PARATY (Rio) – Ninguém atraiu mais as atenções no Centro de Paraty na manhã nublada desse sábado (25/11) do que a escritora mineira Conceição Evaristo. Às 10h10, minutos antes de começar um evento da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), com a presença dela na Casa Estante Virtual, uma fila de cerca de 300 metros se formava pelas ruas de pedra sabão. Ao se dar conta da quantidade de gente à espera da apresentação da romancista de 76 anos, um leitor desistiu e comentou que a fila estava maior que as dos shows da cantora americana Taylor Swift no Rio de Janeiro e em São Paulo.

 

 

O salão onde Conceição estava foi insuficiente para o público. Assim, as pessoas ocuparam os demais cômodos da casa, onde foram instaladas caixas de som – se seria inviável vê-la, era possível ao menos ouvir as histórias da autora.

 

A rua também ficou tomada por admiradores de Conceição, que esticavam o pescoço para acompanhá-la através das janelas. "Ela deveria falar para o público em um lugar mais amplo", disse a professora aposentada Maria Antonia Freitas da Silva, de 77 anos, que veio de Salvador para Paraty principalmente para acompanhar Conceição.

 



 

A julgar pelos aplausos recorrentes, a espera valeu a pena. O público reagiu com entusiasmo quando Conceição disse que estava preparando um rap. "Alguns rappers demonstraram interesse em gravar, Emicida foi um deles", disse ela à reportagem logo depois da palestra. "Vai se chamar 'Rap da experiência".

 


“É NÓIS” QUESTIONADO

 

Durante a fala, fez pontes entre o passado e o presente da cultura negra no Brasil. "Emicida rompe a tradição ao dizer 'é nóis', o que é visto como erro pela norma culta. Ele incomoda os puristas, assim como Carolina de Jesus, que havia criado neologismos em seus livros. Por que Guimarães Rosa podia e Carolina não?", questionou.

 

Conceição também comentou o recém-conquistado prêmio Juca Pato de intelectual do ano. "Não posso ser uma exceção. No ano que vem, os intelectuais brancos vão ficar quietinhos no lugar que eles têm e premiarão novamente uma negra ou um negro", desafiou.

 

Autora de romances, como "Ponciá Vicêncio" (2003) e "Canção para ninar menino grande" (2022), e volumes de contos, como "Olhos d'água" (2014), Conceição discorreu sobre a presença da morte na sua literatura. "Tenho fama de ser assassina, muitos personagens meus se encontram na morte. Mas é uma morte que está clamando pela vida. A vida continua", disse. "Precisamos ter uma outra compreensão da morte."

 

No primeiro lugar da fila de autógrafos, que aconteceu logo depois da apresentação, a professora e poeta Benilda Amorim contou que "Insubmissas lágrimas de mulheres" é seu livro preferido de Conceição, autora que acompanha atentamente desde 2017. Amorim também tinha vindo de Salvador para acompanhar os debates da Flip.

 

Também nesse sábado, Conceição participou de debate com romancista Eliana Alves Cruz, na Casa da Utopia, às 17h. Neste domingo (26/11), último dia da Flip, às 10h, Conceição vai ao Sesc Santa Rita para comentar o livro "Macabéa, Flor de Mulungu", em que reinterpreta a personagem de Clarice Lispector.

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