Que o Julgamento de Nuremberg é o marco fundador do direito penal internacional, não há o que discutir. O que talvez poucos saibam é que o evento também é considerado o ponto de partida da tradução simultânea moderna, justamente o tema da exposição “1 julgamento, 4 línguas – Os pioneiros da interpretação simultânea em Nuremberg”, em cartaz na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a partir desta segunda-feira (9/11), às 19h.
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“Havia traduções simultâneas por aí, mas experiências com configurações muito estranhas”, explica a intérprete alemã Elke Limberger-Katsumi, curadora da mostra. “Nessas primeiras tentativas, todo o equipamento se baseava no telefone, multiplicando as saídas para que muitas pessoas pudessem ouvir. Mas isso não teve resultados satisfatórios. Não por causa do elemento humano, e sim porque a tecnologia simplesmente não era suficientemente boa, e ainda não haviam encontrado o método certo para trabalhar com isso”, acrescenta.
Foi o pesquisador franco-americano Léon Dostert (1904–1971), responsável por organizar a equipe de intérpretes em Nuremberg, quem concebeu um sistema novo, no qual cada profissional deveria traduzir apenas um idioma estrangeiro para sua língua materna. Conforme ele estabeleceu, os intérpretes precisavam ter acesso a documentos e tempo para preparação, e não deveriam traduzir as falas por longos períodos, mas de forma pausada e cadenciada.
“Ele próprio tinha sido intérprete pessoal de Eisenhower (militar norte-americano responsável por supervisionar a invasão do Dia D). Era linguista e foi quem inventou, por assim dizer, esse método que até hoje se mantém”, conta Elke.
Dostert não teve a chance de testar a nova dinâmica antes. O “teste de fogo” seria justamente o julgamento mais importante do século 20, e o sistema precisava funcionar, caso contrário, todo o tribunal colapsaria.
Expressões inéditas
Os desafios, contudo, foram muitos. Embora os recursos tecnológicos estivessem mais maduros do que nas décadas anteriores, ainda estavam longe da perfeição. Tudo dependia de cabos e, por isso, quilômetros deles se estendiam pelo chão do tribunal, fazendo as pessoas tropeçarem.
Os intérpretes trabalhavam em cabines com três profissionais cada, usando fones pesados e desconfortáveis, que causavam dores de cabeça, e microfones grandes, que precisavam ser passados de mão em mão.
“Eles tinham que passar o microfone para a frente ou para trás quando a língua mudava”, diz a curadora. “Por exemplo, numa cabine de inglês havia três pessoas: um intérprete de alemão para inglês, outro de francês para inglês e outro de russo para inglês. Quando o orador mudava de alemão para francês, o primeiro intérprete passava o microfone para o segundo. Foi uma operação muito cansativa e havia muito espaço para erros”, explica.
Os desafios linguísticos também eram enormes. Durante o regime nazista (1933–1945), os alemães desenvolveram uma linguagem própria, repleta de terminologias e neologismos desconhecidos dos intérpretes. Além disso, expressões relacionadas a elementos como câmaras de gás ou campos de concentração eram inéditas, ninguém jamais havia ouvido falar naquelas coisas.
“Nenhum deles viveu na Alemanha nazista – provavelmente teriam morrido se vivessem lá –, então todo aquele vocabulário era novo”, afirma a curadora.
Imagens e cartas
Se a tradução simultânea foi difícil para americanos e franceses, para os russos a situação era ainda mais crítica. “Durante a guerra, eles foram proibidos de ter qualquer contato com a língua alemã. Nunca aprenderam o que todas aquelas palavras significavam e tiveram muita dificuldade em acompanhar a terminologia e se preparar adequadamente para traduzi-las”, acrescenta Elke.
Tudo isso está documentado na exposição “1 julgamento, 4 línguas”, por meio de painéis, imagens de arquivo, notícias da época, fac-símiles de diários e cartas de intérpretes. A programação da mostra também contará com palestras e debates às segundas-feiras, sempre às 19h.
Grande parte das histórias e personagens apresentados foi redescoberta a partir do livro “The origins of simultaneous interpretation” (“As origens da tradução simultânea”, em tradução livre), da italiana Francesca Ga. Elke e colegas da Associação Internacional de Intérpretes de Conferência (AIIC) partiram das informações do livro e localizaram materiais inéditos sobre as pessoas citadas pela pesquisadora.
O objetivo da mostra, segundo Elke, é reconstituir a tensão sob a qual estavam os intérpretes e mostrar como resistiram à pressão. “Se alguém ouve hoje as gravações das traduções em Nuremberg, pode achar que eles eram muito lentos. Mas não é esse o ponto. O que queremos mostrar é que esses intérpretes – muitos entre 20 e 30 anos – sentaram-se diante de quem matou milhões de pessoas, ouviram e traduziram o que essas pessoas disseram, num método ainda inédito de tradução simultânea, e não colapsaram. Resistiram ao teste e foram bons colegas”, conclui.
"1 JULGAMENTO, 4 LÍNGUAS – OS PIONEIROS DA INTERPRETAÇÃO SIMULTÂNEA EM NUREMBERG"
Abertura nesta segunda-feira (10/11), às 19h, no foyer da Faculdade de Direito da UFMG (Av. João Pinheiro, 100, Centro). A exposição fica em cartaz até a 5 de dezembro. Visitação: d e segunda a sexta, das 9h às 21h. Entrada gratuita.
