses. A investigação apontou que os fatos ocorridos entre Celso e Rafaela aconteceram em 2022.

Celso e o delegado Itamar foram citados pela vítima. Nos áudios vazados, que foram gravados pelo celular de Rafaela, ambos são citados como prováveis autores dos assédios sofridos por ela.

Primeiramente, ambos foram realocados para uma delegacia em Conselheiro Lafaiete. Mas, após novos fatos que surgiram na investigação, como a inclusão de uma nova testemunha dos assédios, que estaria trabalhando na nova cidade dos servidores, eles foram novamente transferidos.

O delegado Itamar estava lotado na Delegacia de Belo Vale, e o investigador Celso foi enviado para a Delegacia de Congonhas. Este segundo, no último dia 18, pediu uma licença médica de 60 dias. O motivo não foi divulgado.

Investigações particulares

Mesmo com a conclusão do inquérito que apurou as causas de sua morte, a família de Rafaela decidiu contratar uma empresa especializada em investigações criminais forenses para apurar o caso. Para Aldair, pai da escrivã, pode ser que haja alguma informação que, para os investigadores, “não foi importante”, mas que tenha relevância para os familiares.

“Eu acredito que possa ser que tenha algumas outras informações que para a Polícia Civil não foi importante, ou seja, que para a corregedoria não foi importante para o caso, mas que para o pai é relevante. Por isso eu vou fazer a perícia, que as vezes eles não acharam conveniente por isso na época, em relação ao que aconteceu, o assédio sexual.”

Eduardo Llanos, responsável pelas investigações, explica que as apurações serão feitas a partir de três vertentes: da análise do celular; da análise das condições psicológicas da vítima e do processo, já concluído. Assim, os trabalhos serão voltados para tentar descobrir e entender o que levou ao adoecimento mental da escrivã.

“Vamos analisar se alguma coisa não foi colocada, se de fato não foi colocada nós vamos entender ou apurar o motivo pelo qual não foi colocada no processo. Ou seja, vamos ver se houve ocultação de prova existente do aparelho celular”, afirma Llanos.

Uma das vertentes a ser trabalhada na nova investigação é a psicologia forense. Conforme Llanos, as apurações nesse quesito tem o objetivo de entender a evolução do estado mental de Rafaela. “Vamos determinar, especificamente, se a vítima foi progredindo dentro da sua instabilidade psicológica. O que trouxe como consequência esse aumento de instabilidade, e quais seriam as fontes que provocaram essa situação. Quando eu falo fonte, eu falo de stress no trabalho, de maus tratos psicológicos no trabalho, de assédio moral, assédio sexual e assim por diante”.

De acordo com o responsável pela perícia particular, assim que finalizadas as investigações será confeccionado um laudo, que será entregue ao Ministério Público. O órgão então será responsável por avaliar as informações contidas no documento e decidir se irá, ou não, abrir uma nova denúncia.