André Guerreiro Lopes dirige a montagem do texto de Gabriela Mellão que estreou no ano passado, em São Paulo -  (crédito: Ale Catan/Divulgação)

André Guerreiro Lopes dirige a montagem do texto de Gabriela Mellão que estreou no ano passado, em São Paulo

crédito: Ale Catan/Divulgação

 

“I Ching - O livro das mutações” não é para ser lido como um livro qualquer, mas para ser consultado como um oráculo. Portanto, soaria estranho ouvir alguém dizer que vai escrever uma peça de teatro baseada nele.

 

Mas foi exatamente isso que a jornalista e dramaturga Gabriela Mellão fez. Com base na filosofia do “I Ching”, ela escreveu “Mutações”, peça que cumpre curta temporada no Grande Teatro do Sesc Palladium, neste sábado (30/3) e domingo.A direção é de André Guerreiro Lopes. O elenco é composto por Luis Melo, Andréia Nhur e Alex Bartelli.

 

 

 

Escrito em período anterior à dinastia Chou (1150-249 a.C) pelo sábio chinês Fu-hsi, o “I Ching” é composto por 64 hexagramas (símbolos geométricos), que, lidos por iniciados, revelam mensagens e profecias, tendo sempre como princípio a promoção da evolução por meio do equilíbrio – a filosofia do livro é baseada nos princípios do yin e yang.


Casco de tartaruga

 

Reza a lenda que Fu-hsi estudou as linhas das rachaduras que viu no casco de uma tartaruga e criou os hexagramas a partir delas. São figuras cujas linhas podem estar inteiras ou interrompidas. E cada imagem formada esconde uma mensagem profética.

 

“Quando recebi o convite para participar desse projeto, minha primeira pergunta foi: como uma peça pode ser baseada em um livro que, na verdade, é um oráculo repleto de profecias e metáforas?”, lembra Luis Melo.

 

 

“Mas, depois de ler o texto, entendi que a filosofia chinesa não foi traduzida em texto dramatúrgico. Ela está dentro de uma história criada pela Gabriela Mellão, refletindo-se por meio do cenário, das luzes e do comportamento dos personagens… até a tartaruga do Fu-hsi é personagem da peça”, diz ele.

 


“Mutações”, portanto, leva para o palco uma história original que ecoa a filosofia chinesa de modo subjetivo. A peça acompanha o embate do Ancião (Luis Melo) com o Jovem (Alex Bartelli), ao passo que Ela (Andréia Nhur) aparece na vida dos dois, trazendo, ao mesmo tempo, equilíbrio e tempestade.

 

O conflito entre os personagens, no entanto, não é beligerante. O Ancião é um homem sábio, guiado pelas memórias e intimamente ligado às perdas que teve ao longo de sua existência. O Jovem, por sua vez, é impulsivo, ávido pela liberdade e pela ação e, de certo modo, desperta ciúmes no Ancião. E Ela é a personagem mais livre do trio, um ponto de equilíbrio entre os dois.

 

Não existe uma disputa entre eles. O que há é uma compreensão de que a combinação de experiências diversas é positiva para todos. Trata-se, afinal, de pessoas com vivências diferentes, mas que, juntas, se complementam, tal qual o yin e yang.

 


Construção de sentido

 

Um tanto ou quanto abstrata, “Mutações” entrega ao espectador diferentes elementos para que ele construa o sentido da peça em seu íntimo. “Cada pessoa é capaz de construir significados diferentes ao assistir ao espetáculo”, comenta Melo.

 

Há quem tenha interpretado “Mutações” como uma crítica pungente ao imediatismo das coisas, vendo no Jovem a ansiedade de conseguir realizar tudo no menor tempo possível, enquanto o Ancião o aconselha a deixar que a vida siga seu rumo no tempo natural.

 

Também já houve quem visse na peça uma forma de condenar o etarismo, no qual a sabedoria estaria com o Ancião, e não com os dois personagens mais novos (o Jovem e Ela).

 

Uma terceira linha interpretativa é a associação de “Mutação” com a COVID-19, quando dúvidas existenciais foram levantadas e a morte iminente impeliu as pessoas a refletirem sobre suas próprias vidas e experiências passadas. Nesse contexto, o Ancião torna-se alegoria de um exame de consciência.

 

Tudo isso Melo ouviu ao longo de quase um ano, desde que a peça estreou, em julho de 2023, no Sesc Consolação, na capital paulista. Na ocasião, ele comemorava o retorno aos palcos depois de quatro anos, desde que suspendeu a temporada de “Ausência”, em 2020, por causa da pandemia.

 

De todas as interpretações que ouviu, o ator não diz com qual mais tende a concordar. Limita-se a dizer que o texto é poético, e que foi capaz de “cair no gosto do público de diferentes gerações”.

 

Muito disso, segundo ele, é responsabilidade do trabalho de direção de André Guerreiro Lopes. Assim como Melo, o diretor de “Mutações” estudou no Centro de Pesquisa Teatral (CTP), de Antunes Filho (1929-2019), no qual um dos métodos de ensino adotado era o “desequilíbrio”, que se baseava em filosofias orientais, no intuito de expandir a mente diante da dificuldade de compreender as ações do corpo e o domínio da voz.

 

“André conseguiu transportar isso para o palco brilhantemente, combinando e coordenando tudo com os fatores da dramaturgia da Gabriela”, afirma o ator.

 

 

"MUTAÇÕES"

Texto: Gabriela Mellão. Direção: André Guerreiro Lopes. Com Luis Melo, Andréia Nhur e Alex Bartelli. Neste sábado (30/3), às 20h; e domingo, às 19h. No Grande Teatro do Sesc Palladium (Rua Rio de Janeiro, 1.46, Centro). Ingressos à venda por R$ 75 (plateia 1 / inteira), R$ 65 (plateia 2 / inteira) e R$ 42 (plateia 3 / inteira), na bilheteria do teatro ou pelo site do Sympla. Meia-entrada na forma da lei. Informações: (31) 3270-8100.