Disco 'Minas', que completa 50 anos, é orgulho para quem participou dele
Nivaldo Ornelas, Toninho Horta, Wagner Tiso, Nelson Angelo e Mauro Senise, entre outros, destacam a importância do álbum de Milton Nascimento
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"O disco ‘Minas’ é um dos mais importantes da carreira do Milton, principalmente pela forma como foi preparado e construído e também pelo conceito absolutamente inovador na época, que se estende até os dias de hoje", afirma o saxofonista, flautista e compositor Nivaldo Ornelas.
O mineiro participou de 'Clube da esquina', 'Milagre dos peixes' e de 'Minas', que completa 50 anos em 2025. 'Este trabalho foi minuciosamente ensaiado e preparado, todos da banda do Milton contribuíram ativa e democraticamente para as ideias. É o ponto forte dele: ouvir todas as ideias. ‘Minas’, para mim, é um marco histórico na música popular brasileira", garante.
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As gravações eram uma festa, recorda. "Bituca gostava disso e nós também, porque o clima ficava ameno, com ambiente artístico favorável e isso era muito bom. Pelo menos duas canções foram apresentadas no estúdio, como ‘Trastevere’, por exemplo, que Milton terminou de compor lá", revela.
Nivaldo destaca uma contribuição importante para "Minas", que pouca gente conhece. "O pianista Tenório Jr., que desapareceu na Argentina no período do golpe militar lá, participou do álbum. Ele ficou muito feliz em participar do disco", relembra Nivaldo Ornelas.
• 'PENETRAÇÃO INCRÍVEL FORA DO BRASIL'
Toninho Horta
Cantor, compositor, guitarrista e violonista
“O álbum ‘Minas’ foi daqueles projetos de disco que mais me encantaram. Lembro que tive vontade de gravar o ‘Beijo partido’, fiz o arranjo, cantei e toquei piano. Tem muitos clássicos lindos no disco, como ‘Ponta de Areia’. Um disco muito sofisticado e com atenção toda voltada para o Bituca, pra voz dele. Acredito que este disco tenha influenciado muitas pessoas lá fora. Inclusive, logo depois teve aquela adaptação do grupo Earth, Wind and Fire de ‘Ponta de Areia’ e ‘Beijo partido’. O álbum teve uma penetração incrível fora do Brasil, tanto é que depois Bituca gravou com Wayne Shorter e em 1976 fui gravar com ele na Califórnia o disco ‘Milton’. Agradeço até hoje ao Bituca não só por ter gravado 'Beijo partido'. Quando viajamos para gravar o ‘Milton’, ele me deu as fitas para gravar o meu primeiro disco, ‘Terra dos pássaros’, cujas gravações de base começaram em 1976.”
• 'BITUCA JÁ VEM PRONTO'
Wagner Tiso
Pianista, arranjador e compositor
“Fiz arranjos para o disco ‘Minas’, que acho um dos melhores de Bituca. Fazer arranjo para ele é fácil, porque Bituca já vem quase pronto, é só colorir os tons. Conviver com ele foi sempre muito bom, fomos vizinhos quando éramos crianças. Sempre uma grande amizade e muitas descobertas de sons por toda vida. Parceiro sem igual.”
• O ELO COM “GERAES”
Nelson Angelo
Guitarrista, cantor e compositor
“Milton Nascimento, em continuidade a seu processo de registros autorais, no ano de 1975 acrescentou o LP ‘Minas’ a seu acervo fonográfico. Trabalho também muito marcante, feito em duas etapas, completando o nome do seu amado estado de Minas Gerais, ligado, propositalmente, numa visão de musicologia e cultura de um estado brasileiro. Participei do núcleo de criação e atuação, tocando e cantando em quase todas as faixas, no sistema criação coletiva. Desde os15 anos de idade até o presente momento, este genial artista se tornou meu amigo Bituca. Tive a felicidade de incluir, além do arranjo, a canção ‘Simples’ como a última faixa, que liga 'Minas” ao disco ‘Geraes’. Bituca me convidou para ficar ao seu lado quando foi colocar voz, em versão única e definitiva.”
• APRENDENDO COM A MINEIRADA
Mauro Senise
Flautista, saxofonista e compositor
“Foi uma honra participar do álbum ‘Minas’ de Bituca. Muita gente até me perguntava se eu era mineiro, porque Wagner Tiso foi quem mais me ajudou no começo da carreira. Tocava com ele, fazia muitos shows e gravava muito. Ele me levava para as gravações, porque estudei saxofone com Paulo Moura, que deu a maior força para o Wagner quando ele chegou ao Rio de Janeiro, colocando-o para fazer arranjos. Paulo me indicou para Wagner. O primeiro show que fiz com Bituca foi o ‘Milagre dos peixes’, porém eu tocava na orquestra. Havia o grupo Som Imaginário, o Nivaldo Ornelas, enfim, muitas feras. O ‘Minas’ foi quando estava mais ligado a Bituca, cheguei a fazer alguns shows com ele, mas aí na flauta. Foi maravilhoso participar do disco, aquela mineirada e eu ali, só aprendendo. Foi uma emoção participar com o Robertinho Silva, Wagner Tiso, Luiz Alves, Novelli. Que coisa, 50 anos... O disco poderia ser lançado ontem e pareceria atual, como tudo o que o Bituca sempre fez.”
• BELA PÁGINA DA MPB
Danilo Caymmi
Instrumentista, arranjador, cantor e compositor
“Não cheguei a participar do ‘Minas’, mas toquei todas aquelas canções na excursão de lançamento do álbum ‘Clube da esquina 2’. Foi incrível, com uma banda maravilhosa. O que me chama mais a atenção nesse disco é a gravação de ‘Beijo partido’, do Toninho Horta. Fora as músicas de Milton, como ‘Fé cega, faca amolada’. O improviso de Nivaldo Ornelas em ‘Beijo partido’ é maravilhoso. A impulsão de Novelli no contrabaixo ali para a entrada, para a preparação desse improviso, é uma das maiores e mais belas páginas instrumentais da MPB. Era um prazer enorme tocar essas músicas do Milton, inclusive ‘Ponta de Areia’, que eu e meu irmão Dori Caymmi tivemos a oportunidade de gravar também.”
• UM ABSURDO SONORO
Murilo Antunes
Poeta, letrista e escritor
“Sobre o disco ‘Minas’, logo me pula na memória ‘Gran Circo’, pelo inusitado, ninguém no mundo fazia música assim, nem letra. Eis que Bituca e Márcio Borges criam um curta-metragem sonoro, com crítica social e uma invenção absolutamente inédita. Não à toa, Marcinho se tornou uma das referências mais inteligentes e inspiradas da minha profissão. Assim como Ronaldo Bastos, poeta certeiro, inventor de canções inesquecíveis, com sua fé cega e a faca amolada cruzando as ruas do mundo até Roma, em ‘Trastevere’.
Por fim, Fernando Brant, com quem mais convivi. Deixo aqui uma lembrança absolutamente inesquecível. Descia eu da minha casa no Bairro Serra, um ladeirão na Rua Pouso Alto, e, ao pé da rua, saindo do seu carro para visitar os pais e irmãos, aquele amor de pessoa chamada Fernando Brant. Ele me chama, entramos no carro, acionou uma fita cassete, abriu um caderno de letras, cantou ‘Ponta de Areia’ e ‘Saudade dos aviões da Panair’.
Ainda sinto a emoção que senti ali: Bituca solfejando e tocando aquelas músicas ainda virgens de letras, canções que me impulsionaram a prosseguir nesse ofício de poeta da música. O que veio depois, todos sabem. ‘Idolatrada’ foi a forma contundente que Fernando encontrou pra fazer uma declaração de amor absurdamente bela. Não vou aqui tecer comentários sobre a modernidade das músicas de Bituca. O mundo já sabe disso. O disco ‘Minas’ é um dos absurdos sonoros que ouço até hoje.”
• A MAIS DOIDA DO LP
Celso Adolfo
Cantor e compositor
“Em 1975, mal fazia três anos que o LP ‘Clube da esquina’ tinha dado aquele choque, o LP ‘Minas’ me pegou pela faixa “Idolatrada”.
A emissão vocal do Milton quando ele cantava ‘mas não és da ribeiraaaaa!’, de tão inigualável, nunca parou de me impressionar. O riff que ele compôs ao piano e, pouco antes de dois minutos da faixa, foi transposto para as cordas da orquestra é dos melhores do mundo da música. Voltando de uma viagem à Dinamarca ao lado de Robertinho Silva, perguntei e ele me explicou como tinha encontrado o jeito de tocar com aquele músico de Três Pontas. No ‘Minas’, Robertinho caiu feito sapo n’água: cada música uma lagoa nova. ‘Saudade dos aviões da Panair’ e ‘Ponta de Areia’ iriam repetir na voz de Elis Regina a mesma emoção do ‘Minas’. Mas a mais doida do LP é “Trastevere”. Estive em Roma há uns meses e fui à noite daquele bairro me lembrando dessa música, dos efeitos percussivo-harmônicos, do coro de vozes graves e masculinas, em uníssono, abrindo a faixa, o fraseado poético-melódico inesperado. Trastevere não me explicou como surgiu aquilo.
Com milhares de anos me dando uma sova emocional, o verso de Ronaldo Bastos era e é uma aposta no inexplicável: ‘A cidade é moderna/ dizia o cego ao seu filho’. E Milton? Por meio das lapadas da melodia de ‘Trastevere’ e das demais de sua lavra vertical varando o chão, ele está neste mundo apostando no inalcançável, na aproximação da realidade, jamais nas coisas em si mesmas, como as cifras.”