Charlotte Rampling é uma ex-fotógrafa de guerra com a mobilidade comprometida no longa ambientado na Nova Zelândia -  (crédito: Pandora Filmes/Divulgação)

Charlotte Rampling é uma ex-fotógrafa de guerra com a mobilidade comprometida no longa ambientado na Nova Zelândia

crédito: Pandora Filmes/Divulgação

Os filmes iniciáticos devem seguir certas normas infalíveis – um jovem um tanto perdido resiste a receber os conselhos de uma pessoa mais experiente e sábia, mas, com o tempo, cede e reconhece o muito que tem a aprender com ela.


O que varia são as personagens que ocupam essas formas. E os lugares. No caso, estamos na Nova Zelândia, onde o jovem Sam, com a vida esfacelada desde a morte da mãe, precisa ainda se ocupar da avó, Ruth, que tem a perna quebrada e não pode se locomover. Em troca, bebe gim em quantidades industriais e se comporta de maneira absolutamente autoritária.

 


Ruth é Charlotte Rampling, o que, de cara, torna seu autoritarismo charmoso. Ela pede (manda) coisas a Sam, tais como uma jarra de gim com água que ela enxugará em não tanto tempo assim. Sam se revolta com a mulher, de quem precisa se ocupar sempre que a enfermeira está de folga ou, por qualquer razão, ausente.

 

 


Sam, de resto, já entra para o internato onde o pai o colocou – para melhor namorar em Londres, segundo o jovem – arranjando briga e sendo mandado de volta para casa. Em casa, enquanto ensaia um suicídio, cuida da avó como um fardo. Mas um ou dois incidentes o fazem perceber que a velha e silenciosa avó é um pouco mais de um fardo, em especial quando a enfermeira traz um padre para a consolar – ou a converter, e ela o manda plantar batatas.

 


Além de anticlerical, ela tem em seu passado uma carreira de fotógrafa de guerra, de audácias comportamentais, enfim de tudo o que para Sam é surpreendente e bem-vindo. Aos poucos, começa uma aproximação – Ruth percebe na rebeldia do menino algo que a lembra si mesma; ele vê na velha dama indigna uma janela para um mundo. Começa então um regime de trocas, em que a sábia mulher de certo modo conduz o rapaz a uma evolução decente.

 


O filme de Matthew J. Saville caminha okay até mais ou menos a metade, impulsionado pela personalidade marcante de Rampling e pela recém-adquirida capacidade de Sam de se mostrar aberto aos muitos ensinamentos que tem a receber, bem longe da estrita disciplina do colégio ou da autoridade tresloucada do pai – também chegado à bebida, frustrado e tal.

 


A partir daí, e com a saúde de Ruth se deteriorando, "A matriarca" entra em parafuso, tal a necessidade de promover a paz em família, o que leva a uma série de arranjos em que a compreensão entre os humanos atinge picos não raro extravagantes, tais como ver Ruth receber a hóstia do padre que há não tanto tempo ela tratara a pontapés.

 


Okay, aceitemos que perto da morte mesmo o ateu mais convicto pode aceitar, pelo sim, pelo não, uma conversão. Mas há muitas outras coisas a arranjar para que o filme de Saville sele a paz entre todos os presentes e todos entrem em estado de comunhão diante do nascer do Sol, e não espanta que o personagem de Sam, do qual esperamos sempre um desabrochar, se retraia junto com a interpretação do ator.

 


A ação se dá quase sempre em paisagens realmente atraentes da Nova Zelândia, e convém frisar que o filme aproveita bem as locações campestres; se move bem no protocolo do gênero, o que o torna fácil de assistir até determinado momento e bastante enfadonho ao seu final. Essa queda parece obedecer a determinações estritamente comerciais. Mas esse parece ser, também, o limite de Saville.

 


“A MATRIARCA”
(Nova Zelândia, 2021, 94 min.) Direção: Matthew Saville. Com Charlotte Rampling, George Ferrier e Marton Csokas. Classificação: 16 anos. Em cartaz no Centro Cultural Unimed-BH Minas (Sala 2, 16h10).