Herança

Posso deixar herança para meu pet? Veja o que a lei diz no Brasil

A história do idoso que deixará fortuna para quem adotar sua gata levanta a dúvida: como garantir o futuro do seu animal por meio de um testamento?

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A preocupação com o destino de um animal de estimação após a partida de seu tutor é um sentimento real e cada vez mais comum. Para muitos, cães e gatos não são apenas companhia, são membros da família.

Diante desse laço afetivo profundo, surge a pergunta: é legalmente possível deixar uma herança para garantir que seu pet continue recebendo o mesmo cuidado e carinho? A resposta direta, sob a ótave da legislação brasileira, é não. Animais não podem figurar como herdeiros em um testamento.

No entanto, essa negativa inicial não significa que não existam caminhos para assegurar o bem-estar do seu companheiro de quatro patas. O direito brasileiro, embora não reconheça animais como sujeitos de direito aptos a receber patrimônio, oferece mecanismos inteligentes e eficazes dentro de um testamento.

É possível estruturar uma disposição de última vontade que, na prática, blinde o futuro do seu pet, garantindo que ele tenha um novo lar e que o novo tutor receba os recursos necessários para cobrir todas as suas despesas ao longo da vida.

O status jurídico dos animais e o testamento

Para compreender a impossibilidade de um pet herdar bens, é preciso entender como a lei brasileira os enxerga. Atualmente, os animais são classificados juridicamente como "bens semoventes", ou seja, são considerados propriedades que se movem por conta própria.

Embora existam inúmeras leis que os protejam contra maus-tratos e um crescente movimento para reconhecê-los como seres sencientes (dotados de sentimentos), eles não possuem personalidade jurídica. Apenas pessoas físicas e jurídicas (empresas, fundações) podem ser titulares de direitos e obrigações, como o de receber uma herança.

Dessa forma, nomear seu cachorro "Toby" ou sua gata "Mimi" como beneficiário direto de um apartamento, de uma quantia em dinheiro ou de qualquer outro bem em seu testamento terá um efeito nulo. A cláusula será considerada inválida e não produzirá o efeito desejado, o que pode gerar incerteza e disputas entre os demais herdeiros sobre o destino daquele patrimônio.

É fundamental entender a estrutura de um testamento. A lei divide a herança em duas partes quando existem os chamados "herdeiros necessários", que são os descendentes (filhos, netos), os ascendentes (pais, avós) e o cônjuge ou companheiro. Metade de todo o patrimônio, conhecida como "legítima", é obrigatoriamente destinada a eles. A outra metade, chamada de "porção disponível", é a fatia que o testador pode destinar livremente para quem desejar, seja um amigo, um parente distante, uma instituição de caridade ou, de forma indireta, para o cuidado do seu animal.

A solução legal: a nomeação de um tutor com encargo

O caminho mais seguro e juridicamente válido para proteger seu pet é através de uma disposição testamentária conhecida como "legado com encargo" ou "herança com encargo". Na prática, o testador utiliza sua porção disponível para beneficiar uma pessoa de confiança, mas atrela o recebimento desse patrimônio a uma condição específica: a de cuidar do animal de estimação.

É possível estruturar uma disposição de última vontade que, na prática, blinde o futuro do seu pet.
É possível estruturar uma disposição de última vontade que, na prática, blinde o futuro do seu pet. Canva

Funciona da seguinte maneira: em seu testamento, você elege uma pessoa (o "legatário" ou "herdeiro testamentário") que receberá um bem ou um valor determinado. Ao mesmo tempo, você estabelece a obrigação (o "encargo") para essa pessoa de cuidar do seu pet pelo resto da vida dele. Essa pessoa pode ser um amigo, um familiar ou alguém que você saiba que tem afeto pelo seu animal e condições de criá-lo.

O texto no testamento pode ser detalhado. É possível especificar o valor mensal a ser gasto com o animal, indicar o veterinário de preferência, detalhar o tipo de ração, a frequência dos passeios e até mesmo prever despesas extraordinárias com saúde. O montante deixado para o cuidador deve ser pensado para cobrir todos esses custos e, muitas vezes, serve também como uma forma de compensação ou gratidão pela responsabilidade assumida.

Caso a pessoa designada para receber o legado e o encargo não cumpra a obrigação de cuidar do animal, os demais herdeiros ou até mesmo o Ministério Público podem acionar a Justiça para exigir o cumprimento da condição ou até mesmo a revogação do legado. Isso significa que o cuidador perderia o direito ao patrimônio recebido, que seria então redistribuído entre os outros herdeiros. Essa é uma garantia poderosa de que sua vontade será respeitada.

Estruturando o plano de cuidado no testamento

Para que essa estratégia funcione sem brechas, alguns passos são recomendados. O primeiro é ter uma conversa franca com a pessoa que você pretende nomear como tutora. É essencial que ela esteja ciente e de acordo com a responsabilidade antes de ser surpreendida pela leitura do testamento. Ter um "plano B", ou seja, nomear um segundo tutor substituto caso o primeiro não possa ou não queira aceitar o encargo, é uma medida prudente.

A escolha do patrimônio a ser deixado também é estratégica. Pode ser um valor em dinheiro, um imóvel cujo aluguel sirva para custear as despesas do pet, ou qualquer outro bem que componha a porção disponível da sua herança. É crucial que o valor seja suficiente para cobrir realisticamente os gastos com o animal ao longo de sua expectativa de vida. Leve em conta custos com alimentação de qualidade, saúde (consultas, vacinas, emergências), higiene e bem-estar.

Outra possibilidade é nomear uma pessoa como "testamenteiro", que será o responsável por fiscalizar o cumprimento do encargo. Ele pode ser um advogado de confiança ou outro herdeiro, e sua função será a de garantir que o animal está de fato recebendo os cuidados determinados no documento.

Planejar o futuro do seu animal de estimação é um ato de amor e responsabilidade. Embora a lei não permita que ele seja seu herdeiro direto, ela fornece as ferramentas necessárias para que você garanta a ele uma vida longa, saudável e feliz, mesmo na sua ausência. A consulta com um advogado especializado em direito sucessório é o passo mais indicado para redigir um testamento claro, seguro e que traduza fielmente seus desejos, protegendo quem sempre esteve ao seu lado de forma incondicional.

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