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O Sr. é uma liderança do Ministério Público Federal, onde atua por mais de 10 anos como subprocurador-geral da República, foi vice-procurador geral da República e vice-presidente do Conselho Superior do MPF. Sua atuação no MP antecede a Constituição Federal de 1988. Quais os principais avanços na atuação do Ministério Público após a CF/88 ? O fato do MP ter sido alçado a uma espécie de quarto poder pode ser a causa de alguns excessos, como no caso da “lava-jato”?


O Ministério Público Federal e o Ministério Público como um todo passou por uma grande reformulação a partir da Constituição de 1988. Quando ingressei no Ministério Público Federal em 1984, a procuradoria-geral da República acumulava as atribuições de advocacia-geral da União com as funções de Ministério Público. Era um modelo muito antigo, que vinha desde a Primeira República e funcionou bem por algum tempo. No entanto, a experiência e a necessidade foram mostrando que essas duas funções — a defesa do Estado e a defesa da lei e do Ministério Público — se distinguiam.


Havia uma mentalidade antiga, principalmente vinda da Primeira República, que confundia o interesse do Estado, o interesse público e o interesse da lei. Daí que derivam certas regras hoje anômalas, como prazos em dobro para a parte pública em detrimento da parte privada em vários casos, etc. Isto vem da visão de que o Estado é melhor e mais importante e um erro de visão também de que o cidadão é que deve servir ao Estado e não o Estado ao cidadão fruto de uma confusão entre Nação e Estado.


Mas nosso amadurecimento democrático e constitucional demonstrou, pela experiência, que não é assim: existem ações de governo e ações de Estado. Nos países com organização política parlamentar, seja ela republicana ou monárquica, sempre há a figura do primeiro-ministro. Ele cuida dos assuntos do momento, do dia a dia, dos assuntos circunstanciais, da atividade política e de governo. O monarca ou o presidente da República, nesse regime, representa o Estado. Portanto, o Ministério Público e o Judiciário não devem estar ligados ao governo, mas sim a interesses mais permanentes, como a aplicação e a interpretação da lei, a defesa do interesse público e a promoção da justiça como um todo.


Isto levou a uma maturidade na Constituinte para separar essas duas atividades e assim o Ministério Público assumiu as características que possui hoje. A partir da década de 1970, todas as instituições passaram por um grande processo de amadurecimento e aquisição de experiência. Vejo isso pela minha geração: eu e meus colegas de concurso ingressamos em 1984, passando por todas essas fases. Hoje, temos procuradores com muitos anos de carreira, todos com uma vasta experiência acumulada. A própria instituição do Ministério Público, em sua configuração atual, também acumulou muita experiência, superou vários problemas e dificuldades e passou por diversas experiências e amadurecimentos.


A instituição também recebeu críticas e adaptações, o que é normal. Tivemos grandes avanços e conquistas. O Ministério Público saiu um pouco do espectro exclusivamente criminal e começou a atuar em outros campos, principalmente de acordo com a necessidade dos tempos. Hoje, temos questões ambientais muito importantes e uma visão ampliada de direito e democracia, que se descola dos parâmetros de outros tempos. Isso é normal: há um crescimento, uma evolução e uma maturidade. As instituições também aumentaram em eficiência, reorganizaram-se, melhoraram sua capacidade de trabalho e de atuação, sempre com o intuito de servir melhor e atingir seus fins da melhor maneira possível.


Esses avanços ocorreram principalmente na figura da independência do Ministério Público. Antes de 1988, o procurador-geral e até mesmo os promotores eram indicados pelos governantes. Hoje, há um sistema de escolha que garante ao Ministério Público mais independência e liberdade para atuar.


É normal que, em todas as instituições, existam excessos, omissões e falhas. Isso faz parte da natureza humana. Para isto existem os órgãos internos e externos de controle de vários matizes. Todos nós cometemos alguma falha por inexperiência ou excesso de zelo, mas sempre com a intenção de acertar, e aprendemos com nossos próprios erros. Isso é normal na vida e nas instituições.


A lava-jato, por exemplo, foi um fator que envolveu o Ministério Público, o Judiciário e vários outros órgãos em diversos níveis, como em qualquer processo ou investigação, houve muitos acertos e podem ter ocorrido falhas. Para isso, existem os órgãos de controle e as instâncias revisoras que atuam, o que também é normal.


No final, o que vejo é um ganho muito grande para a instituição e para o Judiciário. Todos estão vivenciando essas experiências, e a tecnologia, quando surge, interfere no processo. Estamos agora com a inteligência artificial e os computadores, coisas que não existiam no passado, o que nos permite avançar em certos campos que antes não conseguíamos.


O resultado final é muito bom e muito favorável, e no fundo, tudo isso acaba fortalecendo a democracia, as instituições e a própria dinâmica da sociedade. Problemas sempre teremos — é a vida. O importante é trabalhar bem e com retidão de intenção, para sempre oferecer o melhor serviço e o melhor resultado para as instituições e para o país e para cada cidadão.


Por falar em “lava-jato”, à época se tornaram comuns as delações premiadas, as quais, hoje, já não se vê com a mesma intensidade. O que ocorreu? O MP se viu desestimulado pelo cancelamento de quase todas as delações daquela época?


A delação premiada é uma ferramenta investigativa de grande interesse, essencialmente inspirada no modelo norte-americano. Nos Estados Unidos, existe a figura do plea-bargaining, um instrumento amplamente utilizado pelo Ministério Público em que o promotor negocia a pena em troca da confissão ou de informações que permitam uma investigação mais aprofundada em organizações criminosas.


Esse modelo americano foi, de certa forma, importado para o Brasil. Contudo, essa técnica não fazia parte do nosso sistema jurídico tradicional, que é de origem romano-germânica e sempre priorizou a indisponibilidade da ação penal, ou seja, o promotor é obrigado a fazer a denúncia que é inegociável. No sistema americano, que privilegia mais a vontade individual e é menos estatizado, o promotor possui maior flexibilidade para negociações, e a delação premiada se encaixa nesse contexto.


Ao importar essa técnica, acabamos trazendo um instrumento sem a totalidade de sua sistemática e contexto de origem e sem termos também uma tradição de sua aplicação. Como a delação premiada não fazia parte de nossa tradição ou histórico, foi natural que algumas distorções acontecessem em sua aplicação, inclusive por uma falta de compreensão histórica do modelo. Com isso, tivemos alguns erros, excessos e falhas.


No entanto, não há razão para se ter uma "indústria de delações". Trata-se de uma ferramenta a ser utilizada na investigação, e já houve um grande amadurecimento nesse tema. O instituto foi amplamente criticado e judicializado, e o Judiciário teve a oportunidade de se manifestar e consolidar entendimentos sobre ele. O fato de o número de delações ter diminuído hoje não é significativo, pois, como já dito, a delação é apenas mais uma técnica ou ferramenta de investigação. Não deve haver uma "caça" ou "indústria" de delações. Se ela se mostrar interessante e necessária, deve ser utilizada.


A notoriedade e o "ar de novidade" da delação já passaram, e houve um amadurecimento significativo no formato, no modelo e na forma de utilizá-la. A delação premiada está definitivamente incorporada ao nosso direito e ao nosso processo investigativo, como tudo, pode pode ser melhorada. Todos já reconhecem que é uma ferramenta muito interessante e que auxilia consideravelmente nas investigações. Não continuaremos fazendo delações em grande escala, mas as utilizaremos sempre que for conveniente e necessário, com as modulações e os balizamentos legais cabíveis com vistas a uma boa investigação criminal.


É um instituto e uma ferramenta muito interessante, importada do modelo americano, e que possui grande validade. Ainda temos, inclusive, um pouco a aprender com o modelo americano sobre essa ferramenta, que é muito útil.

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