Pintora, escultora e desenhista, Maria Helena Andrés revela sua admiração por Guignard:

Pintora, escultora e desenhista, Maria Helena Andrés revela sua admiração por Guignard: "Ele foi meu mestre. Meu único mestre"

crédito: MARCOS VIEIRA/EM/D.A PRESS

“Ele foi meu mestre. Meu único mestre.” Em tom de reverência, respeito e admiração – muita admiração! –, a artista plástica mineira Maria Helena Andrés se refere a Alberto da Veiga Guignard (1896-1962), pintor e professor que entrou para a história com seu talento e se tornou conhecido pelas obras e pelo último sobrenome. Aos 101 anos e ainda produtiva, dedicando-se aos desenhos e colagens, Maria Helena só tem a agradecer ao pioneiro da Escola Guignard, em Belo Horizonte, instituição de oito décadas na qual se formaram várias gerações de brasileiros – a aula inaugural foi em 30 de março de 1944.


“Com ele, aprendi a ter disciplina e liberdade para criar”, revela a belo-horizontina diante de uma foto em que aparece entre as colegas Amarilis Coelho e Edith Bhering, perto do mestre nascido em Nova Friburgo (RJ). Residente numa casa de onde se vê a vastidão das montanhas de Minas, Maria Helena acompanha a silhueta dos maciços do entorno de BH para voltar no tempo com uma lucidez tão espetacular, que dá nitidamente para visualizar suas memórias.

 


Em 1944, quando jovem artista, viu surgir a Escola Guignard, hoje vinculada à Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg). “Acabara de voltar de estudos no Rio de Janeiro, enviada pelo meu pai, e tudo na época era arte acadêmica. Na volta a Belo Horizonte, vi ocorrer a ruptura entre o academicismo e o modernismo, que tinha Guignard à frente. Foi um momento fundamental. No meu caso, especificamente, o mestre conseguiu despertar o que havia dentro de mim”, conta a pintora, escultora e desenhista. “Guignard trazia coisas novas, nada que atendesse a um condicionamento passado. Era um ensino libertador para captar a essência de cada um.”

 

Maria Helena Andrés (C) com as colegas Amarilis Coelho,  Edith Bhering e o professor Alberto da Veiga Guignard

Maria Helena Andrés (C) com as colegas Amarilis Coelho, Edith Bhering e o professor Alberto da Veiga Guignard

arquivo pessoal

 


EFERVESCÊNCIA CULTURAL

 

Uma das pioneiras da Escola Guignard, da qual foi também professora e diretora, Maria Helena Andrés explica que as aulas, com cerca de 40 alunos, começaram no prédio da Escola de Arquitetura, então no Centro, migrando, na fase inicial, para um antigo grupo escolar no Parque Municipal. “Ficava perto do lago, cercada de vegetação”, recorda-se do ambiente e dos visitantes. “O espaço recebia muitos intelectuais e artistas. Passaram por lá Cndido Portinari (1903-1962), Santa Rosa (Tomás Santa Rosa Júnior, 1909-1956) e Roberto Burle Marx (1909-1994). Era uma síntese das artes, com os artistas trabalhando com os jovens.”


O clima de efervescência mudou o cenário de BH. “Havia, em todos nós, o entusiasmo de criar algo novo na cidade, então muito tradicional. Era o despertar de uma energia nova”, diz Maria Helena, que teve, entre os colegas, artistas do quilate de Mário Silésio (1913-1990), Amilcar de Castro (1920-2002), Nelly Frade (1913-1988), Marília Giannetti (1925-2010) e Célia Laborne, e também como professor Franz Weissmann (1911-2005), escultor.


Antes de se transferir, na década de 1990, para o edifício projetado pelo arquiteto Gustavo Penna, aos pés da Serra do Curral, na Zona Sul de BH, a Escola Guignard funcionou no Palácio das Artes. “Assistimos ao início da construção do teatro.” Durante toda a conversa, a figura de Guignard está presente, e Maria Helena Andrés tem, na memória, outras belas imagens. “O objetivo dele era captar a essência. Por isso, nas aulas, não gostava de usar fotografias, mas modelos vivos. Dizia que a fotografia escondia a alma.”


SEM RECEITA PRONTA

 

Sobre o temperamento de Guignard, a multiartista destaca o jeito bem-humorado, a competência, a boa didática e a inteligência, além de ser bem informado. “Estudou na Europa e gostava da arte pré-renascentista. Não trazia uma receita pronta, queria que cada um de nós ouvisse a voz interna.”
Após mostrar trabalhos, como o painel na sala da casa e esculturas em ferro, Maria Helena enaltece a passagem do tempo e sorri quando o repórter brinca: “A senhora já nasceu moderna. No ano da Semana de Arte Moderna de 1922”. Para ela, nascida em 2 de agosto de 1922, o mais importante é viver e aprender. “Sou uma pessoa versátil, vou mudando como ser humano. A alma não tem idade.”


80 ANOS DE HISTÓRIA

 

A história de Alberto Guignard com BH começou, em 1944, pelas mãos do então prefeito da capital mineira, Juscelino Kubitschek (1902-1976), que o convidou para organizar e dirigir o Curso livre de desenho e pintura, vinculado ao recém-criado Instituto de Belas Artes. Deixa o Rio de Janeiro e se transfere para Belo Horizonte, onde, em 30 de março daquele ano, ocorre a aula inaugural sob sua orientação. Em 1988, a Prefeitura de Belo Horizonte cede à Fundação Escola Guignard a área de 2 mil metros quadrados na Praça Alexandre Salum Cadar, no Bairro Comiteco-Mangabeiras. A construção, com projeto do arquiteto Gustavo Penna, começa em 1989. Em 1995, a escola passa a funcionar na nova sede.