'O grande golpe do Leste' brinca com o fim da Alemanha comunista
Filme estrelado por Sandra Huller mostra roubo de fortuna prestes a perder valor durante a unificação alemã, após a queda do Muro de Berlim
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Siga noÉ aos poucos que se entra em “O grande golpe do Leste”. Não pelo filme em si, mas pelo momento delicado que aborda: o momento em que a Alemanha Oriental (Leste) é dissolvida e se integra à Alemanha Ocidental (Oeste). O assunto em si é estranho, pois vemos o que acontece pelos olhos de habitantes de Berlim Oriental, e ainda mais estranho, porque eles mesmos estão um tanto perdidos, quando o filme começa.
Sabemos que moram em um conjunto residencial à soviética, que estão perdendo os empregos. Em poucas horas, assim que o muro caiu, seu mundo virou de ponta-cabeça.
De repente os valores do socialismo, em que acreditavam, já não servem para nada. Os valores do Estado, em que há muito deixaram de acreditar, ainda permanecem mais ou menos de pé (ao menos a polícia).
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Pouco sabemos sobre a mudança que ocorreu no fim do século passado, com a unificação da Alemanha, que este “Grande golpe” aborda de frente. Sabemos que foram anos difíceis, que muitas pessoas passaram de imediato para o lado ocidental e deixaram suas antigas residências intactas (e prontas para serem ocupadas), por exemplo.
Aqui, o grupo descobre o lugar onde ficavam depositados os velhos marcos do lado oriental, prestes a perder todo valor. Mas por enquanto ainda valem (perderiam valor no fim da semana). O que começou como uma brincadeira antissistema se transforma aos poucos numa empreitada criminosa.
Se a ação é interessante, o que mais importa nesse “Grande golpe” é mesmo a maneira de observar as pessoas. Natja Brunckhorst dispõe lado a lado a senhora que atravessou as duas guerras, que há 40 anos acredita no que diz o governo do socialismo e agora vê tudo dar um giro de 180 graus; o velho funcionário há muito desiludido; o jovem pichador; o cara que tentou morar na Hungria quando as fronteiras se abriram e já está de volta; o homem desconfiado das outras pessoas da comunidade; e, entre tantos mais, a mulher (Sandra Huller) com dois amores (homens) e dois filhos (podemos supor que um de cada pai).
Roubo lícito
Existe uma questão moral colocada: a quem pertence aquele dinheiro? Se for ao Estado, trata-se de um crime (o governo do Leste ainda não foi destituído, pelo menos a polícia ainda está ativa); se for do povo, não. Mas esse não é um Estado do povo? Portanto, o roubo é lícito, assim como a distribuição do dinheiro entre a comunidade.
Há um porém: lavar a quantidade cada vez maior de notas já é algo que pode afetar o novo governo, o do Oeste. É isso que torna as reviravoltas da aventura mais divertidas.
No todo, não raro o espectador que assiste às peripécias aqui deste distante Ocidente segue mais perdido do que compreende os meandros. Isso pode se dever ao fato de o filme ser dirigido, antes de tudo, ao espectador alemão. Mas pode ser que Nadja Brunckhorst tenha seguido a norma de comédias policiais, em que não é essencial destrinchar a trama em todos os detalhes, sob pena de perder o “timing” e deixar o espectador sonolento.
Cola mal a história de Sandra Huller com seus dois amores, o marido e o amante. Não parece acrescentar nada de especial ao enredo e lembra apenas um “Jules et Jim”, o filme de François Truffaut, sem ter o mesmo encanto.
Para compensar, lá está Huller: ela pode ser suspeita de um assassinato (“Anatomia de uma queda”), a aplicada mulher de um chefe de campo de extermínio (“Zona de interesse”) ou uma alegre contraventora, entre oportunista e anarquista (“O grande golpe do Leste”). Os registros podem ser diferentes, mas ela sempre se sai mais que bem.
“O GRANDE GOLPE DO LESTE”
Alemanha, 2025, 116min. Direção: Natja Brunckhorst. Com Sandra Hüller, Max Riemelt e Ronald Zehrfeld. Em cartaz nesta quarta (18/6), na Sala 2 do UNA Cine Belas Artes, às 16h20. A partir de quinta (19/10), às 16h10, na Sala 3 do mesmo cinema.