O frango caipira ocupa as atenções no estabelecimento da empresária Glauciene Ávila Reis  -  (crédito: leandro couri/em/d.a press)

O frango caipira ocupa as atenções no estabelecimento da empresária Glauciene Ávila Reis

crédito: leandro couri/em/d.a press

 

A cozinha e o turismo por Minas Gerais seguramente são uma união infalível de prazer, sabor, encantamento e história. Juntos, revelam a identidade mineira de forma peculiar e rica. O Senac em Minas e a Associação Circuito Turístico das Grutas (IGR Grutas) fecharam uma parceria que fez nascer uma pesquisa inédita: “Primórdios da Cozinha Mineira” que, atrelada a viagens por 15 municípios que compõem a "Rota do Frango", implementará um circuito gastronômico e turístico ainda mais potente em negócios e culturalmente.


O projeto, resultado de 88 entrevistados empreendedores, 1.079 minutos de áudios, mais de 600 fotos, relatório e 45 dias em campo, tem a missão de fortalecer e integrar o turismo por meio da valorização da gastronomia local, com 38 restaurantes participantes da "Rota do Frango". De posse de todo o conteúdo da pesquisa, o programa agora partirá para a capacitação e, posteriormente, será lançado oficialmente.


O chef Edson Puiati, diretor de Hospitalidade e Gastronomia do Senac em Minas Gerais, destaca que “a iniciativa da parceria com a Associação Circuito Turístico das Grutas desvenda a cultura gastronômica da região e apresenta sua gastronomia como resultado de uma história alimentar pouco conhecida, que guarda um importante capítulo da identidade da cozinha mineira vista a partir do sertão das Gerais.
Muitos segredos e novidades surpreendentes estão sendo desvendados. Além dos registros dessa história alimentar, os achados serão apresentados como potenciais elementos de fortalecimento da renda e valor à cadeia produtiva, por meio da qualificação gratuita dos envolvidos e, consequentemente, a valorização e a potencialização dos produtos e serviços para o mercado”.


Puiati destaca que, pela primeira vez, quebra um modelo existente de atender demandas pontuais e dentro de suas unidades, e propõe um projeto piloto como sua iniciativa, trabalhando o turismo de forma ampla: “A proposta é despertar nestes 38 restaurantes nos 15 municípios a importância do seu modo de fazer, fortalecê-los, que saibam se valorizar e reconhecer que são parte da identidade originária de um povo. Eles margeiam a BR-040, sendo o polo Lagoa Santa e Sete Lagoas, e outras cidades mais afastadas. Minas tem biomas diferentes, com temperaturas, povos e modos distintos. E o modo de fazer, de preparo, é o DNA da cozinha. E entre os 38 participantes, acreditem, não tem um frango preparado da mesma forma. Do assado, ao com molho de cebola e pimenta, passando pelo com farofa, enfim, uma diversidade de receitas que impressiona. Assim, com esta riqueza, preparamos a Rota do Frango, ainda sem data para ser lançada, só depois de toda a capacitação da cadeia”.


Vani Pedrosa, a gerente de Projetos Especiais do Senac em Minas Gerais, conta que na pesquisa “identificamos as características de cada cidade, como tipo de carnes consumidas, frutas mais comuns, legumes, assim como verduras antigas em uso, bebidas e sobremesas”. E por meio da história, ela explica que o circuito beneficiará todo o entorno, promovendo “a tradição do frango caipira, que carrega questão afetiva e cultural”. “Muitos não sabem o nome do restaurante, mas dizem que vão parar na BR-040 ‘naquele restaurante do frango com quiabo’, o prato e o nome do estabelecimento; como dando destaque também para o frango de granja, promovendo o crescimento industrial”.

Vani revela que, pela pesquisa, descobriu-se que na Região dos Diamantes e do Ouro, no período colonial, o caminho nesta região era do gado. Sem a subsistência mineradora, criava-se gado e bezerro para corte e couro. Enraizou-se a carne bovina, Santa Luzia era o ponto de recepção, centro de abate, e o que tinha para comer era o frango: “O frango se tornou a estrela, herança afetiva, de preservação da história e de ingredientes, como a mini cebolinha e cactos como acompanhamentos. Nesta rota, a capacitação também servirá para que entendam o que o frango significa, como sentimento cultural, gastronômico, turístico que, com a pesquisa, descortinou o valor econômico”, destaca Vani.


Chef Puiati planeja que, depois da Rota do Frango, é possível que outras sejam implementadas em parceria com as associações sem fins lucrativos e sem cunho político: “Minas tem 47 circuitos, portanto, é factível de gestão. A Rota do Frango nasceu de uma das seis rotas da Associação Circuito Turístico das Grutas e a ideia é amadurecer outras. Cada território tem uma particularidade. Tem o pequi, os frutos do cerrado, a carne de sol do Norte; as frutas e os queijos especiais da Mantiqueira, diferente dos produzidos na Canastra. A carne de porco da Região Central. Enfim, diversidade, ainda que semelhanças no modo de comer. E tudo isso norteado pela pesquisa "Primórdios", do Senac”.

 


COMIDA QUE RENOVA ENERGIAS

A partir dos resultados da pesquisa, o Senac fará, nos meses de abril e maio, capacitações e práticas para elaboração dos pratos. Durante o período, os empreendedores e funcionários dos restaurantes aprenderão sobre as boas práticas na manipulação de alimentos, desenvolvimento de técnicas e apresentação do prato, seleção de produtos, criação de novos pratos e bebidas, entre outros pontos, sempre preservando a identidade local.


“A capacitação engloba várias funções. Primeiro, entender o que é o frango, o que ele significa nesta rota, uma receita econômica com sentimento cultural. Agregá-lo ao turismo seja religioso, de eventos e patrimonial, os lugares que representam esta rota; e como o prato será apresentado de forma diferencial, com trabalho de design e artístico. Depois, a qualificação do serviço, do saber atender e apresentar o prato, o entendimento da visitação, o storytelling. Assim como a diversidade e exclusividade dos pratos, o histórico e a temporalidade deste aspecto, o frango com molho de ovo de tal fazenda, o com caldo da outra, o assado daquela outra. É uma capacitação customizada”, explica Vani Pedrosa.


Enfim, todo um trabalho em torno do frango, um dos símbolos da cozinha de Minas: “O frango é sinônimo de hospitalidade, da alma mineira, representa o encontro de domingo, das famílias, renova o encontro. E destaco o papel da gordura, que renova a energia das pessoas, que acolhe, aquece e herdou estes significados do europeu, dos portugueses. A canja, que é curativa, era o prato preferido de Dom Pedro I e Dom Pedro II. Herança impregnada em Minas Gerais somada a outro legado, o da ancestralidade, como o frango com quiabo, herança africana e o prato mais típico do estado, assim como outros pratos com ora-pro-nóbis ou cansanção”, destaca Vani Pedrosa.


FORTALECIMENTO DO TURISMO

Edson Puiati reforça que a iniciativa irá contribuir para o fortalecimento da Rota. “O Senac conta com produtos e serviços desenvolvidos para auxiliar e impulsionar os negócios do comércio de bens, serviços e turismo. Vamos contribuir para a valorização dos produtos locais, mantendo sua identidade.
E, por outro lado, teremos turistas mais satisfeitos com mais opções e qualidade”, resume. Conforme a Fecomércio, Minas Gerais encerrou 2023 em posição de destaque no setor de turismo no país, com crescimento de 15% em seu território, o maior entre os demais estados. A média brasileira foi de 6,9%.

Unidos venceremo

Restaurantes celebram iniciativa e acreditam que o fortalecimento da Rota do Frango irá aprimorar a divulgação da identidade gastronômica da região

Na terra de Guimarães Rosa não faltaria a comida mineira preparada no fogão a lenha, regada a um aperitivo, com sobremesas de dar água na boca tendo como cenário uma decoração que nos leva sertão adentro. Este espaço é o Restaurante Sarapalha, em Cordisburgo, na Região Central de Minas. A casa é liderada por Roberto Corrêa Goulart, de 70 anos, que gerencia o negócio da família com o apoio dos filhos. Ele conta que o frango é o carro-chefe da casa.
“Temos o frango caipira, feito na moda da avó, com temperos frescos e naturais, da horta de casa. O frango caipira é da nossa produção de subsistência, da roça mesmo”. Mas há outras versões: “Temos frango ao molho, um sucesso também, assim como frango xadrez, frango ao molho da casa (molho pardo), bife de frango, linguiça de frango, frango assado, frango ao molho de mandioca e bobó de frango”.
Quanto à Rota do Frango, ele imagina que vai aumentar o fluxo de turistas. “Espero que os clientes venham nos prestigiar, provar a comida. As expectativas são boas para o aumento do movimento, a possibilidade de reconhecimento e retorno do público, que é gratificante, além das boas prosas que podem surgir”.


RECEITA NA MEMÓRIA

Em Sete Lagoas, Glauciene Ávila Reis comanda o Restaurante Moinho há 17 anos, um sonho que nasceu simples, ao lado do marido, que ela perdeu em 2012, e segue sozinha, mas dando passos largos, com uma gastronomia que tem o frango como estrela. O grande protagonista é o arroz com frango, servido às segundas-feiras há quase duas décadas. “Ele entrou no cardápio quando abrimos o restaurante e está até hoje. O prato remete à minha infância, sabor caseiro, era servido aos domingos, nos dias de festas especiais, casamentos, na escola e tudo isso está na memória. Aprendi a receita com uma senhora que morava ao lado da casa da minha mãe e fazia o prato para eventos”.


Mas no Moinho há outros pratos com frango. Nos fins de semana, o frango caipira reina, mas divide espaço no cardápio com outras variações. “O ensopado acompanhado de arroz, tutu de feijão e salada de maionese, e o com quiabo servido com angu, couve, arroz e feijão. Temos também o estrogonofe com frango, o filé de frango grelhado e os roletes de frango recheados. Todos os dias temos três pratos feitos com frango”, conta Glauciene.


A dona do restaurante vê com bons olhos a chegada do projeto. “Fiquei feliz com o projeto. Vai valorizar nossa cultura gastronômica. Teremos apoio, incentivo e oportunidade. Estou animada, faremos a capacitação que sentimos falta e tudo isso irá nos fortalecer, nos tornar mais confiantes e nos ajudar a divulgar e expandir nosso negócio. Enfim, é maravilhoso”.


Também em Sete Lagoas, o Hotel Tulip Inn abraçou o projeto da Rota do Frango. O supervisor do estabelecimento, Frederico Maciel Xavier exalta a iniciativa: “Estamos lisonjeados e o projeto vai dar visibilidade para a nossa culinária, bem raiz, e valorizar a regionalização, nossa identidade, unindo várias regiões, os polos de empreendimentos e destacando pratos deliciosos e aprovados pelos mineiros e turistas”.


No cardápio do hotel há boas opções de pratos com frango. Frederico destaca o filé de frango à parmegiana, mas o campeão na preferência da clientela é o Supremo Grill, um filé de frango grelhado com legumes, cenoura, brócolis, abobrinha e couve-flor.


FUMAÇA DE PEQUI

Em Lagoa Santa, Marcelo Marques, proprietário do Boi Lourdes, acredita tanto na Rota do Frango que aposta que o projeto já deu certo. “É de extrema importância para o negócio, vai alavancar vários empreendimentos e estamos felizes por sermos convidados”.


O prato escolhido pelo restaurante para a Rota do Frango já está em desenvolvimento. “Há 20 anos, o frango com catupiry é o nosso prato carro-chefe. Portanto, é natural sua escolha como protagonista para o projeto. No entanto, faremos uma nova apresentação para o circuito”.


Marcelo conta que o prato deve vir acompanhado de ora-pro-nóbis e fumaça de pequi, um “casamento perfeito da tradição mineira com a inovação e criatividade gastronômica”, diz Marques.