Mãe de José e Joaquim, a diretora e roteirista Anna Muylaert aborda a maternidade desde seu longa de estreia, “Durval Discos” (2002), quando levou Etty Fraser de volta ao cinema. Em duas décadas, foram outras mães, como a faxineira Val de “Que horas ela volta?” (2015) e a dúbia Aracy (Dani Nefussi), de “Mãe só há uma” (2016). “Agora, há um aspecto novo, porque esse filme fala da mãe como ser político”, afirma.


Ela está se referindo ao longa “A melhor mãe do mundo”, que chega nesta quinta-feira (7/8) aos cinemas. A personagem-título é Gal (Shirley Cruz). Econômica e socialmente, é a mais frágil das mães criadas por Anna Muylaert. Mas que revela uma força fora do comum para criar seus dois filhos, Rihanna (Rihanna Barbosa) e Benin (Benin Ayo).


“A sociedade inteira vê a mãe como um ser afetivo, aquela que está lá, garantida. A maioria das mães entra nesse jogo despreparada. Daí, ela é responsável e culpada por tudo. Não existe apoio, nem psicológico nem financeiro. O que existe é a creche. Conforme as mulheres estão entrando nos circuitos de poder, começa a se desenhar um lugar político para esse personagem tão importante que é a mãe”, afirma a diretora.

 


Vítima de abusos

Gal é uma catadora de São Paulo. Passa seus dias na rua, indo e vindo nos depósitos de recicláveis para ganhar algum dinheiro com sua carga. É casada com Leandro (Seu Jorge), a quem ama profundamente. Mas resolve dar um basta nos abusos. Quando a conhecemos, ela está quase sem fala, numa delegacia de mulheres. Tomou uma decisão que vai mudar sua vida completamente: dar queixa do marido.


Atriz carioca de 49 anos, Shirley Cruz já sofreu na pele o que Gal sofre na tela do cinema. Vítima de agressões de um ex-companheiro, ela foi atrás do papel. Depois de trabalhar no filme anterior de Muylaert (“O clube das mulheres de negócios”, de 2024) recebeu o convite para o teste.


“Quando li o roteiro, eu falei que iria fazer (o teste) não para tentar, mas para conseguir. A cena da delegacia foi a do teste. O choro, a princípio, parece muito convidativo para se resolver uma cena dramática. Mas eu entendi que a Anna não queria uma Gal coitada. E é na delegacia que você tem que decidir. Muitas vezes é onde muitas mulheres morrem, porque se sentam na cadeira, levantam e desistem. Fui (fazer o teste) com o pensamento de uma mulher mais para perturbada. Já passei por isso, de denunciar o homem que se ama, por quem se sente tesão”, conta.


Na delegacia, Gal mais reage à policial que faz o boletim de ocorrência, respondendo de forma monossilábica. As feições da atriz, e sua atitude, que denota o pesadelo que está vivendo, fazem a força da sequência. Saindo dali, Gal vai para casa, pega os filhos e sai, com eles a bordo de sua carroça, pelas ruas de São Paulo. Seu objetivo é chegar até a casa da prima, Valdete (a cantora e compositora Luedji Luna), que vive na Zona Leste.

 

Inspiração para o filme


“Tive a ideia para esse filme a partir de uma amiga, que me contou de duas catadoras que iam trabalhar com suas crianças atrás. A partir daí, construí a história dessa mulher a fazer um road movie por São Paulo. Ela tem que dar o jeito dela para que isso não vire um pesadelo também para as crianças”, comenta a diretora.


O tempo todo Gal fala com os filhos que eles vão viver uma aventura. Rihanna, pré-adolescente, já percebe que tem alguma coisa errada. Mas Benin não – adora a temporada nas ruas. Nessa viagem a pé, de carroça, pela maior metrópole brasileira, Gal não quer que nada atinja os filhos. Furta guloseimas de um mercadinho para afastar a fome dos meninos; entra com eles em um chafariz para que todos tomem banho e brinquem com as águas. No caminho, se depara com pessoas boas e ruins. Ela chega a Itaquera e reencontra a família da prima – invariavelmente, também com o famigerado marido.


“As filmagens foram bem desafiadoras por causa do trânsito, das pessoas olhando. Teve cena em que a gente começou no sol e, de repente, começou a chover, e não pudemos continuar. E com as crianças dentro daquela carroça, o que é perigoso. Havia uma tensão constante com a preocupação de que aquelas crianças não se machucassem”, comenta Anna Muylaert.


Uma das locações do filme foi a Ocupação 9 de julho, uma das mais conhecidas de São Paulo. Na sequência rodada no local, houve moradores fazendo figuração – e também simpatizantes, como o cantor e compositor Chico César.


Versão documental

O filme de Anna Muylaert gerou a série documental “A melhor mãe do mundo (real)”. Idealizada por Henrique Leinig e dirigida por Pedro Bayeux, a produção, em oito episódios, acompanha oito mulheres que, a despeito de terem sofrido preconceito, conseguiram dar uma guinada em suas vidas. A série está disponível no YouTube (@maisgaleria).


“A MELHOR MÃE DO MUNDO”
(Brasil, 2025, 105min.) – Direção de Anna Muylaert, com Shirley Cruz, Seu Jorge, Rihanna Barbosa e Benin Ayo) – O filme estreia nos cines BH 8, às 15h25 (seg a qua); BH 10, às 15h15, 17h40, 20h10 (exceto sab e dom); 14h30, 17h20, 20h (somente sab e dom); Boulevard 5, às 16h20, 18h35, 20h50; Centro Cultural Unimed-BH Minas 2, às 21h10; Cidade 6, 16h20 (exceto sab e dom), 18h40 (exceto qui e sex), 21h; Del Rey 4, às 16h30, 18h45, 21h; Diamond 4, às 16h20, 19h20; Itawpower 1, às 14h, 18h45; Itaupower 5, às 13h45; Minas Shopping 5, às 14h, 18h50, 21h05; Monte Carmo 4, às 16h, 18h20, 20h40; Pátio 4, às 19h20, 21h50 (qui e sex); 19h, 21h50 (sab e dom); 18h55, 21h20 (seg a qua); Pátio 7, às 20h (somente dom); 22h30 (sex, seg a qua); Ponteio 2, às 14h20 (exceto sab e dom), 16h35, 20h55; UNA Belas Artes 2, às 20h30

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