Espetáculo que entrelaça histórias familiares e causos que a artista ouviu na infância será apresentado hoje e amanhã, no Sesc Palladium -  (crédito: Arquivo pessoal)

Espetáculo que entrelaça histórias familiares e causos que a artista ouviu na infância será apresentado hoje e amanhã, no Sesc Palladium

crédito: Arquivo pessoal

Da nascente, no município de Serro, até sua foz, no município de Belmonte, na Bahia, o Rio Jequitinhonha atravessa a região Nordeste de Minas Gerais. No caminho, forma-se a região do Vale do Jequitinhonha, composta por 55 municípios e aproximadamente 980 mil habitantes.


É em Virgem da Lapa, nessa região, que a atriz e cordelista Bianca Freire cresceu. Radicada em Belo Horizonte desde 2012, ela honra suas origens no espetáculo “3 contos de amor”, em cartaz nesta sexta (8/3) e sábado, no Sesc Palladium.


No solo, Bianca apresenta três cordéis autorais, compostos com base em histórias que ouviu desde a infância. “Sempre achei as histórias da minha família uma coisa muito cinematográfica e dramática. Desde quando comecei a ouvi-las, fiquei querendo colocá-las no papel. Então falei: ‘Quero escrever cordel’”, conta.

 


Ela observa que “o cordel tem essa linguagem simples. A gente tem um defeito humano de achar que a simplicidade é menor, pior, mas acho que ela é, na verdade, um caminho mais difícil de ser encontrado, porque é o caminho de dentro do nosso coração”.


Vencedores do concurso de poesia do Festival da Cultura Popular do Vale do Jequitinhonha, os versos de “Têra sanfonêra”, “Meu pé de Algodão” e “É cordeiro ou cabrito?” transportam o público para as margens do rio, a cerca de 560 km da capital mineira.


“Escrevi ‘Têra sanfonêra’ em homenagem a mainha e sua história, que é basicamente uma freira que dançava forró e foi expulsa do convento por isso. Depois escrevi ‘Meu pé de algodão’, sobre o amor que tenho por minha avó, que era fiadeira de algodão. Inclusive, ela se chamava Generoza, com ‘z’, o que me marcou muito”, conta a artista.

 

 

“Por fim, ‘É cordeiro ou cabrito?’ fala do amor improvável entre dois bichos, a ovelha e o bode. Ela tem um pouco a ver com a família do meu pai, que é Cordeiro. Meu avô era comerciante de chita e meu pai, certo tempo, criava bode. É inspirado na minha infância e nas histórias que ouvi.”


BRINCAR


Palhaça e integrante do Grupo Maria Cutia, Bianca Freire convidou Mariana Arruda para dirigir o espetáculo. Para além da afinidade entre as duas artistas, o encontro traz também a perspectiva norte-mineira da diretora, natural do município de São Francisco, e o estado de “brincar”, incorporado na vivência da região.


“Quando eu me tornei palhaça, descobri de novo esse jogo da arte cotidiana, que eu tinha na infância. Dos jogadores, do verbo do brincar. Porque tem uma coisa curiosa na minha terra, que tudo se remete a brincar. Não falamos: ‘Vamos dançar um forró’, falamos: ‘Vamos brincar forró. Então tocar, dançar, tudo isso é brincar, e brincar é justamente esse estado do palhaço”, aponta Bianca.


Vestida da cabeça aos pés como uma boneca de barro, símbolo primário do artesanato da região, a atriz traja um figurino assinado por Luiz Dias, com assistência do Núcleo de Pesquisa do Galpão Cine Horto. No cenário, a atmosfera fica completa com os tapetes feitos por sua mãe, a artesã Lourdes Freire, e Vitória Cavalieri.


“Conto cada história que vivi em cima do tapete feito pela minha mãe. Costumo dizer que ela está sempre enfeitando o meu caminho. Meu figurino traduz isto também, porque ele mostra exatamente esta ligação que tenho com a terra e com a boneca de barro, que acaba por sair da região e viajar o mundo, como eu faço, mas sempre tem um pedaço de onde veio consigo”, afirma a atriz.

 


Uma das aspirações da atriz, que se formou no Teatro Universitário da UFMG, é oferecer uma perspectiva sobre o Jequitinhonha oposta ao estigma da pobreza. “Nosso Vale do Jequitinhonha sempre foi tido, principalmente fora do meio artístico, como uma região pobre. Quando entrei para a faculdade, fui pesquisar a respeito e achava muita coisa sobre doenças, sobre economia. Lembro que li um artigo intitulado ‘Vale do Jequitinhonha: Lugar da economia deprimida’ e falei: ‘Oxente, essa pessoa que fez nunca foi lá’. Porque eu só vejo sorrisos e alegria”, afirma.


“Claro que temos nossas questões, mas é um lugar não tão valorizado pelo resto do estado e do país. Eu acredito que a força do Vale está no espetáculo e é capaz de chegar para cada um e dizer: ‘Olha, essa gente precisa de mais atenção, o que a gente faz aqui não é encontrado em qualquer lugar’. No geral, precisamos tomar propriedade e proteger essa região, porque ela é nossa, é minha, é de todos nós mineiros”, diz.

*Estagiária sob supervisão da editora Silvana Arantes

“3 CONTOS DE AMOR”
Direção: Mariana Arruda. Com Bianca Freire. Nesta sexta (8/3) e sábado (9/3), às 20h30, no Sesc Palladium (Rua Rio de Janeiro, 1.046 - Centro). Ingressos: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia). Mais informações: (31) 3270-8100.